A imagem corpórea é influenciada pelo contexto e os condicionamentos sociais. É fato que os valores de cada comunidade, de cada povo e cada época interferem no valor que se dá ao corpo. E isso acontece também em cada fase etária de nossa vida. Desde muito cedo, passamos por diversas castrações na relação com nosso corpo. E essa conexão pode passar por mudanças ao longo de nossa trajetória e transformar comportamentos, crenças e até gerar doenças físicas, emocionais e psicológicas.
E é fato que a pandemia alterou também essa dinâmica, já que o corpo está em menos movimento, inclusive, com menor contato físico do abraço caloroso, por exemplo.
É importante perceber qual a sua relação com o corpo físico e o corpo social, afim de facilitar a compreensão de alguns sintomas como ansiedade e medo, tão comuns neste momento em que estamos vivendo, e tomar consciência de como lidar com essas dores emocionais e físicas para poder alterar essas sensações. Isso pode prevenir, até mesmo, o desenvolvimento dos transtornos psicológicos e doenças físicas.
Vamos entender a relação mais comum dentro de cada fase etária da vida.
O corpo na infância
É principalmente na infância que começa o interesse pelo próprio corpo. Lenta e paulatinamente, a consciência vai emergindo, primeiro como pontos isolados num jogo de figura e fundo com o inconsciente, para depois constituir indícios de uma estruturação mais elaborada.
É provável que as fronteiras entre consciência e inconsciente, entre universo externo e mundo interno, nesse nível primitivo, não sejam claramente definidos.
O caos primordial, só aos poucos vai se configurando em uma identidade do indivíduo.
A sensação geral do corpo é a base natural da estruturação de personalidade, da noção do EU, e a imagem corporal obedece a um desenvolvimento interno de maturação neurológica, ao mesmo tempo ao desenvolvimento das áreas da vida psíquica em conexão com a experiência de vida.
Formação da noção de ego
A configuração postural é constituída por atitudes emocionais da experiência entre o real externo e o mundo interno e pode-se entender que o ser humano repete ontologicamente toda filogenia da espécie na formação postural global e na formação da noção de ego.
A experiência da corporalidade, além da formação da própria identidade corpórea e psicológica, permite que a espécie se aperfeiçoe através do longo armazenamento de informações e história dessas experiências ancestrais.
As primeiras repreensões são sentidas e provavelmente introjetadas. O corpo passa a ter partes permitidas de serem exploradas e partes punidas ou repreendidas por serem exploradas.
Adjetivos como feio, sujo e pecado são utilizados em relação ao toque corporal e também em relação à curiosidade que o corpo do outro desperta e as tentativas de entendê-los.
Ocorre aí o início de um processo que vai ser consolidado por toda a vida, isto é, a repressão corporal e a “leitura” que nosso corpo não é digno, e mais danoso ainda, que é impuro.
O corpo na adolescência
Na medida em que o indivíduo se desenvolve, a relação corpórea também muda; os adolescentes sentem dificuldades em reconhecer as transformações corporais impostas, pois a incorporação da nova imagem é ameaçadora e frustrante.
O adolescente, que conhecia seu corpo infantil, sente-se invadido com toda a transformação que se dá nesse período.
Ele perde a referência de seus próprios limites, é desastrado, desengonçado, se observa muito no espelho. Geralmente ocorre o processo de recusa e não aceitação de alguns aspectos corpóreos (nariz, boca, pé, peso).
A segurança e o conhecimento que foram adquirindo lentamente do corpo infantil, se perdem rapidamente com a transformação brusca e se transforma em angústia e ansiedade frente ao novo corpo.
Distúrbios na dinâmica psíquica
Toda essa mudança corporal abrupta não é acompanhada pela imagem psíquica correspondente, e pode acarretar uma série de distúrbios na dinâmica psíquica.
Com a produção de hormônios em alta, este período de grandes transformações físicas marca também os jogos de sedução e os namoros apaixonados.
