Segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2019, o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. A população brasileira é composta por 48,2% de homens e 51,8% de mulheres (IBGE, 2021).

Mesmo assim, nós mulheres ainda somos ‘minoria’ na representatividade política, nos cargos de chefia e direção de grandes empresas, na igualdade de direitos, na equiparação salarial…

Transformações sociais

Claro, muita coisa já evoluiu na sociedade da maioria dos países, e também aqui no Brasil, como o direito ao voto, lei do divórcio, Lei Maria da Penha, Lei do Feminicídio, entre outros (veja boxe complementar Conquistas femininas valiosas).

Houve também transformações sociais: até a geração da minha avó, mulheres não podiam passar do ensino fundamental, eram alfabetizadas no básico, para não parecerem tão ‘ignorantes’ (e não ‘envergonharem’ os homens no trato das prendas domésticas…). Já minha mãe cursou ensino técnico de Contabilidade; eu tenho duas graduações, três Especializações lato sensu e um Mestrado, estou me preparando para o Doutorado. Ou seja, atualmente as mulheres estão prolongando a carreira acadêmica, estão ocupando postos de trabalhos antes considerados ‘masculinos’ (como Engenharia, Transportes, etc.). Porém, ainda não nos livramos do assédio moral/sexual, não obtivemos a equiparação salarial (ter a mesma remuneração que um homem com qualificação e tempo de carreira igual), ainda sofremos bullying pelo gênero, ‘raça’ (entendida aqui como uma construção sociológica, não biológica), eventual deficiência, etc. O reconhecimento desses direitos ainda não está sendo suficiente para conter os comportamentos inapropriados, que ainda exigem novas mudanças de conscientização social.

Movimento feminista

O movimento feminista vem, justamente, dessa conscientização do empoderamento feminino, do sentimento de sororidade (discutido aqui em outro artigo), pelo respeito e empatia por outra mulher, todas se ajudando para resolverem alguma situação adversa (ex.: conseguir creches ou escolas infantis para os filhos das trabalhadoras, ter locais próprios para amamentação, etc.). O feminismo não é o oposto de machismo (que se resume a supremacia masculina, negando direitos fundamentais às mulheres), não é um movimento contra os homens, busca apenas a garantia que direitos não sejam negados, pregando a igualdade nas esferas política, econômica e social.

Mas, vemos acontecer um movimento extremista, radical, que visa a busca de privilégios e não a equiparação de direitos! No movimento de oposição aos estereótipos e preconceitos ligados ao feminismo (ex.: quando uma menina faz aniversário, que tipo de presentes damos a ela? Um boné, bola de futebol, carrinhos? – talvez agora, inspirando-se na jogadora Marta, ou na skatista Raíssa Leal, damos uma bola de futebol ou um skate para ver se nossas meninas também ganham medalhas, não exatamente pela diversão…), a revolta das mulheres por vezes vai ao extremo oposto, de humilhação, desqualificação e até destruição dos homens!

Isso me associa com a noção de ‘vítima’. O que é uma ‘vítima’ de violência doméstica? Imediatamente vem à cabeça a imagem da mulher apanhando do homem, certo? Associamos com compleição física, força, adrenalina misturada com testosterona, e eventualmente alguma habilidade com luta ou manejo de armas. Mas uma vez atendi um homem, com mais de 100 kg, que sofreu lesões corporais gravíssimas em briga com a ex-mulher, faixa-preta de judô: hematomas no tórax e antebraços pelos golpes recebidos. E ela? Só um corte no lábio por ele tentar segurá-la!

Distorção de entendimento

Outro movimento feminista extremo, radical, que também causa temeridade em nossa sociedade são os manifestos em defesa da revogação da Lei nº 12.318/2010, da alienação parental, alegando-se que “retira a guarda dos filhos das mães”.

O próprio CRPSP endossa essa ideologia equivocada, oriunda dos séculos XVIII e XIX, de ‘sacralização’ da figura materna como se fosse a única com direitos (ou melhor seria dizer ‘privilégios’?) de exercer a maternidade, em discordância com as transformações sociais que torna obsoleta a concepção de que “somente amor de mãe prevalece”, “somente mãe pode ter a guarda (ou ‘posse’) do filho”, e que propiciam o exercício da guarda compartilhada; em decisão administrativa, que não pode ser mencionada nem reproduzida na íntegra, o CRPSP afirma que as condutas de obstruir ou dificultar o exercício parental do pai (homem), tipificadas em lei federal como alienação parental, são “[…] concepções hegemônicas e patriarcais sobre o exercício da paternidade, […] sem considerar as situações de poder e opressão que envolvem a prática de alienação patriarcal, quando mulheres em situação de violência são revitimizadas pelo Estado atribuindo-lhes a realização de alienação parental, situação essa legitimada pelo esteriótipo (sic, o erro de ortografia do original)do significado de ser mãe” (CRPSP, 2019). Observa-se aqui um entendimento dos séculos anteriores, que atribuem o estereótipo de “mulher é sempre vítima”, sem considerar que mulheres também podem ser opressoras, obstruir o exercício de direitos, manipular e adulterar circunstâncias em benefício próprio!

