Estudo publicado no Journal of Abnormal Psychology revela que adolescentes que passaram por um rompimento romântico são mais propensos a experimentar o início de uma grande depressão ainda nessa fase da vida. Alguns jovens podem ter muitas dificuldades nesse processo e, sem saber como lidar com a rejeição, se isolam e acreditam não serem dignos de afeto.

Amigável ou não, o fim de um relacionamento pode deixar a sensação de vazio e causar um sofrimento que se assemelha ao luto, afinal, houve a perda de alguém especial. Vivenciar as etapas desse momento é fundamental para lidar com o que aconteceu e, finalmente, seguir em frente. Isso, porém, nem sempre é fácil, já que as sensações de abandono, rejeição e perda são comuns.

Nesta entrevista, o tema é aprofundado pela psicóloga especialista em luto Cristiane Assumpção, fundadora e administradora da Inluto Academy, onde se dedica à educação continuada para psicólogas por meio da formação em intervenções psicológicas focadas no luto. Os casos mais frequentes no seu atendimento clínico são situações de luto por morte violenta e término de relacionamento. Pela Matrix Editora, ela lançou os cards ‘Luto do fim de relacionamento’, ‘Vida e luto’ e ‘Luto da criança’, que são ferramentas terapêuticas para diferentes abordagens.

Por que, geralmente, é difícil esquecer o primeiro amor da adolescência? Há pessoas que nunca esquecem. Tem a ver com o desenvolvimento cerebral? Explique.

A adolescência é um momento de grande mudança, desafio e incerteza. Passar pela experiência de um término é algo devastador. A maioria dos adolescentes não sabe o que fazer, como falar e como sentir. É estranho. Esquecer o primeiro amor é difícil, pois existem questões psicológicas e também relacionadas ao desenvolvimento cognitivo. O cérebro de um adolescente ainda não está formado: o córtex pré-frontal, que é responsável pelo controle das emoções e pelo planejamento de ações futuras, ainda está em desenvolvimento e pode ser menos eficiente do que em adultos; isso ocorre entre os 20, 25 anos. Claro que algumas áreas podem se desenvolver mais rapidamente do que outras, e o processo pode variar de pessoa para pessoa. Além disso, fatores como o ambiente social e a experiência de vida podem afetar o desenvolvimento do córtex pré-frontal. Por isso, é mais difícil de lidar: os adolescentes não têm o mesmo raciocínio de um adulto, são mais impulsivos, emotivos e agressivos. Para eles, o luto pode ser intenso, silencioso ou quase imperceptível. Quando não vivido adequadamente, se arrasta por toda uma vida.

Por que adolescentes que passaram por um rompimento romântico são mais propensos a experimentarem o início de uma grande depressão ainda nessa fase da vida?

Quando ocorre um término de relacionamento, é importante não confundirmos tristeza e depressão. É comum quem passou por isso mencionar que está meio “deprê” e/ou que, após o fim dessa relação, dizer que teve depressão. A verdade é que tristeza não é depressão. Na tristeza, uma perda afetiva recente está presente; na depressão, geralmente é ausente. Importante entender que o sofrimento enfrentado em um fim de relacionamento é semelhante à morte de alguém especial. O que esse adolescente vivencia é um luto, um luto não reconhecido. O luto não reconhecido é quando a sociedade ou o próprio enlutado não valida a expressão da dor. Ou seja, ele recebe apoio das pessoas quando perdem por morte um pai ou mãe, por exemplo. Mas no caso de sofrer por um término, escuta que vai ficar tudo bem, que isso é coisa de adolescente, que vai conhecer outras pessoas… Exigir esse tipo de reação é inadequado. Essa maneira de “tentar ajudar” faz com que o enlutado negue a necessidade de vivenciar seu luto. A consequência pode ser a evitação do sofrimento e, possivelmente, recorrer ao uso de álcool, outras drogas ou medicamentos na tentativa de encontrar alívio para sua dor. É necessário vivenciar o luto, um processo normal e esperado diante de uma situação de perda.

Vale ressaltar que muitas reações do luto são semelhantes às da depressão, como tristeza, alterações do sono e do apetite. Mas é possível reconhecer a diferença: a tristeza faz parte da vida, mas a pessoa consegue transformar esse sentimento. Já a depressão é paralisante, baixo-astral intenso e persistente. Nesse caso, é necessário um tratamento específico. Em uma consulta psicológica, um profissional especializado em luto consegue avaliar o que é tristeza e/ou depressão.

