A emoção é a forma como as pessoas veem o mundo. É a diferença entre o que aconteceu externamente e como constroem sua interpretação interna. A maneira como cada um responde às situações em suas vidas tende a tornar suas emoções absolutas. Já a desregulação emocional ocorre quando o indivíduo permite que suas emoções respondam sem qualquer interferência da razão. Por sua vez, inteligência emocional diz respeito a assumir o controle das próprias emoções.
Nesta entrevista, o tema é aprofundado pela pedagoga Cintia Caetano. Ela tem pós-graduação em neuropsicopedagogia clínica e psicopedagogia institucional, clínica e transtorno global do desenvolvimento (TGD). Também é especialista em biofeedback, neurofeedback e análise comportamental. Atualmente é professora de ensino médio, educação superior e cursos de pós-graduação e é coach e palestrante dedicada ao ensino da neurociência a pais, professores e profissionais de área.
Recentemente, publicou o livro ‘A inteligência emocional e o cérebro humano: uma nova perspectiva para enxergar suas emoções’, pela Wak Editora. A obra descreve diversas técnicas, ferramentas, conhecimentos científicos e experiências pessoais que norteiam a busca pela inteligência emocional. Busca apresentar conceitos de neurociência de maneira clara e objetiva, assim como técnicas de programação neurolinguística (PNL) que podem ser aplicadas facilmente. O objetivo é trazer conhecimentos básicos sobre como as pessoas podem gerir suas emoções, identificando as raízes da rejeição e conhecendo seus padrões de funcionamento.
Qual a importância das emoções para os seres humanos?
A emoção é como interpretamos o mundo e as situações que vivemos, é aquilo que damos significado. O cérebro só gera emoção sobre aquilo que a gente valoriza e dá significado. Emoção é uma das sensações que mais conhecemos, somos seres dotados de emoção. Se perguntarmos para qualquer pessoa, talvez ela não consiga explicar, só saiba dizer que sentiu, ou seja, é uma sensação física ou emocional, provocada por alguém ou por algo. Cada pessoa pode sentir de maneiras diferentes. Toda emoção leva as pessoas a agirem ou reagirem de uma determinada maneira. A emoção é automática e inconsciente e é por meio dela que externamos nossos sentimentos. A emoção é a forma/sintoma como vemos o mundo. É a diferença entre o que aconteceu lá fora e como construímos nossa interpretação interna.
Precisamos entender que a vida é neutra, nós que damos significados positivos ou negativos aquilo que vivemos. A emoção ocorre primeiro, ou seja, algo acontece e é acionada em nós uma ação, pode ser a aceleração do nosso coração, uma expressão facial, pernas trêmulas, introspecção etc. Após isso, nossa mente se empenhará em encontrar um significado para o que estamos sentindo. A maneira como respondemos às situações em nossas vidas tende a tornar as emoções absolutas. Uma emoção sempre nos manda para um caminho. Pode então vir uma outra emoção e nos colocar em um caminho oposto. As emoções devem ser coerentes com os resultados que desejamos obter.
Quais as principais causas da desregulação emocional?
Uma desregulação emocional ocorre quando permitimos que nossas emoções respondam sem qualquer interferência da razão (cérebro racional). Imagine que você é um piloto de uma grande nave espacial e à sua frente tem um painel de controle cheio de botões. Quando nascemos, começamos a desenvolver as funcionalidades desses botões do painel de controle. Todas as nossas experiências desde a infância até a fase adulta são configuradas nesses botões, sejam brincadeiras, perdas, sucessos, sejam fracassos, comportamentos, padrões.
O grande problema e desafio é que, ao passar do tempo, o painel que deveria estar virado para nós, encontra-se virado para outras pessoas. Isso porque nós mesmos viramos ou permitimos que outras pessoas virem esse painel para si e acabamos perdendo o controle do nosso painel. Quando permitimos que as pessoas apertem esses botões, ficamos reféns delas. Deixamos de agir diante das situações e acabamos reagindo a tudo que nos acontece.
As pessoas acabam brincando com nosso painel e automaticamente com nossas emoções. Temos a sensação de que somos perseguidos, que as pessoas agem dessa maneira somente conosco, que é só entrar em determinado local e nos aborrecemos, que nosso chefe nos persegue. Então saímos diariamente de casa com nossa nave espacial de última geração com o painel virado para as pessoas e não para nós. De repente, cada pessoa que encontramos, como familiares, amigos, pessoas desconhecidas, tem comportamentos que nos afetam de alguma maneira. É como se essas pessoas pensassem: “Ah, é isso que acontece quando eu aperto esse botão”. Com o passar do tempo, as pessoas mais próximas a você começam a aprender a função dos seus botões.
