Pode parecer que uma pessoa que se questione e busque compreender o sentido de sua vida seja alguém atormentado mentalmente, tal como Freud relatou em sua obra Correspondência de Amor e Outras Cartas: “… Se se pergunta pelo sentido e valor da vida, é porque se está doente…”. A isso, Frankl responde a Freud em uma de suas obras, “Um Sentido para a Vida: Psicoterapia e Humanismo” (Frankl, 2005), de que a vontade de sentido que se expressa pela busca pelo sentido da vida é, em si, uma potencialidade humana que reafirma a própria humanidade. Para além das diferenças teóricas, a LAE pressupõe que é imanente ao ser humano se questionar sobre sua própria existência, o que o leva a buscar um sentido (ou minimamente um propósito) para sua vida, ou seja, algo pelo que viver! Façamos um parêntese para diferenciar propósito e sentido de vida. Enquanto o primeiro se refere a uma realização individual encerrada em si mesma, o segundo é mais amplo e se relaciona a dimensão noética ou espiritual do ser, já que se relaciona, genuinamente, ao seu movimento autotranscendente, o que iremos tratar mais adiante.

Ainda assim, quantas vezes somos atormentados por estes questionamentos, o que está longe de ser um mal sinal, porque corresponde ao caráter inerente e mais saudável, do ponto de vista psíquico e noético, da nossa existência (Frankl, 2005). Essa busca por respostas às perguntas fundamentais da vida, Para que? Por quê? e Como? podem parecer à primeira vista típicas de uma estrutura neurótica, mas representam uma iniciativa, natural e característica, da expressão mais humana de uma importante dimensão do nosso ser: a dimensão noética (ou espiritual).

Uma dimensão propriamente humana

A motivação primária pela busca por sentidos de vida, ou seja, a expressão da vontade de sentido, não é a única preocupação da abordagem fundada por Viktor Frankl. A LAE é uma teoria que inclui a dimensão da espiritualidade humana em sua perspectiva antropológica de compreensão do ser e da sua existência. Como uma corrente fenomenológica existencial, a LAE pressupõe que a existência humana é constituída por fenômenos de diferentes ordens, desde o nível somático, até o psíquico e o noético ou espiritual. Esclarecendo que a dimensão noética ou espiritual não se baseia em referências religiosas, ela traduz uma experiência relacional de conexão do ser com algo imaterial, transcendente. Segundo o modelo teórico-conceitual da LAE, o homem é, assim, compreendido em sua complexa dinâmica antropológica como um ser biopsicoespiritual formado por três dimensões: física (somática), psíquica (mente) e noética (espírito). Isso possibilita uma visão integral do homem, que passa a ser compreendido em sua totalidade.

Não confundir religião com espiritualidade

É por meio dessa dimensão noética/espiritual que o ser expressa sua vontade de buscar valores, sentidos e novos significados para sua existência. Isso potencializa sua busca pelo que lhe é próprio e lhe garante a sua saúde mental, já que ajuda na sua realização pessoal e no seu bem-estar subjetivo, ou seja, aquilo a que chamamos também de felicidade.

Diante disso, podemos estabelecer uma relação entre os conceitos de sentido de vida e espiritualidade. Estudos sobre o tema (Cavalheiro & Falcke, 2014; Oliveira & Aquino, 2014) consideram a espiritualidade, atrelada ou não a práticas religiosas, um meio para a busca e vivência de sentidos de vida. Entretanto, um equívoco muito comum é confundir religião com espiritualidade, atribuindo a ambas o mesmo significado. O conceito de religião está relacionado às manifestações de atos de culto, rituais e outras formas de expressões religiosas; já a espiritualidade corresponde a uma dimensão propriamente humana caracterizada pela relação da pessoa enquanto um ser em conexão com algo que transcende à si próprio e à sua existência. As instituições religiosas ou qualquer outro movimento social e religioso, não necessariamente se relacionam à espiritualidade, já que podem ou não incentivar a prática religiosa dirigida a uma busca transcendente do sentido da vida. Portanto, apesar de relacionadas, religiosidade e espiritualidade não são sinônimos!

