A vida é, por si só, um processo contínuo e fluido, muito embora nós, seres humanos, estejamos habituados a dividi-la em ciclos. Os ciclos da vida nos ajudam a percorrer este processo em etapas, o que nos organiza simbolicamente para que o viver se torne mais compreensível. Percebemos, então, que entre o nascer e o morrer, a vida se faz repleta de chegadas e partidas, idas e vindas, renúncias e realizações. Isso tudo pode nos levar a uma vida mais plena de sentido, ainda que nos encontremos em situações (des) humanamente desafiadoras.

Por muitas vezes pode ser difícil reconhecer o que a vida quer de nós. As vezes podemos, inclusive, nos sentirmos como se a vida estivesse nos interrogando: “Partir ou permanecer?” Mesmo que não saibamos o que responder, sempre somos convocados a escolher, pois afinal todos nós podemos exercer nossa liberdade ontológica, ou seja, aquela capacidade de escolher mesmo diante de situações falsamente poderosas, como afirma Frankl (2003).

Muitos destinos

Existem lugares em que o nosso imaginário já é demarcado por chegadas e partidas, como o aeroporto. Neste caso, no mesmo local e espaço estão previstos o destino de pessoas que chegam e se despedem. Quando pensamos em outros locais, como as rodoviárias ou estações de trem, percebemos que em uma mesma plataforma existirão pessoas se alegrando com a chegada da pessoa amada, enquanto outras chorarão pela dor da ausência do ente querido que partiu. No entanto, não é necessariamente uma viagem para nos transportarmos a outros lugares na vida. Nossas escolhas diárias também nos imprimem este movimento. Na realidade, constantemente estamos envolvidos em um constante movimento de chegadas, partidas, recepções e despedidas, seja de um projeto finalizado, uma mudança de casa, uma faculdade que se encerra, um relacionamento que se finda ou qualquer outra situação que escolhemos abandonar para partir rumo a novos destinos.

O preço do compromisso

Parkes (1998) afirma que a dor da perda é o preço que pagamos pelo amor e pelo compromisso. Nos arriscamos dizer que as despedidas também são marcadas pelo preço desse compromisso, que selamos quando escolhemos nos despedir e partir. A dor revela o quanto aquele compromisso foi importante e o quanto estávamos investidos, simbólica e afetivamente, nele. Dessa forma, podemos encontrar sentido em meio ao sofrimento de uma perda proveniente da despedida à medida que compreendemos que o sofrer pode ser a expressão do que valeu a pena e do valor do que se perdeu. Segundo Frankl (2008), o sofrimento é uma forma de encontrar sentido de vida, embora não seja, de modo algum, necessário sofrer para alcançar estes sentidos.

A vida sempre pode nos oferecer novas oportunidades para realização de sentidos, sobretudo quando o amor é uma via para isso (Frankl, 2008). Relembrar as memórias afetivas mais importantes das nossas experiências vivenciadas com (e pelo amor) também é uma forma de realizar sentidos. Segundo Parkes (1998) quanto mais amamos, mais sofreremos com as perdas e, por que não, com as despedidas. Portanto, o amor e a dor são duas faces da mesma moeda. Todavia, as circunstâncias que nos permitem amar e/ou sofrer imprimem possibilidades de realizar diferentes sentidos de vida.

O que queremos eternizar?

Apesar das despedidas, do fim de ciclos e do término de experiências, existe a perenidade do eterno! Viktor Frankl, autor existencialista e criador da Logoterapia e Análise Existencial, reafirma isso quando pressupõe que tudo se faz eterno. Neste sentido, devemos assumir a responsabilidade diante do que escolhemos. Escolher o que fará parte do nosso passado, faz com que, consequentemente, possamos selecionar o que desejamos eternizar, ou seja, o que se eterniza pela nossa existência (Frankl, 2005).O mesmo autor diz que: “O arquivo eterno não pode ser perdido – o que é um conforto e uma esperança. Mas, também não pode ser corrigido – o que é um alerta e uma advertência” (Frankl, 2005, p.114).

O conforto e a esperança advêm do reconhecimento de que nossas ações permanecem eternizadas, mesmo depois da nossa partida ou da despedida das pessoas que amamos. Em contrapartida, o alerta e a advertência chamam atenção para o fato de que todas as nossas ações se perpetuarão eternamente, sem possibilidades de correção. Com isso, não queremos demonizar o erro e criticar quem erra, até porque não há vidas sem erros ou contradições, mas sim convocar a todos para a responsabilidade sobre suas escolhas, as quais ficarão para sempre eternizadas pelo legado que deixamos em nossa partida.

Abrir novos horizontes

É válido salientar que algumas mudanças se tornam necessárias durante nossa existência porque nos permitirão alcançar novos horizontes. Diante das possibilidades que se apresentam, é necessário tomar decisões e automaticamente lembrar de nossa liberdade e responsabilidade, condições ontológicas do ser humano. Importante também reconhecer que as oportunidades e experiências encerradas estarão armazenadas e asseguradas no nosso passado, sem estarem “para sempre” perdidas. Como diria o compositor e cantor Jorge Vercillo, em sua canção “Vôo Cego”, “Toda escolha traz uma renúncia à luz”.

Por isso, retornamos à metáfora das viagens para constatarmos que temos que renunciar e nos despedirmos de antigas escolhas para chegarmos a novos lugares. Nisso, iniciar novos ciclos de despedidas pode levar à abertura de novas possibilidades.

E MAIS…

Do passado ao futuro

O futuro se apresenta como um cenário de possibilidades para escolhas do presente que serão eternizadas no nosso passado. Quando escolhemos o que fazer no momento presente tornamos essas possibilidades em realidades (Frankl, 2005). Parece que podemos, assim, armazenar com segurança o nosso passado, assim como fazemos com nossas lembranças e memórias afetivas registradas em fotografias que são armazenadas em dispositivos eletrônicos. Quantas vezes nos deparamos primeiro com a desagradável notícia de que perdemos estas lembranças afetivas, para, depois, nos surpreendemos com a sensação ambivalente de perda e reconquista destas mesmas memórias armazenadas em dispositivos como o drive (recurso online de armazenamento permanente de arquivos), por exemplo. Estas memórias em formato de fotografias despareceram? Não, elas apenas mudaram de lugar! E assim é a vida!

Muitas mudanças e despedidas podem parecer permanentes e escapar aos nossos olhos, simplesmente porque elas passam a se expressar de outra forma em nossas vidas, por afinal “Nada nem ninguém pode privar-nos ou furtar-nos aquilo que salvamos e asseguramos no passado” (Frankl, 2005, p.41). Concluímos que a transitoriedade de nossa existência não retira seus sentidos, mas constitui nossa responsabilidade (Frankl, 2008) e novas possibilidades de ser e estar no mundo.

Referências
Frankl, V. E. (2008). Em busca de sentido (32a. ed). Petrópolis: Vozes. 
Frankl, V. E. (2003). Sede de Sentido. São Paulo: Quadrante. 
Frankl, V. E. (2005). Um Sentido para a Vida: Psicoterapia e Humanismo (V. H S. Lapenta, trad.). São Paulo, SP: Ed. Ideias & Letras.
Parkes, C.M. (1998). Luto: estudos sobre a perda na vida adulta (Coleção: novas buscas em psicoterapia: v. 56). São Paulo: Summus.