Para quem trabalha há muito tempo na Educação, o uso de materiais de sucata não é novidade. Na verdade, desde minha infância alguns professores das escolas que frequentei já usavam material alternativo como fonte de matéria-prima para trabalhos escolares e tarefas em sala de aula.

Claramente, até os dias atuais materiais alternativos são usados nas salas de aula para proporcionar aos professores e alunos experiências práticas nos diferentes conteúdos com vistas a uma aprendizagem mais significativa.

Mas e quanto às metodologias ativas de aprendizagem? Há espaço nas práticas de metodologias ativas para materiais alternativos, ou sucatas? Para responder a esta pergunta, elegemos algumas experiências realizadas por alguns autores que relacionam as metodologias ativas com o uso de sucata.

Robôs com Sucata

Um dos projetos mais impressionantes, sem dúvida, foi realizado a partir de 2015 por Debora Garofalo. Em seu e-book, “Robótica com Sucata para Todos”, ela relata como se pode fazer a experiência que aumentou o Ideb, reduziu a evasão escolar, retirou uma tonelada de lixo das ruas, gerou renda para os alunos, e de quebra ganhou 13 prêmios de relevância, incluindo prêmios internacionais. O projeto foi desenvolvido no EMEF Almirante Ary Parreiras, São Paulo (SP), uma escola pública na zona sul de São Paulo.

Ao articular os componentes curriculares Ciências, Matemática, Língua Portuguesa e Geografia, o projeto Robótica Sucata possibilitou a construção de robôs e materiais de eletrônica a partir de lixo reciclado. Incentivando, portanto, a cultura maker, um dos alicerces das metodologias ativas, o projeto combinou, de forma multidisciplinar, a questão do uso e descarte de material tecnológico com a questão social do descarte do lixo e seu impacto ambiental na geografia local, em especial nos córregos e rios.

A aprendizagem, portanto, se deu através da situação de problemas reais que proporcionaram a criação de soluções criativas construídas coletivamente, de forma a incentivar, ainda, a participação cidadã, ao fazer reivindicações à prefeitura local, por meio do protagonismo juvenil. Entre os projetos construídos por alunas da professora, estão um modelo de carro com sensor para evitar colisão e que toca a música da Frozen, além de outro carro que acende faróis, todos feitos com material de sucata, e um aspirador de pó manual feito com garrafa pet e ventoinha de computador.

Educação Maker

É fácil entender a Educação Maker. Trata-se de uma proposta que privilegia o “faça-você-mesmo”, de forma a criatividade e a experimentação se aliem para a criação de soluções para problemas do dia a dia. Desta forma, o aluno aprende a realizar a prototipação – a criação de protótipos a partir de um objeto de estudo –, e que transforma o erro em algo não punitivo, mas necessário ao processo de aprendizagem.

Porém, para implantar a Educação Maker no ambiente escolar, necessita-se de um projeto que faça parte do Projeto Político Pedagógico da escola e conte com o apoio do corpo de professores e da comunidade escolar como um todo, como ocorreu no projeto Robótica Sucata. O envolvimento de todos na escola em torno do projeto é fundamental para o sucesso, mas é algo a ser construído, não se dá de forma automática. A criação de um laboratório em que possam ser realizadas experimentações é recomendada, como um espaço multidisciplinar que abranja os projetos criados pela escola.

Um cuidado básico a ser tomado quanto a pensar o projeto e as atividades é que os alunos estejam envolvidos desde a concepção inicial, que façam parte da própria criação do projeto e da seleção das atividades. Não se trata apenas de fazer materiais novos e usar a criatividade. É necessário que eles estejam imersos diretamente na produção da ideia, para que sejam efetivamente elementos participantes, da concepção à materialização da ideia. A ideia central aqui é que um projeto Maker deve ser integrado à vida do aluno, à resolução de problemas reais do cotidiano e que afetem diretamente sua realidade. A questão dos conteúdos disciplinares só deve ser pensada após a ideia ser debatida e “comprada” pelos alunos.

Este cuidado é necessário para que se possa criar a “cultura Maker”, ou seja, uma forma de pensar diferente do pensamento tradicional. Formas diferenciadas de pensar, pensamento crítico, pensamento “fora da caixa” não são automáticas. As pessoas precisam, de certa forma, serem ensinadas ou minimamente estimuladas a exercitar o pensamento criativo.