Naturalmente, entendemos que qualquer pessoa pode vivenciar sua espiritualidade ligada ou não à uma prática ou crenças religiosas. A religião é apenas uma das formas práticas de expressar a espiritualidade, mas não é a única. Independente de religião, todo ser humano pode viver sua experiência de espiritualidade no instante em que ele transcende sua própria existência, projetando-se para além dele mesmo na busca por encontrar valores que ele experiencie sentidos para sua vida e satisfação e realização pessoal.

A capacidade humana de transcender a si mesmo

É pela autotranscedência, capacidade humana de transcender a si mesmo em direção a uma busca de sentido ou alguém (Frankl, 2005), que podemos encontrar a espiritualidade em nós mesmos, em nosso mundo, em nossas relações.

Ao investirmos em um movimento auto transcendente no exercício da nossa liberdade ontológica, que é própria e imanente de todo ser humano, temos uma ferramenta importante para colocar nossa vontade de sentido em prática. Baseado ou não em vínculos com a religião, o ser é capaz de exercitar sua espiritualidade, que vai além de comparecer ou participar de rituais e práticas religiosas. Logo, entregando-se aos questionamentos da vida e realizando sentidos em cada atitude tomada e experiência vivida, a liberdade ontológica aliada à vontade de sentido é a expressão máxima do ser na busca de sentidos de vida, antídoto para o vazio existencial, o “novo” mal estar contemporâneo (Frankl, 2016).

E MAIS…

Novos valores para ressignificar o sofrimento e vazio existencial

Indiferente de idade, raça, etnia, gênero ou classe social, os transtornos mentais mais variados afetam a população mundial. A gravidade é de tal ordem que o suicídio já é considerando problema de saúde pública por ser a segunda principal causa de mortes entre pessoas com idades entre 15 e 29 anos. No Brasil, problemas de saúde mental tem seguido a tendência mundial, acometendo cerca de 5,8% da população. Segundo a OMS, o Brasil é o segundo pais com maior número de pessoas com depressão nas Américas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos com 5,9%. Os dados nacionais para os transtornos ansiosos, como as ansiedades, fobias, ataques de pânico e outros, também são alarmantes e o Brasil representa o país com maior prevalência do mundo: 9,3%.

Dicas como “Reservar tempo para curtir a vida e conviver socialmente”, “Praticar atividades físicas”, “Manter rotina de sono e alimentação saudáveis” e “Não ter vergonha de procurar ajuda, inclusive profissional” são indicadas pelo Ministério da Saúde. Nos arriscamos a afirmar que dentre todas essas dicas, uma fundamental é buscar por ajuda, tanto profissional como da sua rede de apoio. Ultrapassando os rótulos milenares de que “psicólogo é ´coisa de maluco´!”, a Psicoterapia pode ser o início de um belo caminho de autoconhecimento na busca por se auto transcender rumo ao encontro de novos valores para ressignificar o sofrimento e preencher de sentidos o vazio existencial!

REFERÊNCIAS

Frankl, V. E. (2005). Um Sentido para a Vida: Psicoterapia e Humanismo (V. H S. Lapenta, trad.). São Paulo, SP: Ed. Ideias & Letras.

Frankl, V. E. (2016). A vontade de sentido: fundamentos e aplicações da logoterapia. São Paulo: Paulus.

Cavalheiro, C. M. F., & Falcke, D. (2014). Espiritualidade na formação acadêmica em psicologia no Rio Grande do Sul. Estudos em Psicologia (Campinas), 31 (1), 35–44. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-166X2014000100004

Oliveira, K. G.; Aquino, T. A. (2014). A logoterapia no contexto da psicologia da religião. Interações, 9 (16), 225-242. DOI 10.5752/P.1983-2478.2014v9n16p225.

OPAS, Organização Pan-americana de Saúde (2020). Depressão. Disponível em https://www.paho.org/pt/topicos/depressao#:~:text=A%20depress%C3%A3o%20%C3%A9%20um%20transtorno%20mental%20frequente.,idades%2C%20sofram%20com%20esse%20transtorno.