Vivemos em um tempo em que tudo que se refere ao toque, aproximação, parece ser com más intenções. Isto sem levarmos em consideração a pandemia, que afastou as pessoas do seu convívio social. Todos os cuidados devem ser mantidos sim, com certeza, embora essa falta de contato trará muitas consequências, pós pandemia. Mas, o que vamos tratar aqui é sobre a importância desse órgão, a pele, que nos conecta ao mundo.

Um órgão vital

A pele é o maior órgão do corpo humano, corresponde a 16% do nosso peso corporal, é um órgão vital. Podemos viver sem outros órgãos dos sentidos, mas sem a pele a sobrevivência seria impossível. Além disso, envolve o corpo traçando o seu limite com o ambiente externo. Têm ainda outras funções: regulação térmica, defesa orgânica, controle do fluxo sanguíneo, proteção contra diversos agentes do meio ambiente e funções sensoriais (calor, frio, pressão, dor e tato). É formada por três camadas: epiderme (camada mais externa da pele), derme (localizada entre a epiderme e a hipoderme), hipoderme (responsável pela resistência e elasticidade da pele, sua estrutura fornece proteção contra traumas físicos, além de ser um depósito de calorias).  

A pele é um órgão tátil, envolvido no crescimento e no desenvolvimento do organismo, físico e comportamental. Registra o que acontece ao homem desde o seu nascimento, todas as suas experiências táteis e demonstra o quanto todas elas podem afetar no desenvolvimento do seu comportamento. Tem uma renovação contínua, a cada quatro horas, aproximadamente, através da atividade das células de suas camadas profundas, forma duas novas camadas de células, varia quanto à textura, em diferentes partes do corpo, flexibilidade, cor, odor, temperatura, inervação e outros aspectos. No rosto, ficam registradas as marcas da vivência, carregando assim a memória das suas experiências.

O tocar é uma linguagem

O ser humano necessita do contato social, viver em grupo, trocar experiências, sem isso sua saúde física e mental pode ficar prejudicada. Para que sua vida seja plena precisa do contato, da proximidade, é um ser social.

A civilização nos afastou e nos tornamos mais distantes, graças à preocupação com o nosso futuro, trabalhamos com afinco e esquecemos do sentir, abraçar, acariciar. O “tocar-se” pode ter um sentido mais forte na sociedade, pois podemos tocar as pessoas de várias maneiras, prestar e dar atenção ao outro e não só fisicamente. Essa relação social fez que usássemos mais os nossos sentidos da observação e da distância – visão, audição – e menos os de aproximação – paladar, olfato, tato. Esse afastamento acaba prejudicando o nosso sentido com relação à importância do outro, o tocar, o aproximar-se é uma linguagem, que aos poucos deixa de ser utilizada, porque pode trazer a sensação de insegurança, desconfiança ou até de assédio.

É importante salientar que a comunicação pelo toque é a melhor maneira para estabelecermos vínculos afetivos por vivenciar o que sentimos.

O ser humano vive 25 anos na plenitude dos sentidos e aumentar o tempo de vida útil dos sentidos é um dos maiores desafios das áreas da medicina que se ocupam dos mecanismos de percepção. Segundo especialistas, a perda na resposta de muitos sentidos está diretamente relacionada aos hábitos cultivados ao longo da vida.  Com o passar do tempo, o aumento do número de substâncias oxidantes acumuladas no organismo dificulta o perfeito funcionamento do corpo e se torna a maior causa de queda de eficiência dos sensores (órgãos que captam os sinais exteriores, como olhos e ouvidos), das vias de transmissão (os nervos que encaminham os estímulos até o cérebro) e do processamento dos sentidos.

Informações carregadas de afeto

Jung, através de seus estudos percebeu que nosso corpo armazena informações preciosas carregadas de afeto. Desta forma, temos uma visão holística e integrada do ser humano revendo a oposição entre corpo / mente e procurando entender o indivíduo como um ser que reage tanto no campo físico e psicológico e que em ambas as condições se influenciam mutuamente.

Petho Sandor com seu método de calatonia percebeu que quando se toca uma região corporal onde houver alguma tensão, podem aparecer imagens carregadas de afeto que podem tornar-se conscientes, liberando as energias ali contidas, possibilitando sua fluidez natural. Durante a 2ª Guerra Mundial, percebeu que pacientes que amputavam suas pernas em meio aos combates, quando eram tocados na perna preservada, o indivíduo sentia um reflexo na perna amputada. Percebe-se que as emoções são percebidas através das reações corporais. Portanto, corpo e mente se interligam sintonizados sincronicamente.

O toque possibilita a vivência do afeto, do cuidado consigo mesmo, pelo reconhecimento dos limites existentes no próprio corpo, dos movimentos e da integração que existe entre pensar e agir, a criança passa a perceber seu próprio limite e consequentemente reconhecer o seu limite entre as outras pessoas e o mundo.

As experiências táteis e cinestésicas promovem uma nova e forte consciência do eu e do corpo, com o aumento de autoconhecimento, surge uma nova consciência dos sentimentos, pensamentos e ideias.

Mundo de sensações

As últimas pesquisas psicanalíticas confirmam a importância do bom contato com a pele para a sobrevivência do ser e as graves consequências de sua falta. A pele é parte de um sentido muito amplo do corpo e muito importante para a sobrevivência do ser. Todo “o mundo das sensações “se origina da pele elaborado pela mente, as sensações transformam-se em percepção, emoções e sentimentos.

A Psicologia infantil coloca o desenvolvimento da mente e do pensamento já no primeiro ano de vida e a pele se torna o órgão principal permitindo que isso aconteça. Na emoção se manifestam os mais intensos os impulsos do inconsciente. O sentir para Jung traz a consciência englobando a emoção e o afeto. A consistência da emoção e do afeto aumentam com a tomada de consciência. O pensar pode trazer enaltecimento para o sentimento. Assim ocorre uma manifestação integrada em diferentes níveis desenvolvendo um fluxo amoroso.