No entanto, somos donos do nosso painel de comando e é necessário trazê-lo para o nosso controle, pois ninguém faz nada conosco se não permitimos. As maiores desregulações emocionais ocorrem por desconhecimento do painel de controle das nossas emoções. Infelizmente permitimos que outras pessoas ditem como devemos nos sentir e agir. Inteligência emocional é sobre você se apropriar do seu painel de controle e assumir o controle de suas emoções, não sendo mais refém das circunstâncias e das pessoas.
De que forma a neurociência explica a desregulação emocional?
As emoções são controladas pelo cérebro, especificamente pelo sistema límbico. Nele, temos a amígdala cerebral, responsável por processar as emoções que sentimos e o hipocampo, responsável por coordenar os processos de memória, em especial a memória de longa duração, aquela que persiste por anos e anos, até mesmo por toda uma vida. Nossas decisões podem ocorrer de maneira pensada ou de maneira impulsiva, sob o calor da emoção.
Quando temos uma desregulação emocional, ou seja, uma reação explosiva, ocorre então o que chamamos de “sequestro emocional”. Esse sequestro ocorre quando a amígdala assume o controle da situação e toma decisões por si própria, da maneira que acha conveniente. Não dando qualquer chance para a mente evoluída (razão) entrar em ação.
Precisamos entender que temos menos conexões neurais no cérebro racional (neocórtex), sendo assim, há a necessidade de tempo para que o neocórtex responda, executando todas as conexões neurais necessárias para dar uma resposta adequada. Assim ele entrará em ação, trazendo consciência aos fatos. Precisamos de tempo para a informação chegar no cérebro racional (neocórtex). A única forma do cérebro racional entrar em ação é dar tempo para a informação chegar no neocórtex.
Assim encontramos a palavra-chave nesse processo: tempo. Inteligência emocional é dar um passo atrás (tempo) antes de responder a uma situação de estresse. O tempo, também chamado de stop introspectivo, é nada mais que uma parada para pensar. Significar volta-se para dentro de si em momentos de tensão, desacelerando e fazendo o cérebro neocórtex responder racionalmente.
Quais as principais consequências da desregulação emocional?
A desregulação emocional ocorre diretamente no sistema límbico no cérebro. Exatamente pelo fato de permitirmos que nossa amígdala cerebral tome decisões sem consultar a mente evoluída (neocórtex/razão). Nesse ponto, destaca-se o estresse como uma das principais consequências da desregulação emocional. O estresse faz o nosso corpo pensar que está sob ataque e muda para o modo de sobrevivência, ou seja, lutar ou fugir.
O estresse atua diretamente no tronco encefálico e cerebelo, irradiando pela coluna, enrijecendo os músculos, enviando concentração sanguínea para as extremidades do corpo, a pupila dilata, o coração acelera, o coração bombeia sangue em alta velocidade, a pressão sanguínea sobe. Infelizmente o estresse não é algo natural para o corpo humano e traz diversos prejuízos à nossa saúde física e emocional. Tudo que pensamos e produzimos mentalmente afeta nossa fisiologia, por isso, “somos aquilo que pensamos”.
Conforme o documentário ‘Heal: o poder da mente’, 99% das doenças físicas tem fundo emocional, ou seja, são psicossomáticas. Inúmeros estudos da área de saúde concluem que a principal causa das doenças é a resposta inadequada ao estresse. O estresse faz a glândula suprarrenal liberar na corrente sanguínea, juntamente com a adrenalina, outros neurotransmissores, como cortisol e noradrenalina. Essa descarga de neurotransmissores desencadeia uma sensação de fúria, raiva, impetuosidade.
Nessas situações de estresse, pânico, acidentes, brigas e sustos, não é incomum termos a sensação de que nosso sangue está circulando quente pelo corpo. Essa sensação quer dizer que está ocorrendo uma descarga poderosa de adrenalina, cortisol e noradrenalina na corrente sanguínea. Não é natural o sangue trabalhar sob a presença desses neurotransmissores, eles circulam apenas em situações de estresse emocional.
