Quando você se depara com notícias sobre a mudança climática, como você se sente? Você tem medo do futuro em que vai viver? Sobre o futuro em que seus filhos vão viver? Você se sente sem esperança? Desamparado? Bem-vindo ao clube: você está experimentando o que os pesquisadores estão chamando de “eco-ansiedade”, uma resposta emocional à percepção da degradação ambiental. Glenn Albrecht, um filósofo australiano, cunhou o termo “solastalgia”[1] para descrever esta angústia causada pela mudança climática. De acordo com a Associação Psicológica Americana, se você é um adulto jovem, é ainda mais provável que experimente solastalgia[2] do que qualquer outra faixa etária, mas você não está sozinho.

Angústias e incertezas

Como podemos explicar esta resposta emocional? É claro que você pode estar sofrendo diretamente os efeitos da mudança climática: enchentes, incêndios, ondas de calor… levando a uma gama completa de sentimentos, incluindo raiva, angústia e desespero – ou mesmo tristeza. Mas outro problema da mudança climática é o medo do que pode acontecer em nosso planeta e em nossa vida diária. Ansiedade é, por definição, a emoção que capta esse sentimento de inquietação e preocupação com eventos futuros e condições de vida. Este medo de “não saber o que vai acontecer no futuro” também pode ser reforçado pela exposição da mídia[3] e isto tem que ser reconhecido.

A ansiedade e a depressão são as duas faces da mesma moeda – são reações humanas a circunstâncias em que a pessoa se sente ameaçada ou impotente diante de uma situação individual ou coletiva. Nesta visão bastante genérica, a ansiedade se constitui como um mecanismo de defesa diante de uma condição depressiva subjacente, ela vem como modo de fuga ou evitação da depressão. Então a ansiedade gera movimento, ainda que descoordenado e pouco eficiente, além de gerar de sofrimento enquanto a depressão fomenta a paralisia e o recolhimento, proporcionado sofrimento da mesma forma.

Aqui não nos interessa trabalhar os critérios diagnósticos e síndromes que envolvem a depressão e a ansiedade. Estes parâmetros são publicamente acessíveis no DSM-V e CID-10.

Constatação e combate

O que buscamos aqui destacar são os modos de funcionamento ansioso e depressivo diante dos temas ambientais. A Associação Americana de Psicologia (APA) definiu a eco-ansiedade como “profunda sensação de perda e frustração por perceberem que não podem fazer o suficiente para barrar as mudanças climáticas” em 2017, no seu relatório “Saúde mental e nosso clima em mudança: impactos, implicações e direcionamento”[4].

A eco-ansiedade é gerada, portanto, pela sensação individual ou coletiva, de que se é impotente diante das mudanças climáticas que, por sua vez, constituem uma ameaça real aos nossos modos de vida e modelos de sociedade pautadas no consumo. Um fenômeno de escala global, gerado pelas gerações precedentes, em seu modelo predador de produção e consumo sobre a natureza, transformada em bens, recursos e serviços, estes esgotados pela própria humanidade. Isso sem falar nos resíduos gerados por nossa tecnologia industrial, que são devolvidos aos ecossistemas sem que os mesmos tenham condições de reciclá-los, o que acaba por tornar a vida inviável como, por exemplo, na poluição de manguezais, verdadeiros berçários de espécies marinhas e fluviais.

A própria definição de sustentabilidade, pautada na necessidade de que as presentes gerações garantam os recursos e serviços ambientais para si e para as próximas, é geradora de ansiedade. Como pode uma geração além de sobreviver às péssimas e degradadas condições ambientais deixadas pelos pelas precedentes, ainda cuidar para que as próximas não passem por privações ambientais? Como pode se sentir uma pessoa diante de um compromisso dessa monta? Mesmo em nível comunitário, como não gerar ansiedade a necessidade de cumprir uma tarefa que está além de seu alcance local apenas? Mesmo em nível nacional, como tornar a sustentabilidade uma prioridade enquanto problemas como pobreza, fome, racismo, analfabetismo, desigualdade de gênero e todas as mazelas sociais que daí se depreendem ocupam o cotidiano de grande parte dos cidadãos?

