Como Coach e Mentora de Mulheres sou procurada, muitas vezes, para ajudá-las em seus relacionamentos. E uma das primeiras perguntas que faço é: “você está feliz”? Nunca recebi uma resposta totalmente afirmativa. E muitas costumam responder coisas como:

– Ah, meu marido é muito bom pra mim, ele só não quer que eu use o celular.

– Meu namorado é ótimo, mas só gosta que eu use cabelo curto.

– O meu marido é muito ciumento, não posso falar com ninguém na frente dele.

É preciso ficar atenta porque muitas vezes a violência contra mulher começa com pequenos gestos, como por exemplo, pedidos de prova de amor, tais como: “Se me ama me dá a senha do seu celular, se não eu termino com você”. “Você não vai sair de saia curta”. “Eu não quero você com esse cabelo, eu não gosto de cabelo vermelho”.

Esse tipo de comportamento é uma violência psicológica, muitas vezes sutilmente velada. 

O perigo é que ao se submeter a esse tipo de imposição, a pessoa cede ao domínio de seu parceiro ou sua parceira, e assim abre brechas para sofrer violências maiores. Não quero com isso, de forma nenhuma culpar a vítima. O objetivo é apenas alertar para que fiquem alertas e ao menor sinal de abuso, procurem ajuda.  

Realidade brasileira

Segundo dados da ONU, o Brasil é o país com maior índice de feminicídio. Dados divulgados pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos destacam que em 2020 os canais Disque 100 e Ligue 180 registraram 105.671 denúncias de violência contra a mulher, o que representa um registro a cada cinco minutos.  (dados divulgados em 07 de março de 2021).

Já não é de hoje que as leis de proteção à mulher vêm tendo grande destaque. São inúmeras as formas de violência, tanto física quanto psicológica, das quais as mulheres são vítimas. E as violências psicológicas são as mais perigosas, porque são difíceis de identificar e tem consequências sérias, tais como acontece nos relacionamentos abusivos.

Inúmeras formas de violência

A Violência contra mulher pode acontecer de cinco formas: violência física, violência sexual, violência moral, violência patrimonial e violência psicológica.

Violência física acontece quando a mulher é agredida fisicamente com socos, pontapés, beliscões, puxões de cabelo dentre outros. Violência sexual é qualquer conduta que constranja, que faça a mulher manter ou a participar de relação sexual não desejada. Violência moral é quando a mulher é vítima de maledicências, calúnia e difamações. Patrimonial é a violência que configura retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, ou seja, controlar dinheiro, esconder documentos, deixar de pagar pensão etc.

Neste artigo vou me restringir a tratar da violência psicológica por ser a mais difícil de ser detectada. Para entender mais cada tipo de violência leia a lei Lei 11.340 de 2006, a Lei Maria da Penha (https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496319/000925795.pdf).

O abuso psicológico

O relacionamento abusivo é identificado quando uma das partes exerce um controle sobre a outra a fim de obter benefício próprio, ou seja, uma das pessoas exerce excessivo poder sobre a outra. Num desejo de controlar o parceiro, ele começa esse controle de maneira sutil e aos poucos, conforme a reação da outra parte, ele pode ultrapassar os limites, causando muito sofrimento.

O difícil é que esse tipo de comportamento se apresenta das mais variadas e possíveis formas, e quando a vítima descobre e conta o problema para alguém, o agressor dificilmente aceita que isso está realmente ocorrendo e se recusa a receber a ajuda necessária para manter o relacionamento. E ainda, existem mulheres que têm medo de falar algo e romper com a pessoa, por insegurança, medo do outro reagir agressivamente ou de ficar sozinha.

Quando a mulher pensa em acabar com esse relacionamento abusivo, muitas vezes tem um sentimento de ameaça a terminar algo, que aparentemente, está bom ou que, ao menos, parece estar. O abusador manipula a relação de uma maneira que fica confuso para a vítima entender o abuso, pois o comportamento oscila entre a atenção desejada e imprimir a culpa na vítima quando o abuso acontece.

Algumas mulheres pensam que falar em sofrer abuso, seria real se envolvesse agressão física. Mas isso não é verdade, afinal, o psicológico, quando afetado, muitas vezes deixa consequências muito mais sérias do que qualquer outro tipo de abuso.

Como identificar o abuso

Muitos profissionais psicólogos, terapeutas ou coachs se deparam com relatos de seus pacientes que podem indicar o envolvimento em um relacionamento abusivo. E é importante fazer a vítima entender o que está passando. Alguns comportamentos caracterizam o abuso psicológico, tais como:  

  1. Ciúme excessivo

O parceiro que pratica do abuso (seja ele homem ou mulher), usa como desculpa o ciúme, começa a ser controlador e manipula as decisões da vítima, profere ofensas, invade a sua privacidade. Faz joguinhos emocionais, dizendo que tem ciúme por causa do seu jeito de vestir ou falar. Joga para a vítima a responsabilidade de seus atos abusivos.

  • Controle sobre tudo

A pessoa que controla a relação tende a usar desculpas como: eu te amo demais ou é para o seu bem e ainda é para sua segurança. É claro que quando você ama, você quer proteger o outro, mas isso num relacionamento abusivo começa a ser sinônimo de controle excessivo para aceitar onde a vítima vai ou que roupas deve vestir e até mesmo, o que pode ou não ter ou onde pode ou não trabalhar.

  • Invasão de privacidade

É de extrema importância que se mantenha a individualidade e privacidade num relacionamento. Quando o outro começa a roubar senhas, rastrear o celular, ler e-mails e mensagens do parceiro, isso é invasão de privacidade.

  • Depreciação

Quando o parceiro zomba do outro na frente de amigos e familiares, ri e faz gracinhas que são desconfortáveis e quer discutir questões pessoais em público, configura abuso psicológico. É uma maneira de manipular a vítima na tomada de decisões perante todos e mina a autoestima de forma proposital.

  • Justificativa por culpa

O parceiro justifica que fez uma ou outra coisa ruim, porque estava sob o efeito do uso de drogas ou álcool e isso é apenas uma desculpa para camuflar a violência psicológica que está fazendo com a vítima.

Tratar o relacionamento abusivo

Ter resiliência é lidar com as situações ruins, se adaptar e possuir a capacidade de superar, dar a volta por cima em momentos adversos, transformando as experiências negativas em aprendizados.

Oferecer ao paciente mecanismo para praticar a resiliência é um primeiro passo no tratamento. Pois ele precisa se fortalecer emocionalmente para conseguir identificar e sair de um relacionamento abusivo. Reestruturação da confiança e da autoestima também precisa ser trabalhada e essa é uma tarefa que requer paciência e cautela, já que a vítima tende a ter esses dois tópicos destruídos pelo dominador. Eliminar a culpa que a vítima carrega também é fundamental no processo de retomada da vida. As crenças limitantes elaboradas durante do relacionamento abusivo precisam ser quebradas e ressignificadas para que a vítima consiga reconstruir sua história em novos alicerces com o alerta e o cuidado de não repetir o mesmo padrão em uma nova relação.    

A ajuda profissional é fundamental nesse processo. Dificilmente uma vítima de abuso psicológico consegue lidar com isso sozinha.

E MAIS …

A lei prevê o dano emocional em seu artigo

A Lei de Violência Doméstica – Lei 11.340/2006 define violência psicológica como: “Qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”.