“O futuro é desordem.

Uma porta como esta se abriu apenas cinco ou seis vezes desde que nos tornamos “homo erectus”.

É o melhor tempo possível para estar vivo, quando quase tudo o que você pensou que sabia está errado.”

Tom Stoppard – na peça Arcadia, 1993.

O dicionário Houaiss define Futuro como “tempo que se segue ao presente” ou o “conjunto de fatos, acontecimentos relacionados a um tempo que há de vir; existência futura; destino, sorte”. Desordem, por sua vez, está definida como “ausência de arrumação, falta de lógica, incoerência, desarmonia” ou também “uma ruptura da ordem, indisciplina com a ordem estabelecida”.

O Futuro, apesar de sempre ter sido objeto de curiosidade da humanidade, também foi visto como algo aterrorizante. Desde a Grécia Antiga é comum a busca por oráculos que possam antecipar os acontecimentos que estão por vir e evitar a desordem. As respostas eram dadas por pitonisas e adivinhos, mas os humanos sempre falhavam na interpretação. A desordem chegava de qualquer forma. Como naquela época, hoje é praticamente impossível prever o que virá, mas dá para tentar buscar algumas respostas e chegar perto de uma interpretação mais ou menos próxima da realidade.

Impacto de transformação

Vivemos dias de mudança e transformação em quantidade, velocidade e impacto assustadores, exponenciais, uma aceleração absurda sem nenhuma aderência ao que foi vivido no mundo que conhecíamos.

Se falamos de uma existência futura e de um tempo que está por vir em total desordem, desarrumado e com falta de lógica, o dizemos com os olhos do passado, a partir das certezas que temos. E se você está angustiado ou preocupado em como lidar com tudo isso, o caminho é reordenar, construir uma nova disciplina baseada em uma nova lógica e a recomendação é começar com três importantes movimentos.

Desapegar

Desapego é a ação do momento. É preciso abandonar a inércia, trocar a lente com que se enxerga o mundo, ressignificar tudo à nossa frente e iniciar uma mudança de dentro para fora. O primeiro passo é mexer no mindset, tão apegado que somos às crenças limitantes, fórmulas prontas e receitas antigas. Não há nada mais danoso do que dizer “aqui não funciona desse jeito”.

Nesse ambiente de volatilidade e incerteza, não adianta mais apostar em soluções antigas. Tudo o que passou já não responde aos desafios do presente, muito menos os do futuro. Não podemos nos apegar à lógica do passado, o mundo já se transformou. Nada se mantém estático – as turbulências continuarão a acontecer e serão cada vez maiores. Esse é o momento de olhar para o futuro e trazer de lá um repertório rico de ideias para aplicar no presente. Precisamos ter uma mente leve que nos permita trafegar pelos três tempos: o passado como uma referência, o futuro com seus insights para aplicar no presente. Como diz uma grande amiga, Rosa Alegria, “você precisa se preparar para olhar coisas que ainda ninguém viu”.

Doar

Depois do desapego, vem a doação. É preciso viver a mudança trazida por ele e não resistir a um futuro cada vez mais presente na nossa rotina. Viver a mudança significa se doar, se entregar ao que está acontecendo de corpo e alma, se entregar ao outro. O estresse disruptivo pode e deve ser superado. Uma sociedade que aceita, confia e abraça a mudança é essencial para vivê-la na prática, sem ilusões e distorções. Confiança e fé que as coisas vão dar certo e que vamos encontrar uma solução.  

Descobrir

E chegamos à descoberta! É preciso, então, desligar o cérebro reptiliano, que se defende e se protege, e afinar seu olhar para captar os sinais do futuro. Curiosidade é a característica mais importante para quem está interessado em prosperar.

Outra dica é sair da cadeira e investigar, procurar descobrir o que está acontecendo no seu entorno. Não dá para continuar a observar o mundo a partir da sua própria bolha ou da leitura de outros. É preciso ampliar o foco, conhecer novos lugares, conversar com pessoas diferentes e buscar outras visões. Só assim é possível a busca por novos sentidos, criando novos nexos e conexões, tornando o cérebro mais plástico do que elástico. Apesar das pressões e mudanças, precisamos ser plásticos mentalmente e resilientes emocionalmente.

Esse é o sentido de presença e urgência em que todos nós devemos operar.

Encontrar oportunidades na crise

Desapegar + Doar + Descobrir = fazer mais conexões entre a realidade interna e externa, não se deixar paralisar pelas crises e encontrar as oportunidades intrínsecas em cada situação. Assim, vamos eliminar ou neutralizar a complacência, os famosos anticorpos que resistem e emperram a nossa mudança.

Para que seja algo melhor, depende de como vamos construir esse novo momento. Só não podemos voltar, andar para trás. O mundo como o conhecemos está se dissolvendo, nas palavras de Mattias Horx, futurista: “No momento, muitas vezes me perguntam quando Corona “terminará” e quando tudo voltará ao normal”.

