A adolescência parece ser a fase de vida mais invejada para qualquer pessoa! Venceu a infância, conhece o seu ambiente e tem toda a natureza a seu favor! Juventude parece ser sinônimo de alegria, beleza, descompromisso com o mundo adulto e liberdade estabelecida pela capacidade de ações independentes, ao menos, em relação às necessidades mais próximas! Contraditoriamente, a felicidade, nem sempre se inscreve na vida dos jovens. 

É com grande pesar que recebemos notícias de jovens que atentam contra a própria vida: não foram eles que fracassaram, fomos nós!  Ainda necessitando de um suporte firme, eles se enganam ousando passos maiores do que suas pernas podem alcançar ou soltando-se em voos sem volta, porque se perdem no ar. 

Amadurecimento esperado

Como estar perto do jovem solitário, na fase em que ele se refugia em si próprio, se arma de críticas contra tudo e busca se encontrar naqueles que são tão vulneráveis quanto eles ou, pior, mais comprometidos. Reconhecemos que faz parte da adolescência uma mudança física com instabilidade geral, que se traduz no estirão do corpo, se reflete na alternância da voz, nos comportamentos imprevisíveis, ditados pelo cérebro, o maestro na regência conexões neurais e eletroquímicas que ocorrem no silêncio do desenvolvimento. Do adolescente se espera um amadurecimento, que ele ainda não tem, embora pareça saber todas as respostas, quando assim quer.

Para enfrentar os desafios dessas mudanças, de nossas vivências, trazemos lembranças que parecem tornar insuportável admitir erros que tivemos ou até porque não tivemos. Vemos adultos dizendo que, nessa idade, trabalharam, assumiram responsabilidades, contentaram-se com pouco e transformaram a sobrevivência em sucesso, ao longo dos anos.  Parece simplesmente normal esperar que a crise da “aborrecência” passe e que desperte, naquele sujeito estranho, um indivíduo crescido e produtivo, que nos dê mais alegrias e menos problemas. 

Estatísticas alarmantes

Não é possível esperar, simplesmente! Diante desse cenário, o aumento do suicídio entre os jovens é um fenômeno mundial que, nos últimos anos, vem causando crescente preocupação também no Brasil.  Em 2003, a Organização Mundial da Saúde (OMS) instituiu o dia 10 de setembro para ser o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio e o amarelo foi a cor escolhida para representar este alerta de perigo. Apesar da iniciativa, o suicídio continua sendo uma das principais causas de morte em todo o mundo, de acordo com as últimas estimativas da OMS publicadas em relatório recente, de 17 de junho de 2021. Em 2019, mais de 700 mil pessoas morreram por suicídio, o que levou a OMS a produzir novas orientações para ajudar os países a melhorarem a prevenção do suicídio e o seu atendimento, complicados por uma fase atual nada promissora.

Depois de muitos meses convivendo com a pandemia de COVID-19, nossa atenção precisa se voltar à prevenção do suicídio, valorizando os fatores de risco, como o estresse financeiro, o isolamento social, a incompreensão das necessidades dos jovens, que são questões prioritárias na intensificação desses esforços.

Entre os jovens de 15 a 29 anos, o suicídio foi a quarta maior causa de morte depois de acidentes no trânsito, tuberculose e violência interpessoal. As taxas variam entre países, regiões e entre homens e mulheres. Mais homens morrem devido ao suicídio do que mulheres (12,6 por cada 100 mil homens em comparação com 5,4 por cada 100 mil mulheres).

Fase complexa

A adolescência é uma fase complexa e dinâmica do ponto de vista físico e emocional na vida do ser humano. As várias mudanças corporais, que ocorrem nesse período de formação de identidade, repercutem em características de ansiedade, tão presente em nossa cultura. Ansiedade é um estado emocional de apreensão, uma expectativa de que algo (ruim) vai acontecer, acompanhado de várias reações físicas e psicológicas desconfortáveis. A ansiedade surge como sofrimento que cruza a imaturidade como uma recente experiência, resultando em conflitos que podem evoluir em graves consequências de desajustes psicossociais, defasagem na escola, baixa autoestima, depressão, isolamento social, entre outras dificuldades. A adolescência é fase vulnerável porque representa um momento de risco, quando as expectativas superam as possibilidades de absorver informações que surgem ao toque dos dedos em tempos de tecnologia digital, num mundo indefinido, de incertezas e comportamentos inconsistentes, que confundem regras e valores.

Circunstâncias biopsicossociais

As funções do organismo variam ao longo das 24 horas ao longo do dia ou da noite. É um tempo interno, gerado por relógios biológicos, cujas alterações podem constituir tanto em ameaça como numa oportunidade, dependendo das circunstâncias biopsicossociais (Valle, L e Valle, E., 2021). O ciclo circadiano influencia a temperatura, a pressão sanguínea, a atenção, a aprendizagem, os comprometimentos no humor e até a depressão.  Então, respeitar o próprio ritmo e rever os hábitos diários, podem garantir melhor qualidade de sono, o que significa melhor qualidade de vida.

