Monica Portella é psicóloga com mais de 25 anos de experiência com Terapia Cognitivo Comportamental. Pós doutora em Psicologia pela PUC-Rio, doutora em Psicologia social e cognitiva pela UFRJ e Mestre em Psicologia social pela UFRJ. Atualmente trabalha com TCC e Psicologia Positiva. E tem se dedicado a estudar problemas e conflitos decorrentes da Pandemia de Covid19.

O medo é um sentimento comum a todo ser humano. Ele é um velho conhecido desde a nossa infância e pode ser muito benéfico, pois nos permite sermos cautelosos e nos proteger de possíveis perigos. Entretanto, é importante tomar cuidado para que ele não nos paralisar e se tornar uma patologia grave. Apesar de necessário, o medo pode se tornar um problema se extrapolar os limites e começar a atingir a qualidade de vida. O surgimento da pandemia sem dúvida extrapolou os limites e intensificou o medo generalizado, pois fomos tomados de uma situação abrupta e de grandes incertezas.

A angústia de não ter conhecimento certo do que estava acontecendo, do que estava por vir, de como lidar com tantas mudanças repentinas, gerou medos em nível mundial. Medo da infecção, medo da morte, medo de sair de casa, medo até de abraço e afeto. A dinâmica das informações desencontradas, notícias que exploraram o sensacionalismo do momento e massificação de incertezas e até Fake News, contribuiu muito para o surgimento de uma massificação do medo. Ele passou a ser analisado com mais atenção pelos especialistas da área de saúde e a busca por tratamento psicológico teve um crescimento considerável nesse longo tempo de pandemia em que estamos vivendo.

A psicóloga Monica Portella fala sobre esse momento desafiador, de como o medo pode ser funcional e disfuncional, como lidar com os medos durante a pandemia e como trabalhar essa emoção profunda para que o medo não traga maiores conflitos emocionais. Embarque nessa leitura sem medo!

Qual a principal diferença entre o medo funcional e o disfuncional?

O medo é uma emoção básica, com valor de sobrevivência para a espécie (Ekman, 2003), como por exemplo, medo de ser assaltado ou medo diante de um animal feroz. O medo é fundamental para a sobrevivência e envolve processos biológicos de preparação para uma resposta a eventos potencialmente ameaçadores (Ornell et all., 2020). Neste sentido o medo é
funcional.
 
Porém, se o medo acaba atrapalhando as atividades cotidianas e impedindo você de executar tarefas, ele se torna disfuncional, como por exemplo o caso de uma pessoa que não joga o lixo fora de casa porque tem medo de se contaminar com o Covid19.

Tem momentos que é bom sentir medo? Ele traz algum benefício? Como potencializar esse lado bom?

Sim, o medo é uma emoção importante para a preservação da vida humana. O medo é funcional quando nos faz tomar cuidados necessários de proteção e preservação. É possível potencializar o lado bom do medo por meio de psicoeducação (ensinar como e quando o medo é uma emoção normal, quando esse nos atrapalha e como utilizar seu lado saudável etc).
Por meio de estratégias de autoregulação é possível fazer com que o medo não nos prejudique. 

Por que algumas pessoas lidam com situações de conflito melhores que outras?

Algumas pessoas lidam melhor com conflitos do que outras porque são mais resilientes, esperançosas, otimistas e autoconfiantes. Elas desenvolveram os elementos do Capital Psicológico Positivo, que são fundamentais para o sucesso nesse mundo volátil em transformação. Além disso essas pessoas tem uma maior regulação emocional.

Podemos dizer que essa foi uma pandemia que divulgou o medo como principal aliado?

Não necessariamente. O medo funcional é bom, pois nos protege, nos faz seguir recomendações de especialistas e órgãos de saúde para prevenir a doença e evitar que se espalhe. Mas, em exagero, o medo se torna disfuncional e pode trazer sérios problemas. (Oliveira, 2020). O medo e ansiedade movimentam grande parte da indústria e movimentou vários setores durante a Pandemia do Covid-19. Infelizmente uma parte da mídia sensacionalista usou e usa o medo para chamar nossa atenção, propagando o mesmo em todo o momento que estamos vivendo. Ouso dizer que em algumas situações a mídia mais atrapalhou do que ajudo, divulgando notícias contraditórias que deixam as pessoas confusas e com mais medo. O medo, em sua forma funcional, é ótimo para a prevenção e proteção do ser humano, mas o medo disfuncional não ajuda. Pelo contrário! O medo “vende” e não há como negar que ele foi potencializado em muitos momentos da pandemia de forma cruel e estratégica.

Em função disso, como podemos trabalhar o medo sem que ele traga maiores conflitos emocionais?

É muito importante que o medo seja trabalhado, principalmente neste momento desafiador. E a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) possui diversas estratégias para trabalhar os medos disfuncionais em relação a Pandemia, que vem prejudicando muitas pessoas. Algumas estratégias como reestruturação cognitiva, técnicas de relaxamento, relaxamento muscular progressivo, dessensibilização, técnicas de exposição, mudanças de pensamentos disfuncionais, o trabalho com crenças, e outras técnicas podem ajudar muito o tratamento para o medo.

Informação em excesso, contraditória, fake news, informação com duplo padrão, alimentam o medo e aumentam a ansiedade. Como filtrar as informações e o convívio com as notícias diárias?