Minha resposta é: nunca. “Há momentos históricos em que o futuro muda de direção. Nós os chamamos de crises profundas. Esse tempo é agora. O mundo como o conhecemos está se dissolvendo. Mas por trás dele surge um novo mundo, cuja constituição podemos ao menos imaginar.”

Estamos nesse período histórico, um momento único, em que poucas vezes a humanidade teve oportunidade de viver e poder mudar a direção das coisas. A pandemia da COVID-19 nos fez parar, para que pudéssemos reorganizar, arrumar as coisas que estavam fora do lugar.

Ailton Krenak, na obra O Amanhã Não Está à Venda, se refere a esse momento que estamos vivendo “como obra de uma mãe amorosa que decidiu fazer o filho calar a boca pelo menos por um instante. Não porque não goste dele, mas por querer lhe ensinar alguma coisa. “Filho, silêncio.” A Terra está falando isso para a humanidade. E ela é tão maravilhosa que não dá uma ordem. Ela simplesmente está pedindo: “Silêncio”.” Esse é também o significado do recolhimento.

É preciso abandonar a miopia provocada pela contínua negação do ser humano e fazer renascer uma reflexão sobre a própria forma de viver e sobre os caminhos para se garantir o respeito que cada indivíduo que compõe nossa sociedade merece. E só vamos alcançar isso ampliando a consciência sobre o que se faz, como se faz e o que resultamos.

Novas linhas em pauta

A Covid-19 não é um fato isolado como as outras epidemias. É uma pandemia, dentro de um novo normal, extremamente desordenado, que nos obriga a nos reinventar como humanos, como sociedade, como organizações, como modelo de negócio, como nações.

No meio da confusão, desorganização e tumulto, precisamos de uma aglomeração de pessoas leves, alegres, animadas, com ritmo e direção, cada vez mais conscientes do seu poder e do seu papel transformador.

A vida e a sociedade não serão mais as mesmas. A empresa onde trabalhamos não será a mesma. Você, assim como eu, não seremos mais os mesmos. Uma nova humanidade ressurgirá dessa desordem. Novas linhas estão traçadas. Perspectivas, dimensões e contornos são colocados em pauta. E o redesenho já começou.

E MAIS…

Ou você se modela ou será modelado.

Esse mundo novo pode vir a ser uma verdadeira muvuca, que, segundo o imortal e filólogo Antônio Houaiss significa “uma reunião de pessoas animadas e alegres”. É um mundo frenético, por vezes turbulento, mas para aqueles dispostos a abrir mão do controle, também pode ser leve e extremamente divertido.  

Mas será que estamos preparados? Nosso modo de ver o mundo sustenta o entendimento desse ambiente? Estamos prontos para a muvuca desse mundo? A resposta é: não temos muita alternativa, ou você se modela ou será modelado.

O mundo não vai mudar, ao contrário, a muvuca vai aumentar cada vez mais. O futuro é desordem.

Algumas dicas podem ser importantes para se modelar, se adaptar e surfar nessa onda:

1. Olhe para o futuro, tenha uma visão e avance na direção dela. Vá se moldando e se adaptando no caminho, mas nunca perca a clareza do ponto aonde quer chegar. Tenha flexibilidade e saiba que pontes, desvios, atalhos, fazem parte da caminhada. A ordem é seguir com uma estrutura leve (avalie sua bagagem emocional e cognitiva) sempre se movimentando. Lembre-se: é menos importante a velocidade e mais importante o ritmo, a frequência e a direção desse movimento.

2. Em um ambiente de insegurança e incerteza, é natural sentirmos medo. Deixe o medo chegar, só não deixe ele te paralisar. Sinta o medo, não o esconda, minimize ou ignore. Certa vez ouvi o depoimento de uma nadadora de grandes travessias dizer: “eu tinha sempre duas alternativas, ir com o medo ou ficar com o medo, eu sempre escolhia a primeira, ir com o medo”. Vá adiante. Vá com o medo. Destrave, tire o freio e se coloque em movimento. Tenha confiança na sua escolha e direção.

3. Dialogue, converse, ouça outras perspectivas, amplie a visão, olhe para o lado, para fora, para dentro, olhe para cima e para baixo, olhe em todas as direções. Tenha a visão do todo e não só da parte, lembre-se que é preciso enxergar a floresta, não só as árvores. Compreenda e clarifique. Pense diferente. Pense em redes de colaboração, colabore e esteja conectado para seguir em frente.

4. Se permita a viver na ambiguidade, com o contraditório, com o diferente, com as várias perspectivas. Ao invés de buscar o coerente e o convergente, viva o divergente. A vida é feita de diversidade. A natureza é diversa e multifacetada, se conecta e se integra em harmonia. Experimente e teste, prototipe-se. Não há caminhada sem tropeços, erros e aprendizados. Se reinvente, assuma os riscos e aprenda com os erros, erre rápido para poder corrigir depressa, evoluir e seguir. O ótimo é inimigo do bom.