Interessante notar que esse mesmo movimento feminista, que reivindica para si o privilégio (não o direito!) de benefícios em caso de vitimização psicológica, é o mesmo que exige a revogação da lei da alienação parental, que é um abuso psicológico (art. 3º da lei nº 12.318/2010) contra os próprios filhos, pois a lei exige comportamentos e atitudes que as obrigam a sair do comodismo de só ‘receber’ direitos e não ter responsabilidades! A lei da alienação parental veio, justamente, para exigir de ambos os genitores, independente de gênero ou orientação sexual, a maturidade e responsabilidade de fazer cumprir o direito da criança à convivência igualitária com ambos. Mas o movimento feminista radical distorce esse entendimento, reivindica o privilégio (não o direito) da pensão alimentícia mas não quer pensar no compartilhamento da guarda, que é uma responsabilidade. Que feminismo é esse?

Comportamentos radicais

E esse comportamento ambíguo, de exigir direitos (que, na verdade, mais se assemelham a privilégios) somente para si e negar aos outros, causa muita estranheza e confusão nos homens, que ficam sem saber como se comportar. No plano das relações a dois, socialmente o próprio homem não sabe mais se posicionar, pois fazer uma gentileza de pagar a conta para uma mulher num jantar, por exemplo, pode soar como desvalorização ao valor dela. No plano das relações familiares, quando existem filhos, a mulher exige que ele pague a pensão (em alguns casos, inclusive para ela, mesmo ela sendo economicamente ativa) mas não aceita o compartilhamento da guarda; quando ele tenta ampliar a convivência com os filhos, ela utiliza de manobras de alienação parental; se ele abandona os filhos, ela ‘corre atrás’ para exigir que ele visite os filhos… Como entender? Claro que não estou aqui generalizando comportamentos, pois existem pessoas com diversas características, mas essas situações são relatadas com frequência, tanto na sala de terapia, quanto no convívio social.

Construção da sororidade

É necessária uma atuação contínua e mais intensa, precisamos da sororidade para o empoderamento feminino, a união entre as mulheres nos trará a equidade para desconstruir os papéis que a sociedade machista nos impõe, cultura essa que se encontra enraizada na nossa sociedade, que é violenta contra as populações marginalizadas, na qual as mulheres estão contidas e são apresentadas como seres inferiores, ao ter seus passos éticos e sociais limitados. Essa é a base do autêntico feminismo: equiparação de direitos, não reivindicação unilateral de benefícios e privilégios.

Tem a ver com as mulheres perceberem que a esperança, a proatividade e a cooperação mútua podem transformar realidades de sofrimento, carência, dificuldades, injustiças e violências.

E assim, finalizo com com excerto de Adichie (2015):

[…] É importante que comecemos a planejar e sonhar com um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente (ADICHIE, 2015, p. 28).

E MAIS…

Conquistas femininas valiosas

Temos uma longa trajetória de conquistas de direitos sociais e políticos, e que ofereceram marcos legais na defesa dos direitos femininos, citando-se alguns (BORGES, 2019):

  • direito ao voto (1932);
  • o Estatuto da Mulher Casada (1962), que liberou a mulher para trabalhar sem a autorização do marido; elas também passariam a ter direito à herança e a chance de pedir a guarda dos filhos em casos de separação;
  • a Lei do Divórcio (1977);
  • a própria Constituição Federal (1988), que igualou a maioridade civil das mulheres com a dos homens, aos 18 anos (na CF anterior, de 1916, a maioridade civil dos homens era aos 18 e das mulheres só aos 21 anos!!!); a maioridade penal continuava igual para ambos; o Código Civil (2002) acompanhou a nivelação da maioridade civil para ambos, pois toda a legislação deve sempre seguir a Constituição;
  • a Lei Maria da Penha (2006);
  • a alteração do Código Penal para que atos libidinosos e atentados violentos ao pudor se configurassem como crimes de estupro (2009);
  • as novas diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos agentes de segurança pública e pelo SUS (2013);
  • a Lei do Feminicídio (2015), que torna hediondo o crime praticado em razão do gênero;
  • a Lei 13.718 (2018), que introduziu diversas modificações na seara dos crimes contra a dignidade sexual.
  • decisões do STF em relação à agenda LGBTQIA;
  • Lei 14.188, de 2021 também inclui no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher, a ser atribuído a quem causar dano emocional “que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”. O crime pode ocorrer por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro método. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos e multa (Fonte: Agência Senado, 2021)
Referências
ADICHIE, C.N. Sejamos todos feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
AGÊNCIA SENADO. Lei cria programa Sinal Vermelho e institui crime de violência psicológica contra mulher. Senado Federal, 29/07/2021. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/07/29/lei-cria-programa-sinal-vermelho-e-institui-crime-de-violencia-psicologica-contra-mulher>. Acesso em: 28 ago. 2021.
BORGES, D. Conquistas e avanços ainda necessários nos direitos das mulheres. Consultor Jurídico (ConJur), 08/03/2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mar-08/daniela-borges-avancos-ainda-necessarios-direitos-mulheres>. Acesso em 28 ago. 2021.
CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DE SP. Decisão administrativa, 2019.
IBGE Educa. Quantidade de homens e mulheres. IBGE, 2021. Disponível em: <https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18320-quantidade-de-homens-e-mulheres.html>. Acesso em 28 ago. 2021.