É importante perceber que o luto não se restringe apenas à presença da morte. Ele também está presente em toda privação, nas rupturas matrimoniais, nos rompimentos com amigos, na mudança para outro país. Assim, este sentimento pode ser concebido, na verdade, como um mecanismo inerente à psique humana, porém com uma influência neurobiológica intensa em relação as sinapses neuroquímicas que provocam diversas alterações comportamentais. Viver o luto ou experimentá-lo é trazer à tona aspectos funcionais orgânicos e psíquicos da memória que nos provocam a dor física e emocional, sendo o cérebro, o órgão biológico responsável por estas reações acontecerem, especificamente na área cerebral, denominada giro do cíngulo.   

Na natureza, não há nada tão complexo quanto o funcionamento do cérebro e da mente humana. Usamos 100% de sua capacidade e temos muitas possibilidades de estruturação de funções ainda mais complexas que serão construídas mediante as necessidades socioculturais, e o luto pode ser considerado um sentimento apreendido e assimilado ao longo do processo da vida humana. 

Processo de luto

O processo de luto apresenta diferenças quando a morte é algo que já se espera, como em casos de doença crônica grave, ou decorre de uma tragédia, como as que se abateram recentemente sobre o país. A possibilidade de se despedir da pessoa amada gera menos desconforto do que quando a partida é de uma hora para a outra. A busca rápida por apoio profissional em situações com essas é importante para evitar o desenvolvimento do transtorno do estresse pós-traumático, um distúrbio de ansiedade que pode dificultar ou até impedir o retorno às atividades habituais

A princípio, o humano tinha uma caixa craniana pequena com mandíbulas grandes para alimentação crua. Depois da descoberta do fogo, passou a ter uma caixa craniana com encéfalo maior e a mandíbula menor, o que permitiu maior desenvolvimento da inteligência. Nessa fase, o homem liberou as mãos do movimento da marcha e começou a utilizar ferramentas de trabalho para transformar a natureza. Diante deste aspecto, o humano, torna-se capaz de não mais relacionar suas perspectivas de sobrevivência com a alimentação, mas, a funcionalidade de pensar mais, pois, as questões nutricionais, a princípio, estavam vencidas para continuidade da espécie. O humano começa a utilizar-se do processo cognitivo com maior propriedade e tempo, despertando para sua existência.

O córtex cerebral aumentou de volume e, com ele, a possibilidade de processamento de informações por meio do pensamento e da linguagem. A socialização se tornou uma necessidade, bem como o desenvolvimento de habilidades de convivência e organização sociais. Em outras palavras, cada um de nós tem um cérebro de acordo com a sua cultura e com os desafios cognitivos que nos são colocados.

Dessa forma, afirmamos que um cérebro que sofreu alguma alteração, tem todas as condições de se transformar por meio dos processos de neuroplasticidade, seja pelo desenvolvimento cognitivo, emocional, motor ou social. E a emoção, ganha um notável destaque na evolução humana, como uma habilidade a ser entendida e interpretada, por meio de uma atitude resiliente, diante de situações consideradas difíceis para o que humano possa ressignificá-las.   

Estruturada pela Neurociência

E quando se fala sobre o luto, é um sentimento que vem sendo muito estudado pela Neurociência, pois, influencia diretamente as Amígdalas Cerebrais, que são estruturas do Sistema Límbico ou Sistema de Recompensa tendo como fisiologia, desencadear as emoções, o medo, sobre o Córtex cerebral que pensa, e que é conhecido neurobiologicamente, como a área responsável pelos processos cognitivos, superiores.

O luto pode ser vivenciado em cinco fases: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Importante entender que nem todas as pessoas vivem este período de forma linear. Alguns começam pela raiva, por exemplo ou por outra etapa. O fundamental é buscar ajuda de um profissional  de preferência da saúde mental. Entende-se, que a família e os amigos exercem uma fundamental importância neste apoio, pois, o luto precisa ser compartilhado com alguém, e este compartilhamento se dá por meio da fala ou da observação não verbal.

Ativação neurobiológica

É necessário compreender como o luto atua na ativação neurobiológica das Amígdalas cerebrais, e como provoca uma experiência emocional. As Amígdalas, são estruturas que fornecem componentes básicos, misturados na memória de trabalho a representações sensoriais de curto prazo e a memórias de longo prazo ativadas por essas representações sensoriais, produzindo então, uma experiência emocional.