Toda Fake News e/ou informação com duplo padrão só fazem potencializar o medo e a ansiedade nas pessoas. Algumas estratégias podem ajudar a filtrar a informação:

1)    Ler mais ou assistir as notícias em mais de um veículo de comunicação, empregando SEMPRE o senso crítico.
2)    Tomar cuidado com a dissonância cognitiva, que nos faz reforçar as informações que acreditamos mesmo que sejam equivocadas.
3)    Trocar experiencias e conversas com pessoas lúcidas que não estejam contaminadas pelo pavor.
4)    Lembrar que: não é porque a informação tem supostamente uma grife que ela é isenta e está correta.
5) Sempre use o seu bom senso e do dos profissionais da sua confiança

Quais são as consequências do medo disfuncional?

O medo excessivo pode dificultar o entendimento da situação da Pandemia, alterar a capacidade de atenção, compreensão e racionalização (Nunes, 2020 – UFMG). Quando crônico, desproporcional e/ou em exagero, é DISFUNCIONAL e pode trazer sérios problemas, tais como:
1)    Afetar imunidade;
2)     Problemas com o sono;
3)     Desequilíbrio emocional;
4)     Desencadear doenças mentais (Oliveira, 2020).
5)    Reduzir o repertório comportamental;
6)    Dificuldade na finalização de atividades;
7)    Desestimular ideias e ações (Fredrikson, 2003; Barros,
2019).

Há sempre a dúvida sobre a diferença entre medo e ansiedade. Como identificar uma e outra?

O medo é um estado de fundo de várias outras emoções do círculo das emoções, como preocupação, apreensão, inquietude e receio. Medo tem um objeto específico, como por exemplo medo da morte, medo de falar em público, do vírus, de cachorro, medo de morte, medo de ficar doente etc.
Já a ansiedade é uma sensação vaga causada pela possibilidade de uma ameaça futura pela qual não se tem controle. Também pode aparecer quando desejamos algo (expectativa de viagem, possibilidade de conquistar algo, etc) ou quando percebemos que não temos controle de alguma coisa.

Como lidar com o medo na pandemia?

É importante observar se o medo está sendo disfuncional. Passando de um estado de alerta para algo excessivo, que impede de fazer as atividades cotidianas. Algumas avaliações e ações podem ajudar nesse processo de identificação e trabalho de combate ao medo:
•         Questionar pensamentos catastróficos e de medo
•         Ignorar o medo apenas piora a situação. É necessário aceitar e encarar o medo de frente.
•         Aceitar medo e ansiedade como parte do momento, não significa resignação.
•         Cuidado com as informações que ingere.
•         Falar sobre o problema é melhor do que guardar o sentimento para si e ficar ruminando. Falar com pessoas esclarecidas e funcionais ajuda a lidar com o medo.
•         Manter contato com pessoas lúcidas para minimizar a dissonância cognitiva.
•         Cuidado com o contágio emocional, para não comprometer o seu bom senso.

É mais fácil superar o medo quando a origem dele é conhecida? Por exemplo, ao passar por um acidente de carro, desenvolve-se um trauma de dirigir.

No caso desse exemplo, aparentemente a pessoa pode desenvolver uma fobia de dirigir. O tratamento cognitivo-comportamental para fobias específicas é rápido, simples e costuma ser bastante eficaz.

Porém, há sensações de medos que são inconscientes, não sabemos por que sentimos. Como identificar e superar nesses casos?

Em geral, as pessoas têm consciência dos seus medos, um medo atávico de que muitos não tem consciência é o medo do isolamento, que para o ser humano na época da pré-história era sinônimo de MORTE. Afinal, nós só sobrevivemos porque fomos capazes de estar em grupo e enfrentar os perigos na pré-história.

É possível dizer que o medo pode ser mais prejudicial em algumas faixas etárias? Por exemplo, se uma criança é educada à base do medo, pode afetar sua fase adulta, mais do que um adulto que começa a ter medo já com sua formação psíquica mais consolidada?

Medo exagerado e que se torna disfuncional pode ser prejudicial em todas as faixas etárias. Na criança pode impedir que ela desenvolva mais a sua independência e reconheça as suas forças, como por exemplo a coragem. Pesquisas realizadas pelo CONJUVE, ONU, Fundação Roberto Marinho, Unesco, em 2020, revelaram que na pandemia, é possível dizer que os que mais estão sofrendo são os jovens entre 13 e 25 anos de idade.

Processos terapêuticos e treinamentos de Inteligência Emocional são ferramentas que tratam os medos de maneira profunda. Tem alguns tratamentos mais indicados para quem busca lidar melhor com o medo que estamos atravessando neste período de pandemia?

Há inúmeras estratégias provenientes da Terapia Cognitivo Comportamental e Psicologia Positiva:

1)    Questionamento de pensamentos disfuncionais. Identificação e Manejo de Erros Cognitivos; Técnica do Debate, Restruturação Cognitiva, Estratégias Focadas na Aceitação.

2) Empregar estratégias de rápidas para manejo de sintomas autonômicos de ansiedade. Como exemplo: Relaxamento Muscular Progressivo (RMP), Estratégias de Biofeedback, Técnica da Contagem, Respiração Diafragmática, Respiração Profunda, Distração, Midfdullness etc.

3) Focar no que pode fazer (controlabilidade) x incontrolabilidade.

4) Manter contato (quando possível) com a rede de apoio, mesmo que de forma virtual. Atenção ao papel dos animais de estimação como coterapeutas.

5)  Autoregulação emocional.

6) Decatastrofização.

7) Enfrentamento de medos com segurança, pautada na força de caráter da bravura.

8) Trabalhar a resiliência emocional.

9) Estratégias de Psicoeducação sobre medo e ansiedade.