O machismo é uma constituição psíquica natural ou uma imposição social moldada pela moral, que coloca o sujeito do sexo masculino como um “macho alfa” detentor do poder de dominação na cadeira humana?  

É um tema amplo que pode ser abordado pelos aspectos biológicos, filosóficos, antropológicos, sociológicos, mas o que se propõe aqui é a abordagem psicanalítica.

Desde os tempos primórdios, destacam-se as questões relacionadas à sexualidade, seja em relação à diferença dos sexos (masculino e feminino), seja em relação às diversas questões da sexualidade, entre elas o machismo.

Fazendo um recorte da história da humanidade, para exemplificar a questão acima, dados históricos marcam as diferenças entre os sexos de uma forma clara: as mulheres que eram as que iam para as fogueiras, estavam sempre à serviço dos homens sexualmente, tinham sempre afazeres não remunerados, e os homens determinavam o seu destino. Principalmente nesta era, os que se elegeram como os representantes de Deus na terra, prevaleciam no poderio das igrejas. Este tempo parece tão distante, afinal estamos vivendo na era pós-moderna, com avanços tecnológicos, científicos, políticos e sociais. Mas, na verdade, só se mudaram os instrumentos de manejo, que ainda estão emoldurados pelas crenças e regras morais impostas por uma minoria de pessoas detentoras do poder, sendo, na maioria absoluta, composta pelo sexo masculino. 

Hoje, as mulheres não vão para fogueira, mas são mortas nas suas próprias casas pelo companheiro só pelo fato dela ser mulher. É a era do feminicídio.

Dois instintos

O que faz com que em pleno século XXI, ainda um homem se autoriza a violentar, espancar, abusar, agredir uma mulher? O machismo? É a sua condição biológica de macho que o torna mais violento? A agressividade é uma condição somente do sujeito masculino? A Psicanálise diz que não. Todos os seres humanos nascem biologicamente com dois instintos, de reprodução e agressividade, ambos em benefício de conservação da espécie humana. O que faz com que estes instintos se desnaturalizem e formem os seres instintuais em humanos é o longo período de dependência do infante de um adulto (cuidador), que transforma os instintos em pulsões, em desejo, em amor e em violência.

O menino, por medo de ser castrado pelo “macho alfa”, pelo detentor da autoridade, que pode usar saia e não calça, ou rosa ou azul, independe do sexo genital, mas daquele que coloca a lei, com medo de perder seu “pipi”, organizará sua sexualidade em suas várias nuances. A menina, por achar que teve um dia o “pipi” e perdeu, se organizará pela vontade de ter um (inveja do pênis). Estes conceitos freudianos definirão a organização da sexualidade humana, que pode ser mais integrada ou mais desorganizada, como o machismo.

Direcionamento libidinal

A questão do machismo, sendo ele masculino ou feminino, seria uma forma pelo qual o sujeito conseguiu se organizar ao passar pelas fases citadas. Não foi de uma forma natural. Houve excessos no direcionamento libidinal, preconizados por regras morais, religiosas, sociais que focalizam o menino como sendo o “macho”, marcando fortemente a diferença entre os sexos. Os valores de virilidade, força, poder são dados ao homem, a mulher é o sexo frágil.

Os homens são educados e autorizados a expressar sua agressividade, precisam ser durões, fortes, competitivos, dominadores. Os valores impostos pelo patriarcado vigoram até hoje. Ao mesmo tempo que dá privilégios, poderes, controle, pagam um altíssimo preço para manter este lugar a qualquer custo. Cria-se, então, a patologização do masculino, sendo um dos exemplos o machismo, que é uma patologia do psiquismo.

De acordo com a linha psicanalítica de pensamento, o machismo (masculinidade tóxica) apresenta formas defensivas que, no caso dos homens, usam contra uma identificação psíquica inconsciente feminina. É uma maneira de defesa contra a sua própria fragilidade, a sua incapacidade de lidar com o seu próprio sexo. Se conectam com origem alternativa da sexualidade e vai além dos aspectos socioculturais.

E MAIS…

A questão simbólica da castração

A Psicanálise criada por Sigmund Freud diz que, da constituição da sexualidade, não se dá pela anatomia biológica e nem é uma questão de gênero. É uma constituição psíquica que se dá pelo desenvolvimento psicossexual na primeira infância, especificamente em uma fase denominada fálica genital. Sentir-se masculino ou feminino independe dos genitais, mas de uma identidade sexual. Parte-se da ideia fantasmagórica que todos os seres humanos são possuidores de pênis, meninos e meninas. Por volta dos 4 anos a criança tem a sua primeira percepção de que tem pessoas que possuem pênis e outras não. Antes deste período, denominado de fálico, as crianças acreditam serem iguais.

A constituição do masculino e do feminino se baseia no objeto “pênis”, que adquire simbolicamente um valor fálico, isto porque, o pênis é o único órgão diferente do corpo humano. A questão simbólica não é o objeto, mas a diferença. Esta diferença mostra que tem pessoas que perderam uma parte do corpo, fantasiam que foram mutiladas, castradas por alguém mais poderoso que ela. Ou seja, é um objeto externo que direcionará a sexualidade infantil e marca intensamente a diferença entre os que têm (meninos) e os que não têm (meninas). A esta saga dramática infantil, Freud a denominou de Complexo de Édipo e Complexo de Castração, ficando, então, criada a diferenças dos sexos.