De tudo que já foi tentado, desperta-se esse novo campo de interferência com farto embasamento neurocientífico, possibilitado através de exames recentes, que trouxeram esclarecimentos sobre um período pouco explorado: o sono

A Síndrome do Atraso de Sono

Durante o sono, o cérebro é altamente ativo. É quando ocorrem encontros de elementos relevantes na história do indivíduo, que consolidam as experiências e favorecem a significação dos símbolos. Em pesquisa que investigou uma população de 126 jovens na faixa entre 10 a 17 anos de idade (VALLE, L; ALCÂNTARA e VALLE, E., 2021), verificou-se que mais da metade dos adolescentes investigados apresentou qualidade do sono ruim ou presença de distúrbios do sono (61,9%). Estatisticamente demonstrado, tem-se que a presença de estresse está associado à qualidade do sono ruim ou à presença de distúrbios do sono (p = 0,002). Praticamente todos os adolescentes com algum tipo de estresse apresentaram qualidade do sono ruim ou distúrbios do sono (p < 0,001).  As horas de sono perdidas, não são recuperadas e os períodos prolongados de sono posteriormente não irão compensar a noite mal dormida.  De fato, as reações de insatisfação e baixo rendimento na escola, mau humor e indisposição para tarefas, são características que identificam um sono mau dormido e, muitas vezes, se confundem como comportamento típico de adolescentes, com desinteresse pelos estudos, déficit de atenção e irritabilidade, apontados nas queixas escolares.

A Síndrome do Atraso de Sono resulta em sonolência diurna e consequentemente em comprometimentos nos aspectos psicológicos, cognitivos, fisiológicos e nas relações interpessoais. A relação entre sono, cognição e/ou comportamento tem sido estudada em adolescentes e escolares e a duração do sono é positivamente associada ao funcionamento executivo e função cognitiva de múltiplos domínios.

Distúrbio do sono e suicídio

Os adolescentes são vulneráveis a Distúrbios do Sono, principalmente, à Insônia, e apresentam moderada ou transitória privação ou insuficiência de sono, além de dificuldade no desempenho escolar, no comportamento e distúrbios de humor durante o horário diurno, como consequência do sono insuficiente.  O ciclo sono-vigília em adolescentes inclui ir para a cama mais tarde, porém eles precisam levantar mais cedo por causa dos horários de escola, apesar de apresentarem padrões de sono irregular, perda do sono e sono insuficiente, com sonolência durante o dia (VALLE, L; ALCÂNTARA e VALLE, E., 2021).

Em síntese, a Associação Brasileira do Sono (absono.com.br) tem conhecimento do ritmo de “Atraso no Sono” nos adolescentes e já solicitou, em manifesto, que as escolas adiem em uma hora e meia o horário inicial das aulas para que o adolescente possa se adaptar ao seu ritmo circadiano, sem o sofrimento que resulta do sono insatisfatório. Tal mudança traria benefícios ao jovem, permitindo vencer tendências ao estresse e depressão, que podem levar, por exemplo, ao suicídio.  O apoio político para que a mudança ocorra ainda não aconteceu, segundo o mesmo grupo citado, que promoveu recentemente um evento sobre o sono com a participação de mais de 21000 profissionais de Saúde e Educação e com o aval da própria ABS, que iniciou a Jornada Internacional do Sono com a apresentação de seu manifesto pela saúde dos jovens. A identificação e acompanhamento precoces precisam ser aplicados aos adolescentes. Um cuidado anterior à tentativa de suicídio é um dos fatores mais importantes para prevenir um trágico fechamento de uma vida jovem.  Ao final do ano, especialistas do Sono deverão se reunir novamente para insistir no tema e envolver escolas e responsáveis em Saúde e Educação. Prevenir é prioritário e interferências precisam ser feitas, de fato.

E MAIS…

Compreender e explorar o universo adolescente

Nesse novo tempo, é importante compreender e explorar o universo adolescente para que a linguagem usada para orientá-lo e ajudá-lo nessa fase seja realmente decodificada pelo jovem e traga significado. Pais, professores e profissionais que lidam com adolescentes podem aprimorar seus recursos sobre essa fase para contribuírem com a formação de:

  • Habilidades socioemocionais – é sempre difícil abrir um espaço na correria diária para perceber que aquelas situações que soam como “bobagem” para nós, é percebida com os sentimentos exacerbados dos adolescentes.  Bastaria um tempinho para ouvir, que o monstro que parecia devorador, pode desaparecer no ar, vazio e pequeno, quando o adolescente entende que não está sozinho.
  • Construção de competências: planejamento, organização, funções cognitivas de tomada de decisão – saber pensar, resolver, escolher… São competências que não nascem prontas e, de novo, precisa haver um espaço para que o adolescente não se sinta incapaz e sem solução.
  • Autoestima e motivação – em fase de formação de identidade e contatos digitais, parece que o mundo inteiro é feliz e só os erros e defeitos sobressaem aos olhos de quem está entrando na competição por um lugar ao sol. Que falta faz ser compreendido, para não ter que agradar alguém simplesmente para ser aceito, e não “morrer” na solidão. 

REFERÊNCIAS
VALLE, L.E.L.R e VALLE, E.L.R. SONO: O relógio biológico no ritmo da vida atual. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2021.
VALLE, L.E.L.R; ALCÂNTARA, C. e VALLE, E.L.R. Pesquisa sobre estresse, sono e aprendizagem em adolescentes. In: VALLE, L.E.L.R e VALLE, E.L.R. SONO: O relógio biológico no ritmo da vida atual. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2021.