Então esse sangue passa pelos rins, para serem filtrados pela glândula suprarrenal e serem eliminadas antes do sangue irrigar os órgãos. Após filtrado, o sangue deixa o rim por meio da veia renal e segue a caminho dos nossos órgãos. O rim conseguirá filtrar esses neurotransmissores tranquilamente por uma, duas ou três vezes, porém, quando essas descargas começam a ocorrer com maior frequência, irá exigir do rim um esforço mais constante nessa filtragem. Haverá uma sobrecarrega nas glândulas suprarrenais para a filtragem constante desse sangue. Dessa maneira, pode ocorrer da glândula suprarrenal não dar conta dessa filtragem e permitir que toxinas passem por ela e irriguem os órgãos.
Tornando a informação mais clara, é como se o rim fosse uma peneira para limpar o sangue sujo. Com o excesso de sangue sujo (estressado), o rim não dá conta de peneirar/filtrar esse sangue, e acaba passando sangue sujo, que vai diretamente para os órgãos. Por isso, vemos tantas pessoas estressadas com problemas no estômago, má digestão, dores no coração, nos pulmões, dores de cabeça etc. Esses órgãos estão sendo irrigados por um sangue que não conseguiu ser peneirado. Isso pela constância diária de estresse.
O estresse não é uma condição normal do corpo humano e não é uma questão de personalidade. Ninguém nasce estressado. Trata-se de uma condição que nos colocamos e uma questão de decisão daquilo que queremos viver. O estresse deve ser algo momentâneo e nunca algo que precisemos administrar por um longo período de tempo. O estresse consome as forças. Quando estamos estressados, o cérebro pode chegar a gastar até 50% de todo o oxigênio disponível no corpo, isso porque, no momento de estresse, começa a trabalhar em ritmo acelerado, bombeando mais sangue. Como o cérebro é uma máquina, estamos sujeitos ao fenômeno de superaquecimento, o famoso “bater pino”. Permitir que o cérebro trabalhe em alta velocidade é o mesmo que colocar um motor para funcionar em velocidade máxima continuamente. Uma hora, esse motor pode parar.
O que é inteligência emocional?
A palavra inteligência vem do latim interlegere, das palavras inter (entre) e legere (escolha), que significa capacidade de escolher. Há uma definição de inteligência emocional que diz que é a capacidade de reconhecer e avaliar as suas próprias emoções e as dos outros, assim como a capacidade de lidar com elas. Gosto dessa definição, pois traz uma responsabilidade pessoal no processo. Eu tenho capacidade de reconhecer minhas emoções. Eu tenho capacidade de avaliá-las. Eu tenho capacidade de reconhecer a emoção das pessoas. Eu tenho capacidade de lidar com as minhas emoções. Eu tenho capacidade de lidar com as emoções das outras pessoas. Essa definição traz, de maneira individual, a responsabilidade de levar inteligência às emoções e não somente reagir a elas.
A inteligência emocional é a capacidade de usar as emoções certas, na intensidade certa e na hora certa, de maneira a extrair o seu melhor. Inteligência emocional diz respeito a lidar com esses conflitos e definir a melhor forma de passar por eles. Ter uma boa gestão das emoções é o mesmo que ter inteligência emocional. É saber surfar em todas as ondas, seja no medo, na raiva, seja no amor, na alegria ou na tristeza. Não há como fugir das emoções. Se estamos vivos, seremos expostos a elas.
De que forma a neurociência pode contribuir para que as pessoas desenvolvam inteligência emocional?
A neurociência é uma área que estuda o sistema nervoso e suas funcionalidades. É uma área fantástica e que busca desvendar os mistérios do cérebro humano, pois é no cérebro que moram todas as respostas para as perguntas que nos causam sofrimentos, traumas, guerras pessoais, dúvidas e desejos. A neurociência afirma que nosso cérebro funciona de forma muito parecida com os nossos músculos: ele se molda e se adapta a todo e qualquer estímulo que a gente recebe por meio do treinamento. A esse fenômeno, damos o nome de neuroplasticidade. E à medida que você o exercita, ele se torna forte e potente em suas conexões neuronais. Esse é o princípio da aprendizagem, permitir que estímulos externos recuperem e modifiquem áreas cerebrais, produzindo novas conexões e novos conhecimentos. Partindo da premissa de que o cérebro e plástico e está sempre pronto a aprender.