De acordo com LEDOUX (1998), as Amígdalas cerebrais têm projeções em muitas áreas corticais. Sendo que as projeções das amígdalas para o córtex são consideradas mais frequentes do que as projeções do córtex para a amígdala. Além de projetar-se de volta às regiões sensoriais corticais de onde recebe informações, as amígdalas também projetam-se para algumas áreas de processamento sensorial, das quais não recebem informações. Como resultado, uma vez ativada as Amígdalas, elas são capazes de influenciar as áreas corticais responsáveis pelo processamento dos estímulos que estão ativando. O que pode ser muito importante no direcionamento da atenção para estímulos emocionalmente relevantes, mantendo a memória de objeto de curto prazo focado no estímulo ao qual as amígdalas estão atribuindo um significado.

As Amígdalas também estabelecem um conjunto impressionante de conexões com as redes de memória de longo prazo que envolvem o sistema do hipocampo e áreas do córtex que interagem com o hipocampo na armazenagem de informações de longo prazo. Essas vias podem contribuir para a ativação de memórias de longo prazo significativas em suas implicações emocionais de estímulos imediatamente presentes. Embora as amígdalas tenham conexões relativamente escassas com o córtex pré-frontal lateral, seus elos com o córtex cingulado anterior são bastante fortes, um dos outros e são “parceiros” no circuito executivo da memória no lobo frontal. As Amígdalas estabelecem, igualmente, conexões com o córtex orbital, outra peça importante na memória de trabalho, a qual pode ter uma participação especial nas memórias de trabalho, no que se refere a recompensas e punições. Por meio dessas conexões com estruturas especializadas de curto prazo, com as redes de memória de longo prazo e as do lobo frontal, as Amígdalas podem influenciar o conteúdo das informações da memória de trabalho. Há muita redundância desse sistema, possibilitando que a percepção consciente da atividade das Amígdalas seja realizada de diversas maneiras.

Redes de defesa

As conexões que partem das Amígdalas para o córtex permitem que as redes de defesa influam sobre a atenção, a percepção e a memória nas situações em que nos defrontamos com o perigo. Ao mesmo tempo, entretanto, esses tipos de conexões poderiam ser inadequadas como explicação completa para a “sensação” de diferença de um episódio emocional, de uma percepção, lembrança ou pensamento, em comparação com um episódio não- emocional.

Essas conexões oferecem à memória de trabalho informações sobre o caráter positivo ou negativo de alguma coisa, mas são insuficientes para a produção de sentimentos oriundos da percepção de que algo bom ou ruim está presente. Para isso, necessitamos de outras conexões também. Além das influências diretas que as Amígdalas exercem sobre o córtex, há uma série de canais indiretos por meio dos quais os efeitos da ativação das Amígdalas podem se fazer sentir no processamento cortical. Um conjunto importante dessas conexões é aquele que envolve os sistemas de excitação do cérebro.

Segundo LEDOUX, o conteúdo da informação produzido pelos sistemas de excitação é frágil. O córtex é incapaz de discernir que o perigo (em oposição a algum outro estado emocional) existe a partir do padrão de mensagens neurais que recebe de sistemas de excitação. Esses sistemas simplesmente dizem que alguma coisa importante está acontecendo. A combinação de excitação cortical inespecífica e informação específica, produzida pelas projeções diretas da Amígdala para o córtex, possibilita o estabelecimento de uma memória de trabalho que alerta para a presença de algo importante envolvendo o sistema cerebral do medo. Deduções cognitivas e processos de decisão controlados pelo executivo na memória de trabalho concentram-se ativamente na situação emocionalmente excitante, na tentativa de descobrir o que está acontecendo e o que deve ser feito. Todas as demais informações que concorrem pela atenção da memória de trabalho são bloqueadas. E para uma experiência emocional completa, deve-se considerar o feedback corporal.

E MAIS…

Estimulação automática

A ativação das Amígdalas produzem a estimulação automática de redes responsáveis pelo controle da expressão de uma variedade de reações: comportamentos específicos da espécie (imobilização, fuga, luta, expressões faciais, luto, tristeza, euforia), reações do sistema nervoso autônomo (alterações na pressão sanguínea e nos batimentos cardíacos, piloereção, suor), e reação hormonais (liberação de hormônios do estresse, como a adrenalina e os esteroides supra-renais, bem como uma série de peptídeos na corrente sanguínea).

Referências:
DAVIDSON, RThe Emotional Life of Your Brain: How Its Unique Patterns Affect the Way You Think, Feel, and Live-And How You Can Change Them, New York Best Seller, 2013.
LEDOUX, J.  O CEREBRO EMOCIONAL, Editora Objetiva, SP. 1998.
RELVAS, P.M. CÉREBRO CONTEXTOS, NUANCES E POSSIBILIDADES. Editora WAK, RJ. 2019.