O psicólogo José Felipe Rodriguez de Sá é formado em Psicologia pela Universidade Salvador, bacharel em Publicidade e Propaganda pela mesma instituição e pós-graduado no Instituto Junguiano da Bahia em Psicoterapia Analítica, onde é professor. Ele fez mestrado no curso de Família na Sociedade Contemporânea na Universidade Católica do Salvador. Ele é autor de “Terror no Divã: A Psicologia do Cinema de Terror em Quatro Séries Clássicas”.

José Felipe Rodriguez de Sá descreve a paralisia do sono como um estado em que a pessoa, ao ir dormir ou acordar, é incapaz de se mover. A experiência é acompanhada por assustadoras alucinações e delírios, por isso, diferentes sociedades a interpretaram como algo sobrenatural ou metafísico.

Na paralisia do sono, o sujeito vê imagens do sonho confundindo-se com as do mundo real. As “experiências incomuns” envolvem sensação de estar flutuando e experiências fora do corpo, nas quais indivíduos veem o próprio corpo de uma perspectiva externa, e têm a impressão de ter deixado seu corpo físico.

O Sr diz as experiências sobrenaturais associadas à paralisia do sono têm sido interpretadas como patológicas…Poderia comentar?

O consenso hoje sobre as causas da paralisia do sono é a falta de sincronia entre as fases do sono. Então, a paralisia do sono é a mistura do sonho com realidade, você está acordado, mas o seu cérebro funciona como se estivesse sonhando. Sentimos acordados o mesmo que sentimos quando estamos sonhando, ou seja, o corpo paralisado, emoções fortes e alucinações. Analisando a partir da neuroquímica, a paralisia sono é enxergar a realidade como um esquizofrênico a enxerga.

Como as diferentes culturas interpretam a paralisia do sono?

A paralisia do sono parece um fenômeno universal, de origem neurobiológica. Cada cultura interpreta de uma maneira essa experiência. Os esquimós do Canadá acreditam que ela é um feitiço dos xamãs. No Japão, a paralisia do sono também é vista como feitiço, é o Kanashibari, em que mago usa um espírito vingativo que sufoca os inimigos enquanto eles dormem. A versão moderna disso são abduções alienígenas. Coincidência ou não, as vítimas desses sequestros sobrenaturais têm alto índice de paralisia do sono. Além disso, a experiência da abdução e paralisia do sono têm várias coisas em comum: o corpo paralisado, a sensação de uma presença assustadora, a sensação de flutuar e ver luzes e outras coisas que parecem alucinações. Temos no Brasil uma lenda própria sobre a paralisia do sono: é a Pisadeira. No folclore brasileiro, ela é uma mulher idosa, feia, magra e com as unhas compridas. Ela anda pelos telhados das casas durante a noite e pisa na barriga dos que dormiram com a barriga cheia.

A paralisia do sono era constantemente subdiagnosticada como sintoma de narcolepsia…

Até pouco tempo, a paralisia do sono era somente um dos vários sintomas da narcolepsia, que é um transtorno do sono em que uma das suas características mais conhecidas é um ataque repentino do sono. Independente do que a pessoa está fazendo, ela dorme instantaneamente e acorda como se nada tivesse acontecido. Depois de algumas décadas de pesquisa, descobriu-se que a paralisia do sono pode acontecer independente de um quadro de narcolepsia.

Foi o cristianismo que primeiro associou negativamente pesadelos eróticos, já que seus princípios foram construídos sobre o controle estrito da sexualidade…

De fato, foi a religião cristã a primeira a fazer isso. Mas temos que lembrar que essa vigilância em relação à sexualidade era um padrão do mundo antigo. Os hindus e os budistas, por exemplo, também mantinham essa vigilância. Os cristãos, por sua vez, tiveram influência dos estoicos, corrente a filosofia grega que era não só contra as relações extraconjugais, como também considerava que o sexo servia apenas para fins de procriação.

Como o Sr descreve as experiências fora do corpo, em que os indivíduos veem o próprio corpo de uma perspectiva externa? Qual a explicação neurobiológica para essas experiências?

Em termos de consciência, é uma experiência bem diferente de estar acordado ou sonhando. Desde o mundo antigo se conhece esse fenômeno. Várias correntes do espiritualismo e do ocultismo estudaram o assunto, além da parapsicologia. Só recentemente conseguiu-se identificar as regiões do cérebro envolvidas nas experiências fora do corpo, entre elas há a junção temporoparietal, ligada à criação de uma autoimagem corporal [a área do cérebro é responsável pela percepção espacial, que permite a relação os objetos no espaço pessoal e extrapessoal; também que se tenha uma imagem das partes do próprio corpo].

Como a ressonância magnética pode ser usada para estudar os sonhos lúcidos?

A ressonância magnética pode ajudar a localizar as áreas do cérebro que são responsáveis pelo sonho lúcido, que é sonhar tendo conhecimento que está sonhando e mudar por vontade própria o sonho. Durante o sono REM, que é a fase do sono em que temos mais sonhos, o lóbulo pré-frontal do cérebro, associado à racionalidade e ao comportamento pró-social, está desligado. Já o sistema límbico, a parte mamífera do cérebro, associada às emoções e à memória de longo prazo, está superativada. Por isso, os sonhos são tão intensos e incoerentes. Com os sonhos lúcidos, as áreas ligadas a autorreflexão e à linguagem estão mais ativadas do que o normal. Isso explica porque a maioria dos sonhos lúcidos começa com uma frase: “Eu estou sonhando”.