A neurociência nos permite compreender o funcionamento cerebral e conhecer a maneira como nosso cérebro interpreta a mundo que vivemos. Nos permite compreender como nossas emoções influenciam nossas reações e comportamentos. Com todo esse conhecimento das áreas cerebrais que controlam nossas emoções, a inteligência emocional pode ser alcançada, pela gestão do autoconhecimento e autocontrole, por meio de técnicas que proporcionem plasticidade neural e assim novos comportamentos, empatia e sociabilidade.
O que é a PNL e de que forma ela contribui para o desenvolvimento da inteligência emocional?
A PNL (programação neurolinguística) é uma técnica que envolve ferramentas para alcançar novos padrões comportamentais. O objetivo da PNL é se utilizar da neuroplasticidade cerebral para treinar nossa mente e produzir novos comportamentos de forma consciente e prática. Em suma, a PNL visa a reprogramar o cérebro. A PNL é uma das técnicas mais eficazes para alcançar a inteligência emocional, proporcionando novos padrões comportamentais, domínio do comportamento e das emoções, melhor definição das metas e objetivos pessoais, oportunidade de resolução de conflitos emocionais e relacionais e o equilíbrio emocional.
A PNL possui diversas técnicas para aplicação prática, como ancoragem, ressignificação, reforço positivo, rapport etc. A PNL permite o autodesenvolvimento, ou seja, mudanças de comportamento e pensamento, por meio da aplicação de técnicas consideradas simples, de fácil memorização e aplicação. Dessa forma, trata-se de uma excelente aliada para alcançar a inteligência emocional, permitindo, por meio do conhecimento cerebral, a devida gestão das emoções.
Quais os principais benefícios do desenvolvimento da inteligência emocional?
O maior benefício da inteligência emocional é a gestão das emoções. Gerir as emoções está bastante ligado ao autocontrole, de maneira a observar, avaliar, controlar e expressar os próprios sentimentos. Não fomos ensinados a gerir nossas emoções. Posso afirmar que a maioria das pessoas não sabe nem mesmo identificar o que sente. Somos seres sensoriais, todas as nossas experiências e sentimentos são produzidos pelos nossos sentidos: tato, olfato, paladar, visão e audição. Somos frutos daquilo que recebemos no nosso sistema sensorial. A maneira como respondemos às situações em nossas vidas tende a tornar as emoções como absolutas. Uma emoção sempre nos manda para um caminho. Pode então vir uma outra emoção e nos colocar em um caminho oposto.
As emoções devem ser coerentes com os resultados que você deseja obter. Todos nós vamos diariamente produzindo lixo mental, com nossas dores, angústias, decepções, queixas, magoas e tensões. Esse lixo é armazenado nas nossas lixeiras mentais quando dizemos “deixa pra lá”, “esquece” etc. Não resolvemos nossas mazelas, não enfrentamos nossas dores, não conversamos sobre aquilo que nos machuca. Todas essas dores vão ficando armazenadas em nossa mente e uma hora acaba estragando.
Assim é o lixo que produzimos na nossa casa. Experimente viajar por uma semana e deixar o lixo dentro da casa. Tenho certeza de que, quando voltar, tudo estará estragado. Assim é a nossa mente. Produzimos lixos tóxicos e vamos armazenando dia após dia. Num determinado momento, esse lixo se torna algo insuportável, a ponto de não queremos mais conviver com ele.
Esse lixo pode destruir toda a casa com pânico, ansiedade, estresse, impaciência, nervosismo, descontrole emocional etc. Podendo chegar ao ponto de a pessoa não querer mais viver naquela casa e cometer um suicídio. Acúmulo de pensamentos tóxicos pode matar nossas emoções. A somatização é um processo de juntar dia após dia aquilo que destrói sua verdadeira essência. Todas as pessoas que machucaram você não foram embora; elas estão nos bastidores da sua mente.
O cérebro arquiva esses lixos mentais e, hora mais, hora menos, estamos a vasculhar esses lixos com pensamentos terríveis e dolorosos. Por isso que dizemos que há muitos escravos vivendo em palácios, há muitos escravos na sociedade. Pesquisas internacionais afirmam que uma a cada duas pessoas já desenvolveu ou irá desenvolver um transtorno psiquiátrico, ou seja, metade da sociedade estará comprometida. Ter uma boa gestão das emoções é o mesmo que ter inteligência emocional. É saber surfar em todas as ondas, seja no medo, na raiva, seja no amor, na alegria ou na tristeza. Não há como fugir das emoções. Se estamos vivos, seremos expostos a elas.