Quando da ciência da gravidez, um universo imaginário se abre na vida dos pais e familiares. Medos, angustias, alegrias, ansiedade, expectativas, felicidade, inseguranças e desejos são mesclados e contaminados com intensas fantasias positivas e negativas em relação à gestação, parto e ao futuro bebê. Começa-se a especular o sexo, o signo e suas características, o biótipo, o temperamento etc. É um período necessário de adaptação à ideia da gravidez.                           

Nos primeiros movimentos fetais ocorre a atribuição das características pessoais e de personalidade do feto. Ele tenta se acomodar no espaço cada vez menor e se comunica com a mãe por meio da variedade dos seus movimentos, porém ela vai interpretar dentro de seu universo. Dependendo da interpretação desses movimentos feita pela mãe, influenciados por suas projeções e fantasias, podem ser entendidos, por exemplo, como suaves e carinhosos ou bruscos e violentos.

Características são atribuídas, nomeadas e divulgadas ao meio e o feto começa a seguir essas ordens para corresponder e merecer o amor energético. Para garantir sua aceitação, passa a desenvolver e adquirir peculiaridades que lhe são atribuídas. “Tenho” que ser assim.

As expectativas emocionais

Outro aspecto a ser citado é que o filho, visto como uma extensão dos pais, principalmente do corpo que o contém, deve ter uma aparência valorizada. Com isto, o belo é desejado como um produto bom. É a confirmação de que eu sou e tenho conteúdos bons, capaz de produzir o que é valorizado e adequado. Algumas vezes, características físicas são esperadas, mesmo absolutamente improváveis geneticamente e irrelevantes para outra pessoa. Cor dos olhos, por exemplo. Quando do nascimento de um bebê com alguma anomalia física ou mental, além de sua condição especial, irá amargar o sentimento de não ter sido suficientemente bom para cumprir o esperado. No universo infantil ego centrado, ele é o responsável (no caso culpado) pela sua “incapacidade de ser sadio” e pela frustração gerada nos pais. Apresentará as consequências psíquicas deste julgamento, com acentuada angustia (autopunição) demonstrada por meio de ansiedade ou depressão, dependendo do seu tipo de personalidade.

Há sempre uma elevação do nível de ansiedade por causa da proximidade do parto e da mudança de vida com a chegada do bebê, gerando sentimentos ambivalentes como a vontade de tê-lo, paralelo com o desejo de estender a gravidez adiando a necessidade de novas adaptações com a vinda do bebê.

A maioria dos temores surgidos durante a gravidez é associada a esse período, eles possuem um caráter de autopunição; medo de morrer no parto, de ficar com a vagina alargada e dilacerada, de não ter leite suficiente ou ser fraco, de ficar “presa”, de ter que mudar a rotina de vida, entre outros. Esses conteúdos são expressos em sonhos e fantasias conscientes tanto antes como depois do parto.

Podemos dizer que o parto é um evento de transição para a maternidade concreta, é onde a mãe se depara com o bebê real, é o momento mais temido, de onde são criadas as maiores expectativas.

A emoção e a angústia do parto

O espaço uterino se tornou pequeno e não mais permite à movimentação, o lugar aconchegante de antes agora passa a incomodar. Ao mesmo tempo, o corpo padece com o peso da gestação avançada. O desconforto é bilateral. É hora de nascer percebe e necessita tanto o corpo do bebê como o da mãe. Esta concordância dá início ao clímax de todo o processo, o parto.

As contrações uterinas colaboram e forçam o bebê a sair do corpo da mãe, que por sua vez revive, pela expulsão e ruptura, o que Freud nomeou de angustia de castração. Para o bebê, a percepção do nascimento é fruto do seu histórico bio-social-energético e psíquico gestacional e apresentam as seguintes tendências e diretrizes de representação:

– de Expulsão (ser enxotado, agredido, expulso);

– de Conquista (ser vitorioso, conseguiu nascer);

– de Abandono (ser rejeitado, solitário, triste);

– de Conforto (ser feliz, acolhido).

Essa construção da representação do nascimento não é um fato isolado, isto é, não surge na hora do nascimento, mas sim é resultado de todos os minuciosos processos vivenciados pelo feto, nesses nove meses de formação e crescimento no útero, por isso podemos inferir que a forma do nascimento – natural ou cesariana – não é determinante para essa percepção.

Cada tipo de sensação, percepção ou mesmo sentimento presente aqui, refletirá na estrutura de personalidade e autoimagem, durante sua trajetória de vida. Vai ser o mote para a leitura dos fatos que ocorrem com ele.

Jung identificou, embora não tenha desenvolvido profundamente, que “parece pouco provável que dentro do útero materno houvesse, apenas, um monte de protoplasma”.  Hoje sabemos que há o universo. E é natural que o bebê fique confuso com as transformações do meio que viveu até então, com as experiências múltiplas e inusitadas sensações, sofre também o crivo da aprovação ou não de sua estrutura e aparência.

Mesmo no silêncio da relação mãe/filho, o bebê sentirá intensamente as emoções e sentimentos da mãe e do meio em relação a ele. Ter filhos sadios corresponde emocionalmente a um prêmio. Não poder ter filhos ou tê-los malformados ou doentes, representa não merecimento e denúncia da própria inadequação pessoal. A sensação de inadequação traduz que: não produzo o bom, portanto não contenho o bom.