Tudo é muito intenso e rápido, como as mudanças do corpo e as “brincadeiras de mãos” entre os meninos, o olhar horas no espelho, o “grude” dos melhores amigos e os empurra-empurras nada mais são formas distintas de entrar em contato e reconhecer a corporalidade.
Nessa fase, o corpo se expressa quase que exclusivamente no sentido de autoafirmação, conquistas e brincadeiras (às vezes nem tão brincadeira assim) sensuais e sexuais.
Os adolescentes têm iniciado a vida sexual cada vez mais precocemente, embora isso não represente (e até pelo contrário), um conhecimento corporal e um entendimento da sua vivência corporal.
O corpo não representa o todo das manifestações de afeto e, sim, somente o núcleo erotizado. O adolescente tem aversão aos beijos e abraços da família, pois para eles isso não significa afeto, mas sim infantilidade.
Já ocorre a distorção do contato corporal e da intenção deste contato.
O corpo adulto
É engano acreditar que pelo fato de estarmos na fase adulta, o envolvimento com o próprio corpo é satisfatório. Pelo contrário! Na vida adulta, os aspectos corporais estão bem delineados e cristalizados, e como consequência, muitos conflitos emocionais e psicológicos podem estar presentes e interferir no dia a dia de cada um de nós.
O padrão estético é cada vez mais arrasador e a grande maioria das pessoas não está totalmente dentro desses padrões. A não aceitação de formas, contornos, textura de pele, cor de cabelos, entre outros, compõem os conflitos.
Há também tipos de conflitos em relação à corporalidade que o psíquico não está concomitante com o físico. As pessoas que emagrecem abruptamente demoram a incorporar psiquicamente a imagem corporal recém adquirida, por exemplo. A perda de parte do corpo apresenta uma readaptação física e emocional carregada de dificuldades emocionais.
Nesses momentos, nossos conteúdos internos menos elaborados, e sistematicamente ocultos, tornam-se evidentes a partir do momento em que o conflito psíquico / emocional se instala, gerado pela não aceitação ou entendimento da realidade corporal.
Energia reprimida acumulada
Nosso “estado de normalidade” e o equilíbrio perderam a força e o controle, aflorando conteúdos indesejados e identificados como inferiores.
É neste cenário que as desorganizações, que agora estão mais evidentes, desenvolvem todo um processo como um mecanismo de defesa capaz de sublimar, deslocar e reprimir aspectos emocionais básicos, e que apresentam uma carga energética muito intensa (ódio, medo, ira, inveja, insegurança).
Porém, toda essa energia existente, e que é reprimida, não se esvai, nem se dissipa, e sim, é acumulada, visto que as instâncias provedoras são infindáveis (aspectos emocionais).
O resultado de todo este quadro conflitivo é um maior desequilíbrio do indivíduo.
O corpo do idoso
O que esperar do idoso em relação a sua corporalidade, se ele passou por todos os processos de repressão, sublimação e castração durante toda sua vida?
O corpo desgastado pelo tempo também sofre com o abandono e a rejeição social.
Somos uma sociedade que envelhece, porém não estamos preparando nosso adulto para envelhecer de forma saudável e digna.
Corpo idoso e corpo velho
Ocorre uma diferença fundamental entre um corpo idoso e um corpo velho. O corpo idoso tem limitações, mas também exerce sua potencialidade, utilizando-o de forma a manter a vitalidade e o potencial. Permite-se sentir prazer em suas atitudes. O corpo velho pouco percebe suas potencialidades, sofre com as dificuldades e não identifica suas possíveis capacidades.
Alerta aos ganhos secundários da doença
O corpo se faz presente pela dor (doenças) e não pelo amor (bem-estar, plenitude, prazer).
Ao compreender isso, é fundamental estar alerta aos ganhos secundários que a doença oferece. Essa dinâmica pode ser um dos grandes desencadeadores do eterno adoecer.
Um grande perigo nestes pacientes é a hierarquização vertical, que ocorre de forma vertiginosa e quando o agravamento e os cruzamentos das doenças podem, e geralmente levam a morte.