Estamos chegando ao final de março de 2021 e a pandemia ainda é uma realidade. E mais, sua resolução continua imprevisível. Um ano depois, estamos em seu pior momento, registrando quase quatro mil mortes em 24 horas, com um média móvel assustadora. Nossas certezas vão ficando para trás à medida que um novo cenário se descortina na nossa frente.

Já pensamos que em 90 dias tudo isso ia passar e voltar ao normal. Ou para que o cérebro processasse de uma maneira mais enfática o momento desafiador, pensamos até em um “novo normal”. Mas o fato é de que a normalidade nunca mais foi presente na vida de ninguém.

Já acreditamos que, no final de 2020, tudo estaria resolvido. Já acreditamos também que até maio de 2021 todos estaríamos vacinados… E assim, nossas certezas foram se desmoronando como um castelo de areia com a chegada da onda do mar.

Modelo de trabalho

Nessa situação, o Home Office compulsório que se instalou na maior parte das empresas também completa um ano. Passado esse tempo, já é possível fazer uma análise com mais dados, aprender e ao mesmo tempo imaginar algumas tendências e mudanças no modelo de trabalho no futuro.

Como base para esse artigo, fizemos uma enquete rápida nas nossas redes e grupos e o que vamos discutir são respostas e questões relativas a esse período e o futuro para 64 respondentes. Os números dão um pequeno panorama do que tem sido o home office para essas pessoas de diferentes empresas e posições.

Na ótica das lideranças, passada a insegurança inicial com o desempenho e as entregas, parece haver um entendimento de que a produtividade média subiu. Ainda há um caminho de aprendizado a ser percorrido, para que se possa lidar com equipes em teletrabalho, adequando-se as formas de interação e as cobranças, mas, no geral, parece que esse ajuste vem sendo alcançado.

Bem-estar no homeoffice

Nessa mesma direção, agora em março, tivemos o exemplo do Banco Citi na pessoa da CEO do Citigroup, Jane Fraser, ao identificar questões de bem-estar entre os funcionários em home office, proibindo as videochamadas às sextas-feiras, criando o Zoom-Free Fridays, e incentivando todos a tirarem férias.

Com atitudes como essa, os efeitos negativos que muitos experimentam ao trabalhar em casa serão atenuados, o que se refletirá em aumento de produtividade ainda maior. Isso deve levar à decisão, para muitas empresas, de adotar o modelo de forma permanente ou mesmo híbrida, o que mostra que não haverá volta para aquilo que um dia já se chamou de “normal”, lá no longínquo ano de 2019.

A Ford, por exemplo, vai manter 30.000 funcionários em teletrabalho, mesmo depois que terminar a pandemia. Os efeitos disso no mercado imobiliário são cada vez mais sentidos, com planos sendo desenvolvidos para a reversão de salas de escritórios em unidades habitacionais, sob o risco de edifícios inteiros ficarem vazios, levando a acontecer o mesmo com ruas e avenidas. E outras empresas transformando os escritórios e salas em espaços de colaboração e laboratórios de inovação e trocas.

Ponto de vista do colaborador

Do ponto de vista dos funcionários, os dados que vêm aparecendo são muito interessantes. Dos entrevistados, 71,88% estão apenas em home office e 23,44% em formato híbrido, apenas 4,69% estão trabalhando no formato presencial e nos antigos escritórios.

Outro ponto de destaque e objetivo principal dessa enquete e artigo, 76,56% acreditam estar trabalhando mais agora do que antes da pandemia. A fantasia de que o home office tinha diminuído a produtividade ou o volume de trabalho, parece ter caído por terra … sim, estamos trabalhando mais do que antes.  

Alguns motivos foram apontados para isso, desde o fato de que o tempo de deslocamento foi convertido em tempo de trabalho, até o aumento no número de reuniões. Segundo um dos entrevistados “até para trocar duas palavras, aquele tapinha nas costas, virou mais uma reunião”. Outros, apontaram que trabalharam mais nos 9 primeiros meses e agora conseguiram se reorganizar e já trabalham até menos, com melhores resultados.

Perguntados se mantinham as mesmas atividades de antes da pandemia, 31,25% disseram que sim, 54,69% apontaram que outras atividades foram incorporadas e somente 14,06% relataram que algumas foram abandonadas. Olha que incrível, a lógica do trabalho feito fisicamente e presencialmente foi simplesmente transferida para o teletrabalho, trabalho virtual sem nenhuma adaptação ou revisão.

Variáveis importantes

Deixamos de considerar inúmeras variáveis importantes: conteúdo do trabalho, a tecnologia necessária para realizar as referidas atividades, o processo de aprendizagem e tempo inclusos e simplesmente transferimos para o mundo do teletrabalho o que fazíamos presencialmente.