Existem estudo que demonstram que, entre as causas menos conhecidas para o choro dos bebês, está a necessidade de serem acariciados, o que ocorre é que muitas mães rejeitam um contato mais prolongado com seus filhos, pois acreditam que tal atitude os tornará profundamente dependentes. Alguns pais também evitam beijar e abraçar os filhos homens, porque temem que assim se tornem homossexuais. Grandes amigos expressam afeto dando tapinhas nas costas um do outro, enquanto as amigas trocam beijinhos impessoais quando se encontram.

Necessidades emocionais

Ashley Montagu, um especialista americano em fisiologia e anatomia humana, se dedicou, por várias décadas, ao estudo de como a experiência tátil, ou sua ausência, afetam o desenvolvimento do comportamento humano. A linguagem dos sentidos, na qual podemos ser todos socializados, é capaz de ampliar nossa valorização do outro e do mundo em que vivemos, e de aprofundar nossa compreensão em relação a eles. Tocar, é de suma importância, segundo ele, o “nosso corpo é o maior playground do universo, com mais de 600 mil pontos sensíveis na pele”. Podemos ser privados de outros órgãos dos sentidos, mas sem a pele – e o tato – não sobreviveríamos.

Helen Keller, pode servir como exemplo, ficou surda e cega na infância e sua mente foi literalmente criada através da estimulação de sua pele. Quando os outros sentidos estão prejudicados, a pele pode compensar suas deficiências num grau extraordinário. Montagu acredita que a capacidade de um ocidental em se relacionar com seus semelhantes está defasada se comparada a sua necessidade em relação ao seu consumismo e o seu autoconhecimento, em detrimento das suas necessidades pessoais emocionais o que o mantêm preso, escravizado.

Existe uma tendência de que as palavras substituam a experiência, a vivência. Há necessidade de envolvimento, a pessoa consegue proferir com palavras o que não consegue agir num relacionamento próximo, tátil, com outra pessoa.

Para Montagu, a estimulação tátil é uma necessidade primária e universal, ao ser satisfeita desenvolve-se um ser humano saudável, capaz de amar, trabalhar, brincar e pensar de modo crítico e livre de preconceitos.

E MAIS…

A defesa do contato com pele desde a mais tenra infância

As vivências corporais, auto toques, exploração dos cinco sentidos, podem ensinar à criança e os adolescentes a conhecerem o próprio corpo, trazendo uma melhor compreensão de seus limites, do seu espaço no universo e a sua sexualidade. Crianças hiperativas, podem estar evitando sentimentos dolorosos. Quando se dá a devida atenção a essas crianças, ao escutá-las, passam a perceber que são levadas a sério, podem até diminuir tais sintomas com a utilização de técnicas corporais adequadas para dar oportunidade de promover o autoconhecimento e possibilitar uma maior concentração nas atividades.

Wilhelm Reich, defende que o “Contato” entre o recém-nascido e a mãe é de procurar dar prazer ao recém-nascido de modo que possa entrar em “contato” com ela, para poder desenvolver em seu nascimento seu potencial de crescimento. O prazer torna-se o processo especificamente produtivo do sistema biológico. O recém-nascido (passivo) na fase “autista” é, segundo este modelo, um bebê não adequadamente estimulado pela mãe, está fora do mundo.

Segundo W. Reich, o bebê não é passivo, mas nasce com um alto potencial de bioenergia pulsante com o qual se exprime; onde a excitação parte de seu corpo, se expandindo para entrar em contato com o ambiente-o corpo da mãe – o duplo bio-sistema se expressa todo com sua própria vibração auto expressiva e no “contato”, formando um único biossistema muito grande, no interior de qualquer campo de energia se mescla, comunicando-se expandindo-se contra o ambiente circundante. W. Reich chama este processo de “Biossocial “; “Bio” porque é uma comunicação emotiva a um nível de pulsação plasmático-energético, “social”, porque se desenvolve entre dois seres humanos. Segundo ele a comunicação biossocial é a base de qualquer comunicação.

Quando está enraizado no “Contato” com sua mãe o recém-nascido se acha em um estado de saúde e o que é observado, como é doce o calor emanado pelo corpo, é visível a cor rosada da pele e se evidencia também nos olhos brilhantes, enquanto os movimentos expressivos do bebê provocam atenção de sua mãe, quando esta se aproxima para a massagem no recém-nascido. Este fenômeno do “contato”, que segundo Reich é “a linguagem expressiva do ser vivente”. Vem descrito em termos científicos bio energeticamente como superposição dos campos de energia de dois biossistemas vibrantes.

Referências:
Reich, Wilhelm – Reich e a análise bioenergética –  Editora: Centro Reichiano, 2003, 144 páginas
Lowen, Alexander – Bioenergética para a beleza e a harmonia – SBN:9788532310811, 8532310818 – Número de páginas:192 Publicação:22 de janeiro de 2018
Maluf Jr, Nicolau  – Reich – O corpo e a clínica – Ed.Summus – ISBN 8532306969 –ISBN-13 – 9788532306968 – publicação 01/01/2000  – 1ª.edição – A 21 cm / L 14 cm / P 0,7 cm / 140 gr – 136 páginas 
Sandor, Pethör e outros – Técnicas de relaxamento – ISBN: 19741112 – Português – Editora: Vetor – Edição: 1ª Edição – Ano: 1974 – Páginas: 112 
Montagu, Ashley – Tocar – O significado humano da pele – Ed.Summus – 1988 – ISBN: 9788532303080 –  Páginas: 427 Idioma do livro: Português