A relação começa no útero

O bebê vai enfrentar desafios e dificuldades em vários aspectos, não só o físico. Na maioria das vezes, o vínculo é formado satisfatoriamente. Vincular-se é um processo constantemente construído, não um estado instalado abruptamente. Mesmo a relação mãe/bebê que começa no útero, se desenvolve durante o aleitamento, trocas de fraldas, banhos, toques, sons, cheiros e olhares. Ambos vão se descobrindo, conhecendo e reconhecendo ao longo das horas, dias e meses. É neste andamento que o amor cresce, fortifica e amadurece. O amor precisa de tempo para deixar de ser idealizado, passar a existir e se tornar uma realidade.

A noção do outro, necessária para o desenvolvimento do vínculo, é um processo lento, longo e continuo para o bebê. Inicialmente transita de um ser onipotente e onipresente (Eu = Mundo), com uma imagem figurativa, confusa e amorfa; para se tornar um elemento que vivencia situações limitantes, com necessidades básicas em relação ao meio, mas ainda com a fantasia que o meio existe para satisfazê-lo (Eu / Outro em função do Eu), até a percepção de suas formas, contornos e limites (Eu) e também da existência das formas, contornos e limites do Outro (Eu / Outro independente do Eu). Só neste momento em que ocorre a diferenciação e independência das estruturas, o vínculo se concretiza por parte do bebê.

O corpo e a personalidade do bebê

O corpo é a primeira complexidade que o bebê nascido tem para explorar, identificar e entender. Sua totalidade é multiformatada, pois temos partes grossas e finas; moles e duras; móveis e fixas; saliências e orifícios; curvas e retas; partes que tragam e outras que expulsam substâncias. Estas descobertas vão revelando e estruturando a imagem corporal e desenvolvendo os então rudimentos de uma estrutura psíquica por meio de suas vivências (sensação, percepção) associadas à matriz social (nível sócio econômico cultural afetivo) e as relações pessoais que o grupo primário tem para com ela (amor, rejeição, carinho, expectativa).

Embora esteja em processo maturacional, podemos situá-lo no estado pulsional. Mas, quando pensamos em tendências de personalidade no bebê, temos que entender o termo personalidade como o ajuste entre as pulsões internas e os controles que limitam e regulam sua expressão.

Para Freud essa representação ocorre da seguinte forma: o id – princípio do prazer – passa a ser “reprimido” pela estruturação do superego – formado a partir da introjeção de normas, valores e regras sociais – que tem como função manter um contato estável entre ele e seu meio (início da formação do ser social). Portanto, a personalidade compõe um conjunto de hábitos, comportamentos e crenças que caracterizam o bebê em sua maneira de interagir frente os estímulos que lhe são apresentados no seu dia a dia. É, ao mesmo tempo, produto das forças antagônicas e resultante “das resoluções” encontradas neste momento, para estas poderosas mensagens ou cargas energéticas estarem sob controle.

A partir destas ferramentas internas, começam a ser estruturadas o que Jung nomeou de funções racionais (pensar e sentir) e funções irracionais (sensação e intuição), ambas necessárias para a integração e equilíbrio da funcionalidade psíquica, ao longo da trajetória da vida humana.

E MAIS…

O reflexo da pulsão de vida e a trajetória bio-dinâmico-energética do ser-humano

Nesta incrível e vitoriosa jornada que tentamos descrever aqui, identificamos que o percorrer das fases, quase obstáculos, gestacionais com êxito em cada uma delas é reflexo da pulsão de vida em sua plenitude e também da trajetória onto e filogenética da espécie. No pleno movimento de parceria bio-dinâmico-energético da mãe com o feto, ocorre à simbiose necessária para a concretude do objetivo comum: viver.

Ao mesmo tempo, quando algumas destas fases não são superadas, este processo natural não atinge seu propósito – a reprodução da espécie – devemos identificar em que etapa, dentro das respectivas fases, ocorre a não superação, isto é, a impossibilidade da sobrevivência do ovo / embrião / feto.

Esta informação nos fornece importante material para que possamos começar a trilhar o caminho do entendimento do conflito psicoemocional energético subjacente (do feto e/ou da matriz), que dificulta ou impede a conclusão do ciclo gestacional.

O êxito depende de diferentes elementos, com necessidades distintas, a cada núcleo e fase do processo: espermatozoide (agilidade, força, determinação, renuncia); óvulo (ousadia, desprendimento, recepção, renuncia); ovo (união, coragem, cumplicidade); embrião (energia, resolução, enfrentamento, agressividade); matriz (perdão, disponibilidade, doação, conivência); feto (merecimento, pulsão de vida, coragem, confiança), portanto, fatores psico-energéticos são absolutamente determinantes para que o desempenho necessário, e eficaz, de cada elemento em determinado momento da empreitada, seja realizado. A cada necessidade orgânica que surge, uma nova postura psico-energética deve ser tomada visando o equilíbrio, isto é, visando sua resolução e a manutenção da vida.

Sendo assim, o estudo e a compreensão das dificuldades apresentadas no processo de reprodução, que inviabilizam seu êxito, deixam de ser somente organicistas. Atualmente a ampliação do seu entendimento e investigação ocorre baseada na visão holística.