Empresas, escolas e até instituições governamentais têm procurado cada vez mais a psicologia positiva para treinamento de pessoas. A ciência criada pelo psicólogo norte-americano Martin Seligman tem como objetivo estudar o que existe de melhor – relacionamentos que sobrevivem ao desgaste do tempo, indivíduos altamente eficazes e produtivos, bem-sucedidos, resilientes, felizes – e descobrir formas de replicar tudo isso às pessoas normais, para que elas também possam sair da linha média e chegar mais longe.
A psicologia positiva tem como pilares cinco fatores: emoções positivas, envolvimento, relações pessoais, propósito e resultados. Nesta entrevista, o assunto é aprofundado por uma das maiores autoridades no assunto: Henrique Bueno.
Ele é mestre em psicologia positiva pela University of East London, especialista em felicidade e felicidade corporativa e professor adjunto do mestrado em estudos da felicidade, ministrado por Tal Ben-Shahar na Centenary University, nos Estados Unidos.
Também é CEO global do Wholebeing Institute, que fundou no Brasil e em Portugal. Atua como palestrante internacional, facilitador de programas de felicidade, liderança e comunicação e professor convidado em diversas universidades.
O que é psicologia positiva?
A psicologia positiva é uma nova direção ou vertente da psicologia tradicional que foca sua atenção naquilo que funciona, no potencial dos indivíduos, grupos, casais e organizações para florescerem. Apelidada de ciência da felicidade, ela foge do modelo de descobrir e curar doenças para uma visão mais ampla, de compreender o que funciona na experiência humana com o intuito de criar intervenções que nos permitam elevar nossa experiência em todos os setores da vida.
Quais as diferenças entre a psicologia positiva e a psicologia tradicional?
A missão da psicologia sempre foi e sempre será maravilhosa, principalmente se considerarmos os milhões de indivíduos que foram salvos de depressões e traumas duríssimos. Já a psicologia positiva busca se aprofundar no que dá certo com as pessoas para explorar pontos positivos e aumentar o bem-estar integral.
É importante destacar que a psicologia positiva não desmerece nem ignora a existência de problemas, dificuldades e transtornos. A questão é que seu foco é outro. Assim, essa ciência da felicidade veio trazer um novo enfoque: abordar o que faz a vida valer a pena. Com isso, milhares de pessoas e organizações passaram a se interessar por essa ciência, com ferramentas de aplicação validada, para construir uma vida cada vez mais feliz e bem-sucedida.
Por que a psicologia positiva vem crescendo no mundo todo?
Estamos enfrentando a maior crise de saúde mental no mundo, e a busca por uma vida melhor, mais positiva e mais feliz tem sido uma constante, sobretudo depois da pandemia da covid-19. A psicologia positiva traz uma série de benefícios para a vida e pode ser usada tanto no âmbito pessoal quanto no profissional.
Estudos, experimentos científicos e pesquisas estão sendo feitos nas melhores universidades e laboratórios de todo mundo sobre os mais diversos assuntos ligados à psicologia positiva. Centenas de artigos científicos são publicados regularmente e dezenas de livros lotam as prateleiras das livrarias. No entanto, o estudo da felicidade e dos comportamentos positivos existentes nos seres humanos não é nada novo.
Aristóteles e outros filósofos antes dele falavam sobre felicidade e sobre os princípios da boa vida. Doutrinas milenares tratam de diversos assuntos semelhantes ao estudo da psicologia positiva. A diferença está na metodologia científica aplicada, em que cada premissa é empiricamente confirmada ou descartada.
Os avanços obtidos por essa nova forma de estudo da felicidade colocam essa ciência ao lado da indústria da tecnologia entre as vitrines deste século, no qual os indivíduos estão cada vez mais focados em encontrar propósito e a conquistar uma vida mais plena e realizada.
Fale um pouco sobre o paradoxo e os mitos da felicidade.
A psicologia positiva não defende a felicidade a qualquer custo, não apoiamos o movimento smile. É uma ciência que estuda o que o ser humano tem de melhor, como ele pode viver seus dias explorando seus pontos fortes, buscando mais positividade e bem-estar. Mas em nenhum momento defendemos que se fechem os olhos para os problemas. Eles existem, não há como fugir da realidade e da tristeza. Negar essas emoções só as alimenta ainda mais dentro de nós. O que a psicologia positiva nos ensina é a viver esses momentos da melhor forma.
Quais são as cinco dimensões da felicidade e do bem-estar integral?
Pelo modelo criado por Tal Ben-Shahar e Megan McDonough, as cinco dimensões são espiritual, física, intelectual, relacional e emocional, o SPIRE, que apresenta uma visão do indivíduo como um todo. Por meio dessas cinco dimensões, estudamos a ciência e as ferramentas que transformam nossa vida pessoal e profissional em busca de mais bem-estar e felicidade para nós mesmos, para a família, clientes, organização e sociedade em geral.
Por que algumas pessoas são mais felizes que outras?
A ciência já identificou três fatores que são os que mais impactam no nosso estado de felicidade. No entanto, nosso cérebro não é capaz de assimilar os três da mesma forma. A maioria das pessoas acredita que o ambiente e as circunstâncias têm um impacto gigantesco sob nosso bem-estar. É verdade, e afeta muito mais em condições extremas. Mas em condições normais, é muito menos do que imaginamos. Nós nos acostumamos a coisas, pessoas e lugares, bons e ruins.
Outro fator é a nossa genética, e quanto a isso podemos fazer pouca coisa. Algumas pessoas tendem a olhar a vida de forma positiva, e outras são mais negativas. O terceiro fator tem sido resgatado pela psicologia positiva e, curiosamente, é o que mais ignoramos e o que mais pode determinar o quanto somos felizes: nossas escolhas e nossos comportamentos.
Alguns pesquisadores já chegaram a dizer que nossas escolhas e nossos comportamentos são responsáveis por 40% de nossa felicidade. Nem sempre é fácil mudar as circunstâncias da nossa vida e, portanto, não faz sentindo continuar apostando o nosso maior sonho, que é ser feliz, nisso.
A gente está sempre correndo atrás de chegar em algum lugar onde seremos mais felizes. Esperando e acreditando que as circunstâncias e o ambiente terão peso muito grande. Mas o que eu faço hoje, isso sim tem um peso fundamental. Não só o pensar, mas também agir. O grande objetivo é fazer uma escolha hoje para viver uma vida mais feliz. É como diz Annie Dillard: como passamos nossos dias, é como vivemos nossa vida.
Como as escolhas e os comportamentos podem mudar o jogo?
Felicidade não é algo para se construir em linha direta. Como já disse, depende de escolhas e comportamentos, e, no Wholebeing, criamos e adotamos o modelo SPIRE, que nos guia pelas cinco dimensões da felicidade e do bem-estar integral. Quando escolhemos ser melhores a cada dia, nos cuidar, cultivar mais emoções positivas, entre tantas outas coisas, construímos uma vida mais feliz.
A professora norte-americana Barbara Fredrickson, por exemplo, apresenta a teoria do ampliar e construir, que nos mostra, por meio de pesquisas, que indivíduos mais positivos conseguem ampliar sua visão de mundo, são mais criativos, felizes e conseguem avaliar os fatos da vida com um olhar positivo. Ao longo do tempo, quem pratica esse olhar positivo constrói também mais autocapacidade de mudar suas escolhas e seus comportamentos para ser mais feliz.