Vivenciar a impotência

Uma primeira postura pode ser a negação, reforçada pelo pouco conhecimento ou informação sobre o tema. Enquanto um problema ambiental cotidiano local como enchentes, secas e queimadas não forem associados às mudanças climáticas, o senso comum opera por inércia e desconecta as pessoas das causas reais dos problemas que vivem. Ou, ainda, a negação pode vir pela simples constatação de que individualmente há pouco a ser feito e como uma defesa por esta frustração o problema é negado, não me pertence, não há nada que eu possa fazer.

A eco-ansiedade é paralisante quando, diante de um problema tão grande, é melhor sentir as agruras da ansiedade do que vivenciar a impotência. Então como signos/sintomas temos a sensação de esfacelamento proeminente do mundo real e da chegada do completamente desconhecido que ameaça nossa própria existência. O ambiente do entorno não é seguro para nossa própria sobrevivência, não há para onde fugir, não há uma figura mágica a quem recorrer ou que venha nos resgatar. Este sufocamento invade a pessoa que se agita e angustia, sentindo-se encurralada em seu próprio planeta, com pessoas que estão longe de compartilhar os mesmos receios e temores. Essa sensação, vivência corporal e mental, emocional e cognitiva, da iminência da ocorrência de algo sobre o qual não se tem qualquer controle é o gatilho da eco-ansiedade. É um se debater errante, sem propósito ou objetivo a não ser o da descarga, da expulsão dessas emoções ansiosas que invadem a pessoa, como se não fosse vindo dela mesma, ao mesmo tempo em que a origem é clara: sua incapacidade em lidar com o que percebe de seu entorno.

A eco-ansiedade parte da superação da negação, ou seja, ela se inicia quando a pessoa ou coletivo, compreende a dimensão do problema e, sobretudo, que sua solução deve ser urgente, depende de nós agora, de como pensamos o meio ambiente, o valor da vida, dos nossos comportamentos. As emergências climáticas são, como seu nome diz, urgentes, já estão em curso, é perceptível e inevitável. Essa noção da seriedade e amplitude do problema, como da urgência de suas soluções e da necessidade do envolvimento de todos, individual, coletiva, comunitária ou nacionalmente, pode ser motor de atividades que caminhem na direção oposta ou paralisante.

Eco-paralisia

Quando a ansiedade finalmente falha em solucionar esse problema, a saber, nossa necessidade de agir diante de uma catástrofe tão iminente como as mudanças climáticas, se instala a paralisia e a imobilidade. A “eco-paralisia”[5] é o sentimento no qual as pessoas se sentem presas e incapazes de agir ou de seguir em frente. Como uma desistência diante de um cenário tão desalentador, como o previsto para o nosso planeta e a vida diante das mudanças climáticas, as pessoas e coletivos não mais se debatem, mas se recolhem. Não há mais a busca do movimento ansioso que procura, ainda que de modo atabalhoado, por uma saída da situação eco-ansiogênica. A sensação de impotência e de adoecimento conduz a um recolhimento defensivo, de tonalidade depressiva, de ensimesmamento e desistência. Como pode uma pessoa, elo frágil de sistemas tão complexos que estão em colapso, não colapsar e adoecer também? Nossa própria condição como vida ameaçada já vai instalando na humanidade seu próprio destino mórbido e enlutado.

Humanidade autodestrutiva

Antes mesmo da questão ambiental e das mudanças climáticas serem parte do cenário acadêmico pensadores da Psicologia como Sigmund Freud em seu texto “O Mal-estar na Civilização” em 1930 e Erick Fromm, desde a década de 1960 do século passado, já nos alertavam sobre os efeitos deletérios de nosso processo civilizatório apoiado no afastamento da Natureza e de nossa própria condição natural. Apoiados em conceitos diferentes, Freud na pulsão de morte e Fromm na necrofilia, como formas racionais de teorizar acerca da destruição do ser humano sobre o próprio homem e o estreito vínculo deste processo autodestrutivo da humanidade como vinculado à destruição causada por ela sobre a natureza. Mas recentemente, as teorias continuaram seu desenvolvimento com autores tais como Paul Shepard[6], que foi capaz de associar o nosso desfucionamento psíquico à ruptura com os ciclos orgânicos auto regulatórios dependentes de nossa relação com o meio ambiente.

