A equipe do biólogo brasileiro Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, mostrou que moléculas pró-angiogênicas, que auxiliam na produção de novos vasos sanguíneos, são produzidas em menor quantidade por células derivadas de pacientes com esquizofrenia. O estudo revelou a baixa concentração da VEGFA, uma das mais importantes moléculas reguladoras desse processo natural de crescimento, e aumento da concentração de TIMP-1, uma proteína que inibe a proliferação dos vasos sanguíneos. A pesquisa foi publicada na revista “Translational Psychiatry”, do grupo Nature. Esquizofrenia é um distúrbio psiquiátrico grave no qual o paciente perde contato com realidade, emite falsos juízos (delírios), podendo também ter percepções irreais quanto à audição, visão e tato (alucinações), apatia, isolamento social e pensamento desordenado.

Criação de minicérebros

A partir da parceria entre o Instituto D’Or, a Universidade do Chile e a UFRJ, a equipe de Rehen utilizou em seus experimentos as chamadas células-tronco de pluripotência induzida (IPS). Elas são geradas a partir de células presentes na pele ou urina e induzidas em laboratório a voltarem ao estágio de células-tronco. Em seguida, em um líquido com nutrientes semelhantes aos do ambiente de desenvolvimento do embrião humano, são transformadas em neurônios. Então, com a multiplicação dessas células neurais, os cientistas podem ainda criar minicérebros ou neuroesferas, aglomerados de células-tronco com neurônios e outros tipos de células do cérebro em desenvolvimento. 

Foram comparadas células de três pacientes com esquizofrenia e de três pessoas livres da síndrome. Estudos preliminares mostraram que pacientes com esquizofrenia têm alterações na organização dos vasos sanguíneos. Para chegar a essa conclusão foram realizadas análises de cérebros obtidos após a morte e de amostras de sangue dos voluntários. Os vasos sanguíneos são importantes no corpo porque levam o oxigênio e os nutrientes para o cérebro em desenvolvimento.

Em um segundo experimento, células endoteliais, que recobrem o interior dos vasos sanguíneos, derivadas de cordão umbilical humano, foram expostas às substâncias produzidas pelas células nervosas do estudo anterior. O mesmo foi feito com ovos de galinha, que serviram de modelo “in vivo”. O objetivo era observar o processo de formação de vasos sanguíneos. A pesquisa confirmou a tese de que células nervosas criadas em laboratório a partir de células da urina de pessoas com esquizofrenia produzem compostos que comprometem a capacidade desenvolvimento de vasos sanguíneos das células endoteliais.

Cavalo de Tróia

O primeiro passo do estudo é coletar a urina ou pele do paciente e extrair suas células. Em seguida, é utilizado um vírus, que funciona como cavalo de Tróia. Ele leva para dentro das células genes equivalentes à de um embrião. Essas células adultas são transformadas em versão muito semelhante às células-tronco embrionárias.

“Nos estudos sobre as bases biológicas da esquizofrenia utilizamos progenitores neurais e outros modelos celulares, como de vascularização. Esses estudos nos permitiram descrever uma relação entre angiogênese [criação de vasos sanguíneos] e neurogênese [criação de novas células nervosas] durante o desenvolvimento e com consequências para a evolução desse transtorno mental”, diz Rehen.

A técnica da reprogramação celular foi empregada pela primeira vez pelo cientista japonês Shinya Yamanaka – o que lhe rendeu o Nobel de Medicina em 2012. A partir daí, os pesquisadores descobriram que poderiam reprogramar a célula de pacientes, investigar as alterações presentes em suas células e até revertê-las ao estado normal.  A vantagem das células reprogramadas é que elas podem ser empregadas para investigar alterações genéticas que não podem ser obtidas por meio de biópsias do cérebro, por exemplo.

“A técnica de reprogramação celular permite a criação em laboratório de avatares biológicos de pacientes com doenças genéticas ou degenerativas, que podem ser expostos a combinações de substâncias na expectativa de identificação de fenômenos biológicos complexos e medicamentos promissores”, explica Rehen.

Estresse oxidativo

Em pesquisas anteriores, o biólogo constatou que os neurônios reprogramados de pacientes com esquizofrenia consumiam mais oxigênio em relação a neurônios reprogramados de pessoas livres da doença. O excesso de oxigênio produz radicais livres, o que prejudica o funcionamento dos neurônios. Estudos feitos em cérebro após a morte corroboraram com esse achado: mostram que realmente ocorria um fenômeno conhecido como estresse oxidativo.

O primeiro estudo de reprogramação em pacientes com esquizofrenia foi realizado pelo neurocientista Fred Gage, do Instituto Salk, nos Estados Unidos. As células obtidas a partir desses voluntários funcionariam de modo distinto das pessoas livres da síndrome. Ele constatou que os neurônios dos pacientes com esquizofrenia tinham menos ramificações.