Criatividade e Engenhosidade

Um dos aspectos mais característicos da Educação Maker é o desenvolvimento da criatividade e engenhosidade por parte dos alunos e dos professores. Isso vai desde ideias, como a criação de mapas geográficos em papel com folhas de diferentes cores e matizes, como no trabalho do professor Leandro Seles, que une o ensino de Geografia à aprendizagem significativa, à criação de oficinas de sucata com foco em Educação Ambiental. Há, no uso da sucata, um sem número de experiências relatadas.

A produção de brinquedos com materiais de sucata (muitas vezes utilizando até mesmo brinquedos com defeitos como fonte de material) pode ser outra forma de vitalizar a produção criativa em sala de aula, e pode estar associada a conteúdos trabalhados pelas várias disciplinas na escola. Além da questão social do lixo, podem ser trabalhadas a questão do consumo consciente, o reaproveitamento de materiais, e a diminuição da utilização de fontes não renováveis de matéria prima.

Lembro bem de professores no Ensino Fundamental, em minha época de estudante, que usaram sucata e recursos naturais como fonte de aprendizagem significativa. No ensino de matemática, por exemplo, o professor incentivava a trazermos materiais para construção de figuras geométricas em sala de aula. O professor de Geografia usava pedras que coletávamos, não só para identificação geológica, mas também para construção de maquetes.

Há muito a ser feito no que concerne à criação de artefatos com sucata, e esta atividade configura-se como uma atividade Maker, que pode ser aliada a vários conteúdos, inclusive em uma perspectiva transdisciplinar, que muito tem a beneficiar o aluno em sala de aula,  mas também os professores, a escola, o rendimento escolar, enfim, a comunidade escolar como um todo, com potenciais reflexos positivos no entorno, na realidade vivencial dos alunos e seus familiares.

E MAIS…

Cuidados na utilização de sucatas

Há alguns cuidados que devem ser tomados na coleta, recuperação e manipulação de sucatas. Citamos algumas delas:

1 – Indicação do Material – faça uma seleção do material que será coletado, tendo em vista os objetivos a serem atingidos. Evite materiais que possam colocar em risco os alunos, como vidros, objetos cortantes e materiais químicos.

2 – Manuseio do Material -recomende a quem manusear a utilização de luvas, para evitar o contato direto com elementos que possam vir a contaminar ou a ferir.

3 – Coleta do Material – coletar o material em depósitos de lixo não é recomendado, especialmente para crianças e adolescentes. Pode-se pedir para amigos e parentes separarem o material escolhido antes de jogar no lixo, e entregarem o material para que seja utilizado em sala de aula.

4 – Separe o que é utilizável – é necessário fazer uma separação do material, em especial material eletrônico, pois há partes que não irão servir aos propósitos. Este material não utilizado poderá ser vendido, caso tenha valor para reciclagem, gerando renda para os alunos e/ou o próprio projeto.

5 – Faça uma vistoria final antes de utilizar a sucata – antes de colocar o material à disposição dos alunos, faça uma verificação final para encontrar eventuais materiais perigosos.

6 – Oriente os alunos – seja qual for a faixa etária dos alunos, oriente sempre os alunos quanto aos cuidados com manipulação de material. Madeira solta farpas, plástico fino pode cortar ou furar a pele, assim como materiais metálicos.

Referências
BRASIL. BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. Robótica com sucata, promovendo a sustentabilidade. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/implementacao/praticas/caderno-de-praticas/ensino-fundamental-anos-finais/172-robotica-com-sucata-promovendo-a-sustentabilidade-2>. Acesso em: 01/11/2021.
BRASIL ESCOLA. CANAL DO EDUCADOR. Brinquedos de Sucata na Sala de Aula. Disponível em> <https://educador.brasilescola.uol.com.br/estrategias-ensino/brinquedos-sucata-na-sala-aula.htm>. Acesso em: 02/11/2021.
CER/SEBRAE. Metodologias Ativas de Aprendizagem. Disponível em: <https://cer.sebrae.com.br/observatorio/metodologias-ativas/>. Acesso em: 01/11/2021.
GAROFALO, Debora. Guia Especial Robótica com Sucata para todos. Disponível em: <https://deboragarofalo.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Robo%CC%81tica-com-Sucata-para-todos-Final.pdf>. Acesso em: 02/11/2021. Publicado em 2019.
IDENTIDADE GERAL. Débora Garofalo ensina robótica por meio de sucatas I Identidade Geral entrevista Debora Garofalo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=usjzAwBpCOA>. Acesso em: 02/11/2021. Publicado em: 08/07/2018.
SOUZA, Romário Rosa de. Oficina de aproveitamento de sucatas uma metodologia de Educação Ambiental. Revista Territorial – Goiás, v.5, n.2, p.73-90, jul./dez. 2016.