Assim, esta paralisia diante das mudanças climáticas, por parte da humanidade, reflete seu pouco conhecimento sobre o tema, mas a certeza de seus efeitos deletérios e, muitos, irreversíveis. Quando não se sente capaz de agir para a transformação do real, pessoas e coletivos se reduzem mesmo em sua capacidade de ação, se encolhem, padecem de um destino inevitável no qual têm pouco poder de interferência. Este modo depressivo, que assume as culpas da civilização acerca de seus erros milenares, se vivida individualmente, inevitavelmente produz desolação, tristeza e adoecimento. Derrubada a eco-ansiedade se instala um cenário não mais de desespero, mas de desolação, desistência e inação.

O destino é agir

Diante do dilema entre um desespero ineficiente da eco-ansiedade e a resignação despontecializada da depressão, há um mundo real que continuamos degradando e deixando de legado às futuras gerações. Não é inevitável cair em um desses pólos ineficientes e geradores de sofrimento e isolamento. Entretanto, a eco-ansiedade pode ser útil? Para alguns, ela pode levar à motivação e à ação. Isso porque, o medo pode ativar em nós o desejo de se levantar e agir para mudar um destino percebido como escuro e sombrio.

Apenas da ação, individual ou coletiva, é possível sair dessa tristeza filha da destruição humana sobre a Natureza, é viável gerar novos afetos e agenciamentos que busquem proteger a vida, toda a vida, a vida de todos. Não falta conhecimento nem capacidade científica para mitigar ou até reverter o que poderia vir de pior com as mudanças climáticas. A pandemia da COVID-19 demonstrou a enorme capacidade científica e tecnológica no avanço de seus processos, sobretudo o da produção de vacinas, diante de ameaças graves que demandam por soluções urgentes como a disseminação global do coronavírus.

Soluções em comunidade

A ideia geral em lidar com a ansiedade ecológica, notadamente com a solastalgia que se concentra em um destino universal, é lembrar que não estamos sozinhos. Não estamos sozinhos na experiência do medo, e não estamos sozinhos na experiência dos impactos da degradação ambiental. Portanto, encorajar um senso de comunidade e inclusão é essencial para lidar efetivamente com a eco-ansiedade. Desenvolver empatia e promover a solidariedade entre as pessoas e participar de eventos comunitários e ações concretas são maneiras de ajudar a reduzir o sentimento de isolamento, medo e desilusão.

Para isso, redes de apoio em que as pessoas se sintam parte de uma comunidade, que elas se sentem seguras para expressarem seus sentimentos e se apoiarem umas às outras, são de extrema importância. Poder processar, reconhecer e compartilhar os sentimentos e expressar essas emoções em relação aos desastres climáticos é vital para lidar com a ansiedade. Entender que existe um sentimento em comum, uma preocupação em comum e pensar juntos em como canalizar esse medo e essa ansiedade em ação é essencial.

E MAIS…

Educação ambiental e empoderamento transformam o mundo

Um exemplo de comunidade para se falar sobre mudanças climáticas e se envolver com ações concretas é Academia de Ação Climática no Brasil, um curso de formação para professores e estudantes de licenciatura, sobre mudanças climáticas e soluções verdes para todos os tipos de educadores, que buscam empoderar seus alunos e suas comunidades educacionais para adotar ações climáticas. Os participantes do curso fazem agora parte de duas redes (uma brasileira e outra internacional) de educadores comprometidos com a pauta climática.

Referências:

[1] Albrecht G, Sartore GM, Connor L, Higginbotham N, Freeman S, Kelly B, Stain H, Tonna A, Pollard G. Solastalgia: the distress caused by environmental change. Australas Psychiatry. 2007;15 Suppl 1:S95-8. doi: 10.1080/10398560701701288. PMID: 18027145.
[2] American Psychological Association https://www.apa.org/news/press/releases/stress/2018/stress-gen-z.pdf
[3] Pikhala, P. (2019). Climate anxiety. Helsinki: MIELI Mental Health Finland.
[4] American Psychological Association https://www.apa.org/news/press/releases/2017/03/mental-health-climate.pdf
[5] Albrecht G. (2011) Chronic Environmental Change: Emerging ‘Psychoterratic’ Syndromes. In: Weissbecker I. (eds) Climate Change and Human Well-Being. International and Cultural Psychology. Springer, New York, NY. https://doi.org/10.1007/978-1-4419-9742-5_3
[6] https://theanarchistlibrary.org/library/paul-shepard-nature-and-madness.a4.pdf