O neurologista Márcio Luiz Figueredo Balthazar, professor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, comenta os estudos envolvendo as diferentes memórias e as vias utilizadas por elas tanto no processo de aquisição como na evocação.

Segundo Márcio Luiz Figueredo Balthazar, neurologista e pesquisador da Unicamp, o hipocampo, estrutura localizada nos lobos temporais do cérebro humano, teria papel importante na consolidação das memórias. Essa região é essencial na aquisição duradoura de novas informações e uma das regiões onde são formadas novas sinapses, novas interconexões entre neurônios.

Ele observa que o uso de determinadas drogas podem modular os neurotransmissores envolvidos e modificar as memórias. Nesse caso, é mais fácil modificar memórias em formação, como é o caso das memórias recentes, do que facilitar ou inibir memórias já consolidadas.

Segundo o pesquisador, o esquecimento é uma propriedade normal da memória que impede a sobrecarga dos sistemas cerebrais responsáveis pela memorização. É graças ao esquecimento que podemos filtrar o que há de relevante e irrelevante. Mas há casos em que o esquecimento é patológico.

Os estudiosos dizem que a resposta para esse mal está no cérebro. A memória falha quando as sinapses estão em número diminuído ou estão inibidas ou alteradas. Sinapses são estruturas por meio das quais as células cerebrais se conectam, transmitindo informações na forma de sinais químicos e elétricos pelo sistema nervoso.

Cada vez que o córtex cerebral recebe os dados de uma nova experiência, as sinapses formam padrões de comunicação entre os neurônios de diferentes regiões. Algumas redes de células organizam tais informações, comparando-as a outras lembranças já existentes no cérebro.

Conforme a força e o padrão das sinapses, seleciona-se o que vai ser esquecido ou o que vai permanecer guardado por mais tempo. A maior parte dos detalhes é apagada da lembrança. Mas há aqueles registros que permanecerão por dias, até anos, às vezes de modo inconsciente.

É comum na fase adulta ocorrer uma diminuição de neurônios em várias regiões do cérebro. Muitas doenças são acompanhadas de uma aceleração da perda neuronal.

Isso pode acontecer por falta de oxigenação do cérebro, infecção viral ou pode ser desencadeada por certas demências, como Alzheimer, síndrome de Down e doença de Pick. Há ainda demências causadas de traumatismo craniano, comum nos boxeadores (demência pugilística), uso excessivo de álcool, maconha e cocaína.

Em casos de depressão, a amnésia pode surgir sem qualquer lesão. As falhas de memória costumam ser exageradas pelos pacientes, que a percebem como maiores do que realmente são.

Tudo indica que diferentes memórias utilizam diferentes vias e processos tanto para sua aquisição como para sua evocação.  Quais vias são essas? 

Sim, os diferentes tipos de memórias têm substrato neurológico diferente, embora nas fases iniciais do processamento da informação que requerem atenção e memória operacional, por exemplo, para que esses substratos possam ser compartilhados. Todos os processos de memória são sistemas funcionais complexos, relacionados a diferentes redes neurofuncionais. Por exemplo, para a memória episódica, é fundamental a interação de áreas como córtex entorrinal, hipocampos e outras estruturas mediais temporais com o córtex pré-frontal e precúneo. Já na memória semântica, relacionada a conhecimento de fatos, os polos temporais, sobretudo o esquerdo, têm papel relevante. Memórias implícitas, como a memória de procedimento, têm mais relação com estruturas subcorticais como núcleos da base e cerebelo.

Qual o papel do hipocampo e da amígdala no processamento de informações baseadas em experiências?

O hipocampo é uma região sine qua non para a aquisição duradoura de novas informações. Essas informações de diferentes vias sensoriais processadas nos córtices associativos convergem para o hipocampo, onde ocorrem processos relacionados, entre outras coisas, a consolidação da informação. Por exemplo, é uma das regiões onde são formadas novas sinapses, novas interconexões entre neurônios, que são o rastro físico do processo psicológico de memorização. A amígdala é uma estrutura relacionada, entre outras coisas, ao processamento de informações com conteúdo emocional. É fundamental no processo de armazenamento de informações emocionalmente ricas e reforça o armazenamento baseado na relevância emocional que o acontecimento tem para o indivíduo.

Uma memória recente é muito mais suscetível ao efeito facilitador de certas drogas. Como isso acontece?

Sim. Em primeiro lugar, em função do próprio tempo de aquisição da informação e das mudanças moleculares e anatômicas que ocorrem no processo de aprendizado. Sempre é mais fácil modificar algo em formação, como é o caso das memórias recentes, do que facilitar ou inibir memórias já consolidadas. Ainda, o processo inicial de codificação e consolidação depende de diferentes neurotransmissores, como acetilcolina, adrenalina, dopamina, serotonina, cuja concentração pode ser modulada por meio de drogas, por exemplo.

Recebemos informações constantemente através dos nossos sentidos, mas não memorizamos todas. Por quê?

Um dos mecanismos de adaptação dos organismos ao meio é a capacidade de aprender com a experiência do que é mais relevante. O processo psicológico de atenção medeia mecanismos cerebrais que inibem determinadas informações sensoriais e estimulam outras. Nós não apenas não memorizamos estímulos pouco relevantes como, muitas vezes, nem tomamos consciência dessas informações.

Uma nova experiência acrescenta ou tira a informação de uma memória velha. Poderia dar um exemplo?

Não necessariamente. Uma das características da enorme capacidade adaptativa do cérebro humano é sua potencialidade em formar e desfazer sinapses, conforme a sua relevância. Assim, uma memória relevante de uma experiência vivida na infância pode perdurar uma vida toda. Porém, novas informações referentes a essa experiência podem fazer com que a interpretação desse acontecimento mude.

Vários fatores causam o esquecimento. Poderia citar alguns?

Qualquer doença cerebral que afete redes neurofuncionais relacionadas à memória, como a doença de Alzheimer, acidente vascular cerebral, epilepsia de lobo temporal, sintomas de ansiedade e depressão, problemas do sono, uso de benzodiazepínicos, como o clonazepam, por exemplo, doenças clínicas como hipotireoidismo ou carência de vitamina B12, entre outros.

Os sonhos consistem na evocação desorganizada de memórias…

Acho que esse é um dos aspectos dos sonhos, talvez não o mais importante. Essa aparente desorganização pode ser carregada de significados simbólicos de experiências vividas.

Esquecer é necessário?

Esquecer pode ter vários significados. Do ponto de vista biológico, o cérebro não perde tempo, energia e sinapses com informações pouco úteis. Do ponto de vista humano, como seguir em frente após nossos erros e frustrações se ficássemos ruminando indefinidamente acontecimentos do passado?