Uma revisão realizada por um grupo de pesquisa da Universidade Federal do ABC (UFABC) mostra como a deficiência da vitamina D pode prejudicar o desenvolvimento do sistema nervoso, causando déficits cognitivos e distúrbios neuropsiquiátricos, como transtorno do espectro do autismo, esquizofrenia e TDHA (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade).

A deficiência de vitamina D pode prejudicar a saúde de feto, que depende do seu suprimento através da mãe. Além disso, a falta da vitamina pode causar abortos nos primeiros meses de gestação.

função cognitiva preservada

Segundo a médica Marcela Bermúdez Echeverry, professora da UFABC, uma das autoras dessa revisão, o consumo adequado da vitamina D é necessário para preservar o neurodesenvolvimento durante a infância.

Ela salienta que as pessoas na fase adulta também podem se beneficiar da vitamina D, uma vez que ela pode proteger o cérebro diante os diferentes estímulos de estresse, sejam emocionais ou metabólicos, que influenciam o aparecimento de demências. A ingestão equilibrada de nutrientes é necessária para manter níveis adequados da vitamina na corrente sanguínea. Em função do conhecido efeito antioxidante, essa substância favorece também a função cognitiva durante o envelhecimento.

Entretanto, Echeverry ressalta que são necessários estudos mais específicos para investigar a ação das vitaminas nos sistemas de neurotransmissão. Ela lembra que ainda não se sabe sobre o efeito das vitaminas em relação ao líquido que se encontra no exterior das células (espaço extracelular) ou às redes perineurais (ao redor dos neurônios).

Sinapses no cérebro

Explicando de uma forma mais simples, matriz extracelular (MEC) seria a parte do tecido que não é célula, e sim composto por moléculas produzidas pelas células. A função da MEC é regular diversas funções celulares, como migração, proliferação, adesão e diferenciação. Já rede perineuronal é parte da MEC responsável pela estabilização das sinapses no cérebro.

É importante lembrar que a matriz extracelular e as redes perineurais que ficam num estado imaturo na presença de transtornos como autismo, esquizofrenia e TDHA. 

“As redes perineurais envolvem alguns tipos de neurônios que podem ter uma participação significativa no armazenamento de memórias de curto-prazo (executivas), e de forma mais evidente, nas chamadas memórias de longo-prazo”, explica Echeverry.

É comum encontrar essas redes perineurais em neurônios, principalmente com função inibitória, ou seja, que têm o papel de controlar e diminuir atividade elétrica. Uma má formação pode ocasionar transtornos neuropsiquiátricos devido ao desenvolvimento inadequado dessa função, predominando um balance mais excitatório.

Matriz extracelular

As vitaminas atuam na regulação das proteínas-enzimas, chamadas metaloproteinases, da matriz extracelular, que são responsáveis por fazer a remodelação das redes perineurais. A neurocientista Sílvia Honda Takada, professora da UFABC, que também participou da revisão, observa que o estresse crônico e o trauma neurológico podem levar ao aumento de uma classe de enzimas, chamada de MMP-9, que pode degradar a matriz extracelular. “Isto ocorre porque a vitamina D tem a capacidade de inibir a conversão da forma inativa da MMP-9 em sua forma ativa”, afirma Takada. 

Há estudos que mostram camundongos adultos com deficiências de vitamina D apresentam déficits cognitivos e de aprendizagem espacial. Um experimento separou os animais em dois grupos: um era alimentado com ração contendo a vitamina, enquanto o outro grupo foi alimentado com outro tipo de ração, sem o nutriente, durante 10 semanas.

Todos os animais participaram de testes de memória e de referência espacial dependente de hipocampo e de coordenação motora. O hipocampo é região do cérebro importante do sistema límbico, área que regula a motivação, a aprendizagem e a memória.

Os resultados mostraram que os camundongos com deficiência em vitamina D tinham um prejuízo no teste de memória espacial em relação aos camundongos que receberam a alimentação com a vitamina.  Quanto ao teste de coordenação motora, não foram encontradas diferenças entre os dois grupos.

Nutriente fundamental

A deficiência de vitamina D ainda pode levar a alterações no balanceamento da dopamina, neurotransmissor ligado à regulação de algumas emoções e à sensação de prazer e ao humor. Essas alterações estão presentes nas doenças como Parkinson e esquizofrenia.

A vitamina D também desempenha papel essencial na saúde óssea, crescimento, imunidade, musculatura e metabolismo do sistema nervoso central. Ela está presente em alimentos como óleo de fígado de bacalhau, peixes, queijos e cogumelos, por exemplo.

Echeverry salienta a importância da ingestão dessa vitamina também no primeiro ano de vida. “Essas evidências levaram a sugerir que a suplementação de vitamina D durante o período pré-natal merece maior atenção, porque sua insuficiência pode ser um fator de risco para transtornos neuropsiquiátricos”, diz a pesquisadora.

Efeito positivo

Takada explica que a forma 25(OH) da vitamina D atravessa a barreira hematoencefálica, que geralmente impede a passagem de substâncias do sangue para o sistema nervoso central. Ela então entra em contato com as células glia (outro grupo de células nervosas com funções de nutrição, proteção, neuroinflamação, sustento e cicatrização).

Echeverry explica que a vitamina D tem um efeito positivo para a circulação glinfática, que permite a retirada de sustâncias neurotóxicas, como os depósitos de beta-amiloide envolvidos na doença de Alzheimer. Por isso, a falta da vitamina está associada ao surgimento de demências.

O nutriente ainda é crucial para que haja um equilíbrio do sistema excitatório, modulado pelo neurotransmissor glutamato, e a atividade inibitória, modulada pelos neurônios parvalbumina positivos. Em regiões como o córtex pré-frontal e o hipocampo, a falta desse equilíbrio pode estar ligado alterações presentes no quadro de esquizofrenia e autismo.

E MAIS…

Receptores de vitamina D em todo o cérebro

É importante lembrar que os seres humanos têm receptores de vitamina D em todo o cérebro, especialmente o mesencéfalo (porção superior do tronco cerebral). Essa é a região com a maior concentração dos neurônios que se comunicam a partir da dopamina. Esse mesencéfalo faz contato com outra parte do cérebro, o núcleo estriado, que faz conexões com áreas motoras e do sistema límbico e participam da regulação da parte motora e das emoções.

Figura de Rede Perineural e espaço extracelular neuronal
Crédito imagem: Marcela Bermúdez Echeverry