A aproximação da psicologia com a neurociência tem sido impulsionada por avanços tecnológicos na área de neuroimagem e na disponibilidade de ferramentas de análise de dados mais sofisticadas. E a crescente demanda por abordagens mais integrativas e interdisciplinares também tem contribuído para essa tendência. “A neurociência pode fornecer informações importantes sobre as bases neurais de transtornos mentais, permitindo um melhor entendimento das condições e ajudando a desenvolver abordagens terapêuticas mais eficazes”, afirma o psicólogo clínico Jonathan Saraiva. Nesta entrevista, ele aprofunda o assunto.

Natural de Guaíba/RS, Jonathan (CRP 07/35720) é formado em psicologia pela Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e faz pós-graduação em neurociência, comportamento e psicopatologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Com base na teoria cognitivo-comportamental, seus atendimentos são feitos na modalidade on-line, englobando dezenas de pacientes de diversos lugares do Brasil e de outros países, como Estados Unidos, Portugal, Alemanha e Uruguai. Também é idealizador de workshops, grupos de desafios e palestras presenciais e on-line. Além disso, tem um podcast no YouTube e no Spotify chamado Estabilize, em que fala sobre saúde mental.

Por que escolheu a área da psicologia para atuar profissionalmente e por que decidiu cursar a pós-graduação em neurociência, comportamento e psicopatologia?

Sempre tive prazer na habilidade de me relacionar e de me comunicar. Quando ainda adolescente, era o amigo que “aconselhava”. Obviamente, ser psicólogo não é dar conselhos. Porém, isso, com a maturidade me fez desenvolver o interesse por essa área das ciências humanas. E parece que tudo em minha vida me encaminhou para esse destino. Até que prestei vestibular e ganhei uma bolsa de 100% para estudar psicologia.

Costumo dizer que trabalhar com a psicologia é extraordinário. Trabalhamos com uma base insólita: a mente humana! Cada um tem a sua, cada ser uma singularidade, cada indivíduo suas experiências, cada pessoa seu habitat, cada alma seu desenvolvimento. E nesse sinuoso caminho, nós, psicólogos, entramos para desvendar os segredos dessa complexa estrutura concebida ao longo da vida do sujeito.

A razão pela qual decidi me especializar em neurociência, comportamento e psicopatologia é o fato de que, atualmente, me dedico com diligência para me tornar um profissional que seja referência em prevenção e tratamento de transtornos mentais. E ao longo do tempo, atuando como psicólogo clínico, tendo atendido mais de 12 mil horas de psicoterapia e centenas de pacientes, percebi que a maior demanda é justamente no diagnóstico e tratamento de patologias envolvendo a vida emocional do indivíduo.

Sendo assim, buscar essa especialização visa, da minha parte, à compreensão das bases biológicas e psicológicas dos transtornos mentais que podem ajudar no diagnóstico e tratamento dessas condições. Ao estudar neurociência comportamental e psicopatologia, é possível aprimorar competências de avaliação e desenvolver intervenções mais eficazes para ajudar os pacientes.

Há uma tendência da psicologia se aproximar cada vez mais da neurociência? De que forma? Por quê? Qual sua opinião a respeito?

Sim, há uma tendência crescente na psicologia para se aproximar da neurociência. Essa tendência pode ser observada em diversas áreas da psicologia, desde a neurociência cognitiva até a psicologia clínica. Isso ocorre porque a compreensão dos processos neurais que subjazem o comportamento humano pode fornecer informações valiosas para entender os mecanismos relacionados à cognição, à emoção e ao comportamento.

A aproximação da psicologia com a neurociência tem sido impulsionada por avanços tecnológicos na área de neuroimagem e na disponibilidade de ferramentas de análise de dados mais sofisticadas. Além disso, a crescente demanda por abordagens mais integrativas e interdisciplinares também tem contribuído para essa tendência.

A neurociência pode fornecer informações importantes sobre as bases neurais de transtornos mentais, como depressão e transtorno de ansiedade, permitindo um melhor entendimento das condições e ajudando a desenvolver abordagens terapêuticas mais eficazes.

Na minha opinião, a aproximação da psicologia com a neurociência é positiva, pois pode levar a um melhor entendimento dos processos cognitivos e emocionais que influenciam o comportamento humano, bem como ao desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas para transtornos mentais. No entanto, é importante lembrar que a neurociência é apenas uma das várias abordagens possíveis para entender o comportamento humano e que outras áreas da psicologia, como a psicologia social e a psicologia do desenvolvimento, também são fundamentais para uma compreensão abrangente do comportamento humano.

De que forma a neurociência ajuda a desvendar os segredos da mente?

A neurociência ajuda a desvendar os segredos da mente por meio do estudo do cérebro e do sistema nervoso. Com a neuroimagem e outras técnicas, os cientistas podem mapear a atividade cerebral em tempo real e investigar as conexões entre diferentes áreas do cérebro. Isso permite uma melhor compreensão dos processos cognitivos e emocionais do comportamento humano.

No que diz respeito aos transtornos mentais, a neurociência tem ajudado a desvendar alguns dos principais segredos por trás dessas condições. Por exemplo, estudos têm mostrado que a depressão está associada a mudanças na atividade cerebral em regiões específicas do cérebro, como a amígdala e o córtex pré-frontal. Essas pesquisas também mostram que o transtorno de ansiedade está associado a uma atividade aumentada no sistema nervoso simpático.

E quais são os principais segredos que ainda precisam ser desvendados no que diz respeito aos transtornos mentais?

