Sigmund Freud foi quem ofereceu este primeiro passo ao escutar suas pacientes histéricas diante dos Traumas recalcados e reprimidos.
Car Gustav Jung usou o termo Sombra para destacar conteúdos reprimidos diante de pontos traumáticos que aconteceram no passado. Quem fala e quem escuta na análise? É possível a cura através da fala? São estas as perguntas que vão conduzir este artigo, que tem como objetivo, levar o leitor a compreender e entender, como este método analítico proporciona a Cura.
Estamos vivendo um tempo de mudanças, transformações e recomeços. A Covid-19 mudou totalmente a nossa vida, rotinas e relacionamentos. O mundo não é mais o mesmo. Em meio a esta realidade, deparamos diante das sequelas que o vírus está ocasionando no psiquismo. Ansiedade, pânico, sintomas depressivos sãos os mais frequentes e preocupantes. Mudanças estas têm afetado grande parte das pessoas.
As armadilhas do silêncio
O silêncio, muitas vezes, torna-se armadilhas, que possibilitam fechar-se num vazio existencial. Quando não falamos, reprimimos acontecimentos ou situações que podem tornar-se sintomas. Falar das nossas dores e sofrimentos é um processo de mudanças e transformação. A escuta é fundamental para compreendermos como nos relacionamos e como nos espelhamos mediante conflitos do cotidiano.
O analista ocupa o Lugar da Escuta, do olhar, da compreensão, do acolhimento mediante aquilo que o paciente vem trazer para análise. Escutar é possibilitar acolher conteúdos que sufocam e dóem, transformando num potencial para desta forma superar-se. Por isso, quem Escuta porta uma herança tão importante e necessária para este tempo, nas quais a incerteza e as dúvidas são cada vez mais constantes. Escutar é construir pontes, entre a Dor a e Cura, a Dúvida e a Certeza.
Falar Cura?
Quem nunca se perguntou ou mesmo se questionou se realmente a fala pode curar. A Psicanálise que era algo da elite, hoje, o acesso é público, ainda levanta muitas dúvidas sobre esta abordagem. Afinal, falar cura? Acredito que desde Freud e seguidores fizeram esta pergunta, assim como, se questionaram frente este método de tratamento.
O campo da Psicanálise é muito atuante e perspicaz na sua função as quais exerce. O consultório não pode ser visto como lugar de tratar somente sintomas. Numa visão ortodoxa, logo se compreende que a escuta ultrapassa esta condição. O modo como o analista acolhe o paciente, a sua abordagem analítica, tem grande peso no processo de cura.
Olhar a Dor do Outro é a abertura que a análise processa ao paciente, que possa deste modo contemplar-se. Em um tempo com tantas mudanças e transformações, especialmente com a Covid, falar daquilo que nos incomoda, das nossas Dores e Traumas, é algo muito mais do que necessário, logo, preocupante. Quando guardamos mágoas ou rancores, são como bombas dentro do nosso corpo, que de um modo ou de outro, vão tornar-se sintomas e com o tempo uma doença.
Como psicanalista percebo como é importante falar para com isso se curar. E esse falar, não é com um amigo, conjugue ou mesmo alguém próximo, mas sim, o analista que está ali para escutar, sem julgar ou impor rótulos.
Acolhimento da dor
A escuta na análise é um ato livre que imprime a acolhida da Dor do paciente. Ao falar se coloca para fora magoas, sofrimentos, traumas e dores. A cura é esta ir ao encontro, passar pelo caminho de querer e desejar mudar de vida e não permitir ser dominado pelo passado. Esta trajetória exige tempo, coragem, força e persistência.
Sim. Falar cura e transforma a nossa vida. Aquilo que reprimimos ou guardamos como segredo, pode tornar-se nódulos, pedras, palavras que permanecem calcificadas. Palavra presa é palavra doente, reprimida, recalcada, que possibilita tornar-se patologia. Quando falo, liberto dentro de mim estas lembranças traumáticas, permitindo assim, sair deste estado doentio.
Escutar transforma vidas
O caminho da Escuta na Psicanálise rompeu com muitos paradigmas e crenças. Neste desafio de transformar a Escuta como Processo de Cura, conteve quebrar com muitos dogmas e ceticismo. Não foi ao acaso ou ironia do destino, que este método iniciou-se com muitas pesquisas e estudos. O que escuta-se no processo transferencial muda de modo significativo a vida do paciente.