Sobre planos futuros de mudança das atividades, seja em termos de processos ou de tecnologia, tivemos 65,63% afirmando que sim e 34,38% que não. Aqui fica nossa dica, é importante revisar o conjunto de atividades, o que tem valor, o que não tem e como conduzir essas atividades em um novo formato.

Ainda perguntados sobre o futuro, se ao fim da pandemia acreditavam que voltariam ao trabalho presencial em escritórios, 84,38% acreditam que trabalharão de maneira híbrida. Esse percentual e dados de várias pesquisas demonstram que essa é uma das certezas que temos hoje, a forma de trabalho mudou. Perguntados também se apoiariam a adoção definitiva do modelo, apenas 21,88% responderam que não, com os outros entrevistados se dividindo entre o home office e o modelo híbrido. E aqui, temos alguns comentários:

Acho que o sistema híbrido preenche melhor as necessidades, pois proporciona os benefícios dos dois sistemas para ambos os lados, empresa e funcionário, como socialização, vínculo cultural, flexibilidade, jornadas de trabalho mais equilibrada.”

“Com opção de híbrido, o home office tem muitas vantagens e, dentre elas, a possibilidade de contarmos com profissionais sem a preocupação de distância. Estão todos a um clique.”

“Quanto à gestão, creio que esse mesmo avanço tecnológico vai trazer novas oportunidades, entre eles nossa conexão com o senso de humanidade, inclusive uma remodelação do papel do gestor como principal função: perceber as emoções da equipe, como um catalisador – expansor – calibrador, exigindo mais habilidades emocionais e intuitivas no futuro do que neste presente.”

A inércia da transformação

Como em outras pesquisas, temos dados com óticas opostas. Alguns números mostram uma mudança, mas ao mesmo tempo denunciam a inércia da verdadeira transformação, como se estivéssemos aguardando tudo isso passar e voltar ao normal. Já os dados animadores são a consciência de que estamos diante de um novo modelo de trabalho, que deverá se popularizar na forma híbrida em alguns casos, enquanto outros deverão adotar o modelo exclusivamente de trabalho à distância.

Como exemplo, a consultoria McKinsey, citada pela Folha de São Paulo, chegou à conclusão de que “um modelo híbrido, com trabalho remoto de três a cinco dias por semana, poderia ser feito com a mesma eficácia de quem está permanentemente no escritório para mais de 20% da força de trabalho. Com a vantagem de ser bem mais barato para a empresa.”

Bom para todos os lados

A economia realmente se destaca nessa equação. O caso da XP, que mantinha seis andares de um edifício na área expandida do centro financeiro de São Paulo, é um exemplo. Anunciaram home office permanente e a construção de uma sede em São Roque, a Villa XP, um edifício sustentável que contará com café, palco de eventos e salas de treinamentos, além de um complexo esportivo e área para crianças. Para os trabalhadores em casa, será enviado um kit com notebook, monitores adicionais, mouse, teclado, fones sem fio e com cancelamento de ruído.

As vantagens desse modelo são inúmeras, em especial no equilíbrio e harmonia da força de trabalho e a quebra da geografia e nacionalidade à medida que passo a olhar o mercado de trabalho como global e não mais local. As dificuldades de contratar alguns tipos de profissionais podem ser minimizadas se amplia o meu campo de pesquisa e busca. Você já pensou nisso? Enfim, é um novo tempo que já chegou.

Provavelmente, chegaria de qualquer forma, mas foi acelerado por um evento para o qual o mundo corporativo não tinha se preparado. O home office foi uma das ferramentas utilizadas e, cada vez mais, dá mostras de que veio para ficar.

E MAIS…

Ainda mais mudanças estão por vir

Durante as entrevistas realizadas para o levantamento das bases para esse artigo, uma resposta recorrente se tornou um tanto quanto perturbadora. Quando os colaboradores foram perguntados se viam as atividades que desempenhavam hoje como ainda relevantes em 10 anos, a maioria esmagadora de 81,25% respondeu que sim.

Porém, sobre essa visão, já abordamos o assunto em outra pesquisa e essas respostas mostram que é interessante avaliar os resultados dela, uma vez que muitos cargos hoje existentes serão substituídos pela Inteligência Artificial, estejam os trabalhadores em home office ou não. Não é difícil acreditar que poucas atividades permanecerão vivas e realizadas da mesma maneira em 10 anos.

Entretanto, é importante falar sobre esses possíveis processos para que as adaptações necessárias sejam feitas com preparação e estratégia. E não mais de forma tão abrupta, repentina e assustadora como foi o caso do home office debatido nesse texto.