Outra pesquisadora que empregou a reprogramação celular foi a psiquiatra e neurocientista Kristen Brennand, professora da Icahn School of Medicine at Mount Sinai, que trabalhou na equipe de Gage. Ela concluiu que os pacientes com esquizofrenia têm menos dendritos, que são prolongamentos do neurônio que garantem a recepção dos estímulos, levando o impulso nervoso em direção ao corpo celular. A grande maioria dos neurônios de pessoas livres do transtorno apresenta uma grande quantidade de dendritos. Outro achado é que neurônios reprogramados de pacientes com esquizofrenia possuem menos conexões entre si, menos entradas sinápticas, além de serem menos ativas. Isso faz com que cada neurônio pareça um pouco menor. Em cérebros analisados após a morte, foi observado que os neurônios tendem a ser um pouco menores em pessoas que sofrem do transtorno.

Esquizofrenia predisposta pelo DNA

A partir dos estudos realizados pela neurocientista, foi possível ver os traços de toda atividade sináptica em um neurônio específico. “Em grande parte, a esquizofrenia está predisposta pelo DNA com o qual você nasceu,. Isso significa que podemos fazer um trabalho muito melhor na previsão dessa doença antes do início dos sintomas”, disse a pesquisadora.  Ela trabalha no sentido de encontrar um meio de reverter a assinatura genética da esquizofrenia, já que seus estudos reforçam a ideia de que o transtorno é hereditário e, portanto, independente da experiência de vida. “Com um exame de sangue para genotipar os pacientes poderíamos dar-lhes medicamento”, observa.

É possível que, no futuro, sejam feitos diagnósticos a partir da reprogramação celular, antecipando os sintomas. A técnica promete dar origem à medicina personalizada. Isso porque as culturas de células carregam a identidade de cada paciente, sendo possível, assim, estudar como os neurônios de cada pessoa se comportam. Os pesquisadores consideram que cada indivíduo se beneficiaria de um medicamento diferente.

Microcefalia

Em outro estudo, Rehen também empregou as células reprogramadas e minicérebros para identificar a relação da microcefalia e o vírus zika em bebês cujas mães foram infectadas durante a gestação. Em experimentos realizados a partir de minicérebros, o pesquisador demonstrou que o vírus causava a morte dos neurônios. “Nesse estudo, utilizamos organoides cerebrais [minicérebros] criados a partir das células tronco de pluripotência induzida para demonstrar que o vírus zika é capaz de infectar diretamente o tecido cerebral humano. O vírus é capaz de induzir a morte de células-tronco neurais e astrócitos [células abundantes do sistema nervoso central e que possuem as maiores dimensões, desempenham funções muito importantes, como a sustentação e a nutrição dos neurônios]. Essas reações comprometem a neurogênese do cérebro em formação”, explica Rehen.

O zika também comprometeria a capacidade de geração de neuroesferas das células nervosas infectadas, enquanto as não infectadas se desenvolveram normalmente. Imagens obtidas a partir de microscópios eletrônicos também mostraram que o vírus havia se reproduzido rapidamente no interior das células, induzindo a um processo de morte celular que os cientistas chamam de apoptose. Os minicérebros infectados cresceram 40% menos. Os estudos levaram à descoberta de medicamentos capazes de conter a zika, como o sofosbuvir, indicado para tratamento de infecções de hepatite C. Esse estudo foi realizado em colaboração com a Fiocruz.

Os pesquisadores ainda queriam descobrir por quê o nordeste brasileiro é mais afetado pelo zika. A resposta seria a presença de microrganismos chamados cianobactérias e também de uma toxina que é produzida por um desses microrganismos – a saxitoxina – na água consumida pela população dessa região. A equipe de Rehen utilizou o mesmo modelo, os minicérebros, para associar a exposição do tecido nervoso à saxitoxina. Os pesquisadores notaram que, quando fazia essa combinação, o efeito do Zika era ainda pior. Eles ainda realizaram o experimento em ratos, para testar a hipótese. As fêmeas que beberam água com a mesma quantidade de toxina observada na água no nordeste brasileiro ficaram grávidas e geraram filhotes com um agravamento da microcefalia.

E MAIS…

Origem à medicina personalizada

Em outro estudo, pesquisadores da Unifesp e da Unicamp trabalham na criação de um exame de sangue capaz de diferenciar dois quadros psiquiátricos: a esquizofrenia e o transtorno bipolar. Atualmente, o diagnóstico é baseado na análise clínica. O problema é que esse recurso é altamente subjetivo, depende da capacidade do paciente de relatar os sintomas e do viés do psiquiatra. Com o exame laboratorial é possível identificar padrões no soro sanguíneo, diferenciando os transtornos de forma precisa. A análise seria feita a partir do padrão de metabólitos, que são as substâncias resultantes de reações do metabolismo.  

Os pesquisadores submeteram amostras de sangue ao exame de ressonância magnética nuclear para analisar os picos de prótons, que são pequenas partículas que fazem parte do átomo, isto é, a menor fração da matéria. Ao analisar essas variações é possível identificar padrões em pacientes com esquizofrenia ou com transtorno bipolar. O grupo ainda conseguiu diferenciar pacientes com esquizofrenia de usuários de drogas, como o crack. Sabe-se que o uso de drogas aumenta a liberação de um neurotransmissor chamado dopamina. O mesmo desequilíbrio de dopamina é notado em pacientes psicóticos. Os neurotransmissores são mensageiros químicos que transportam e estimulam os sinais entre os neurônios, ou células nervosas e outras células do corpo. Eles atuam na resposta inibitória ou excitatória entre os neurônios após a sinapse.