Como e o que escutar? Acredito que essa pergunta seja muita significativa, pois há muitas coisas que escutamos, aos quais não se conecta com a análise. Falamos tantas coisas, assim como ouvimos um pouco de tudo. No entanto, a abordagem é terapêutica onde o paciente devolve ao analista através da palavra ou mesmo do corpo, aquilo que sente e esta passando. Quem fala tem alguém que escuta de um modo totalmente diferente. A escuta na análise é cura e transformação, no cuidado e a acolhida da sua dor e sofrimento. A “escuta psicanalítica é, antes de tudo, parte de uma ética do cuidado, de uma forma de permitir que o sujeito se escute e, a partir disso, cuide de si” (Dunker, Thebas, 2019, p.58).
Psicanálise Humanista
Como afirma Christian Dunker, ao permitir nos escutarmos, estamos cuidando de nós, olhando para o nosso interior, para o nosso ser. É preciso ter empatia entre analista e analisando, entre aquele que escuta e aquele que ouve. Se não houver isso, não existe análise e muito menos cura. Para escutar é preciso se colocar no lugar do Outro, não com um senso de crítica, e sim, de acolhida. Este Outro é pessoa com uma história, identidade, caráter e personalidade.
A Psicanálise Humanista, criada por Erich Fromm, deixa de lado o método tradicional, isto é, o divã, para adentrar no Humano. Ao sair deste contexto, partimos de uma análise que olha o paciente como alguém com potencialidades e não apenas sintomas a serem tratados. A mudança do Divã, para a Poltrona, possibilitou olhar o paciente nos olhos como uma forma de acolher e escutar sua dor. Não se escuta somente com os ouvidos, logo, com os olhos e o corpo. A diferença está na metodologia, nesta mudança que deixa este lado tradicional, para ficar frente a frente com o paciente. O rosto do paciente, o olhar do analista, também é um modo de falar e acolher.
Cada Palavra, tem um sentido e significado. Cada gesto é interpretado e simbolizado no processo de análise. A escuta é com certeza o caminho para transformar e mudar vidas. O falar permite sair deste Estado de Morte para um Estado de Vida e Superação. “Escutar é essencialmente estar no caminho” (Dunker, Thebas,2019, p.56), para ir ao encontro da Dor e do Sofrimento do Outro. É criar um laço de acolhida. É permitir que a Palavra sólida se transforme em Palavra Líquida. Assim, Palavra Líquida é libertação, cura, empatia consigo e com a própria realidade.
Romper barreiras
O foco no Outro é o encontro de reciprocidade. Escutar é romper com as barreiras e as arramas da própria ignorância, ao se permitir sair da prisão para a liberdade. Toda Palavra reprimida tem como objetivo criar sintomas e assim, uma doença. Quando não falamos e, sim, ‘engolimos’ situações e acontecimentos são como toxinas para o organismo. Permanecem entubadas e ponto de nos sufocar. Por isso, a importância de falar e colocar para fora todas as frustrações e sofrimentos.
A meta deste artigo confinou em mostrar a seriedade da fala e da escuta na análise. Para se curar é preciso falar. Quanto mais sofremos, menos estamos nos escutando. Ao falar, o paciente escuta sua condição para, com isso, modificar sua vida, transformá-la de um modo totalmente diferente. Escutar o Outro é realmente modificar vidas. Olhar o passado e ressignifica-lo para curar o presente e viver um futuro mais saudável.
A análise é antes de tudo o lugar da acolhida, da escuta da compreensão e da transformação. Ao construir este laço da escuta, o psicanalista permite ao paciente olhar para si, voltar para seu Eu interior. Essa ponte entre estado doentio e estado saudável é uma travessia que exige esforço, coragem e determinação. Escutar não somente transforma vidas, como muda o modo como observamos o mundo e a nossa realidade.
Escutar o que se diz é um rico processo terapêutico
Como escutar a si mesmo? Acredito que este é um dos grandes dilemas da atualidade, quando a escuta e a fala tornam-se ferramentas importantes para o desenvolvimento da personalidade. O Olhar do analista não somente acolhe, logo passa uma mensagem de segurança e estilo diante dos conteúdos ali presentes. O paciente, ao fortalecer-se, rompe com estas barreiras, para construir e edificar toda sua vida. Ao me colocar diante do Outro para ouvi-lo, estou arquitetando uma atitude humana e acolhedora.