Mesmo com os avanços na pesquisa, ainda há muitos segredos sobre os transtornos mentais que precisam ser desvendados. Algumas das principais questões em aberto incluem: como os fatores genéticos e ambientais interagem para influenciar o risco de desenvolver transtornos mentais; como as experiências traumáticas na infância afetam o desenvolvimento do cérebro e aumentam o risco de transtornos mentais; como as mudanças na atividade cerebral associadas aos transtornos mentais podem ser revertidas ou moduladas por tratamentos; como as diferenças individuais no cérebro e na função cognitiva podem contribuir para a susceptibilidade a transtornos mentais; e como os processos cognitivos e emocionais interagem para produzir sintomas em transtornos mentais como a ansiedade e a depressão?

Responder a essas perguntas exigirá mais pesquisa e colaboração entre pesquisadores em várias áreas, incluindo neurociência, psicologia, genética e epidemiologia. No entanto, a pesquisa em neurociência oferece uma base sólida para continuar a explorar os segredos da mente e encontrar maneiras mais eficazes de tratar transtornos mentais.

De que forma a neurociência ajuda na compreensão dos transtornos mentais?

A neurociência ajuda na compreensão dos transtornos mentais ao fornecer informações sobre as alterações neurobiológicas que estão associadas a essas condições. Por meio de técnicas avançadas de neuroimagem, como a ressonância magnética funcional (fMRI), a tomografia por emissão de pósitrons (PET) e a eletroencefalografia (EEG), os pesquisadores podem mapear a atividade cerebral e identificar diferenças na estrutura e função do cérebro em pessoas com transtornos mentais em comparação com indivíduos saudáveis.

Diversos estudos têm ajudado a identificar mudanças na atividade cerebral que estão associadas a transtornos mentais como depressão, de ansiedade, do espectro autista, esquizofrenia e transtornos bipolares. Por exemplo: pessoas com depressão apresentam uma diminuição na atividade do córtex pré-frontal, uma área do cérebro que está envolvida no controle emocional e no planejamento cognitivo. Da mesma forma, estudos em indivíduos com transtornos do espectro autista têm mostrado diferenças na conectividade neural em regiões específicas do cérebro que estão envolvidas na percepção social.

Além disso, a neurociência também tem ajudado a identificar alvos para o desenvolvimento de novas terapias para transtornos mentais. Por exemplo, estudos pré-clínicos e clínicos têm identificado mudanças na neurotransmissão, neuroplasticidade e inflamação que podem estar envolvidas no desenvolvimento de transtornos mentais. Essas informações têm sido usadas para desenvolver novos medicamentos e outras terapias para ajudar a tratar esses transtornos.

Resumindo, a neurociência tem ajudado a compreender melhor os transtornos mentais, fornecendo informações sobre as alterações neurobiológicas que estão associadas a essas condições e identificando alvos para o desenvolvimento de novas terapias. Isso tem sido fundamental para avançar no tratamento desses transtornos e melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas por eles.

E de que forma a neurociência pode ajudar na prevenção dos transtornos mentais?

A neurociência pode ajudar na prevenção dos transtornos mentais ao identificar fatores de risco que aumentam a probabilidade de desenvolver tais transtornos e ao desenvolver intervenções para reduzir esses riscos. Por exemplo: o estresse crônico e a exposição a traumas na infância podem aumentar a probabilidade de desenvolver transtornos mentais na idade adulta. A neurociência pode ajudar a entender como esses fatores de risco afetam o cérebro e a cognição e a desenvolver intervenções para reduzir os efeitos desses fatores.

Outro exemplo é a identificação de alterações no desenvolvimento cerebral em indivíduos com transtornos mentais. A neurociência auxilia no desenvolvimento de intervenções precoces para melhorar o desenvolvimento cerebral em indivíduos em risco de desenvolver transtornos mentais.

Além disso, a neurociência pode ajudar na prevenção dos transtornos mentais por meio da identificação de biomarcadores que possam ser usados para diagnosticar transtornos mentais em estágios iniciais. Isso pode ajudar a identificar indivíduos em risco de desenvolver transtornos mentais antes mesmo que eles se tornem sintomáticos, permitindo intervenções precoces que possam prevenir ou retardar o desenvolvimento desses transtornos.

Portanto, a neurociência pode ajudar na prevenção dos transtornos mentais ao identificar fatores de risco, desenvolver intervenções para reduzir esses riscos e identificar biomarcadores que possam ser usados para diagnosticar transtornos mentais em estágios iniciais. Essas informações são fundamentais para prevenir o desenvolvimento de transtornos mentais e melhorar a saúde mental da população.

Na sua opinião, qual o futuro da psicologia cognitivo-comportamental em relação à neurociência? Existe a possibilidade de a neurociência absorvê-la? Ou a tendência é ambas conviverem em harmonia e contribuição e crescimento mútuos?

Acredito que o futuro da terapia cognitivo-comportamental (TCC) em relação à neurociência é de uma relação de colaboração mútua. A TCC tem se beneficiado cada vez mais da neurociência ao incorporar evidências neurocientíficas em sua prática clínica, permitindo um melhor entendimento dos mecanismos análogos aos transtornos mentais e um refinamento das técnicas de tratamento.

Por outro lado, a neurociência também pode se beneficiar da TCC, uma vez que a teoria e as técnicas da TCC podem ser usadas para desenvolver novos métodos de intervenção baseados em princípios neurocientíficos.

Dito isso, acredito que é improvável que a neurociência absorva completamente a TCC, uma vez que a TCC tem suas próprias teorias, conceitos e técnicas únicas que são úteis na prática clínica. Por outro lado, a TCC também está sempre evoluindo e incorporando novas informações da neurociência, de modo que ambas as áreas podem continuar a crescer e contribuir mutuamente.