No caso da depressão, é fundamental uma avaliação médica (com um bom profissional), em que são observados alguns critérios diagnósticos obrigatórios, como sentimentos, sintomas físicos e pensamentos. E quando os sintomas da depressão não são tão intensos, não se recomenda medicamentos, o mais indicado é a psicoterapia. Em casos mais graves, os antidepressivos são imprescindíveis, o que envolve consulta com um psiquiatra. Profissionais especializados em luto têm um olhar mais cuidadoso para as questões de perda.

Quais as consequências de não saber lidar com a rejeição?

A falta de habilidade em lidar com os nãos gera impactos em várias áreas da vida. O pior cenário eu diria que é a ideação e tentativa de suicídio. Para entendermos o funcionamento desse adolescente, precisamos entender a história de vida dele, como se sente. O psicólogo britânico John Bowlby, autor da teoria do apego, descreve que todos nós, do berço ao túmulo, precisamos de uma base segura. As pessoas inicialmente formam os estilos de apego com base nas interações que têm quando crianças com seus pais ou outros responsáveis. Se uma criança recebe consistentemente apoio e atenção de um cuidador, é provável que ela desenvolva um estilo de apego seguro. Adolescentes com esse estilo de apego geralmente lidam melhor com o rompimento amoroso.

Ao passar por um término, aqueles com um estilo de apego seguro podem continuar a ter autoconfiança e interações positivas com outras pessoas. Eles podem permanecer abertos para se conectar com outras pessoas e construir novos relacionamentos. Os adolescentes com o estilo de apego inseguro sofrerão mais ao viver uma perda. Dentro do estilo de apego inseguro, temos outras categorias, como o ansioso, que expressa insegurança e baixa autoestima. Ele questiona o que fez de errado e o que fazer a seguir, sentindo a necessidade de ser perfeito para ter um relacionamento. Pode precisar de permissão/validação para parar de enlutar-se.

Já o evitativo mostra desconfiança e maior autoconfiança, é mais retraído, cauteloso sobre suas emoções e hesitante em compartilhar com os outros. Pode precisar de permissão/validação para enlutar-se. E o desorganizado é imprevisível. Parece seguro e confiante, mas pode ficar ansioso inesperadamente com os outros. Pode precisar de ambos, enlutar-se ou parar de vivenciar o luto.

A minha prática clínica com adolescentes sinaliza que eles precisam de apoio dos seus pais ou responsáveis. Precisam serem ouvidos, validados e amados. O sentimento de rejeição é além do namorado(a) que terminou, se sentem rejeitados pelos pais. Isso é arrebatador em tudo que desejam fazer e/ou realizar. Sentem-se sozinhos, com dificuldade de compartilhar sobre suas alegrias e tristezas. Sobre conhecer o próprio corpo, que não é errado ou pecado, sobre carregarem o sofrimento de uma mãe traída ou um pai que não consegue proporcionar uma vida financeira adequada pela falta de emprego, a falta de espaço para falar das dúvidas sobre a sexualidade.

Os sofrimentos são diversos. A rejeição faz parte da vida. Humanamente é impossível estarmos bem o tempo todo. Os sins e nãos da vida são necessários, não deveriam ser encarados apenas de forma negativa. Um recado aos pais: seus filhos precisam de vocês, precisam sentir e ouvir que são amados. Parem de criticar; acolham, cuidem. Cuidar não é dizer sim para tudo ou compensar a sua ausência com dinheiro ou bens materiais.

Como é possível para o jovem lidar com o luto do fim desse relacionamento?

Vamos começar falando sobre o que não deve ser feito? Em um fim de relacionamento, as pessoas cometem alguns erros, como engatar um novo relacionamento, tentar voltar por carência, fingir que está tudo bem, monitorar as redes sociais do(a) ex ou não buscar ajuda psicológica. Para lidar com o luto do fim de relacionamento, é necessário reconhecer que se está passando por um luto; aceitar essa realidade – que a pessoa disse não quero mais – é um primeiro passo. Isso não ocorre do dia para a noite, leva tempo. E sobre o tempo: não esperar o tempo passar para as coisas melhorarem. O que vai amenizar o sofrimento é o que você faz com esse tempo que está passando. Então, não tenha vergonha de expressar os seus sentimentos, você vai ficar triste, chorar, ficar com raiva… Qualquer evitação ou não reconhecimento pode gerar sintomas físicos, emocionais e cognitivos – e mais sofrimento. Então chore o quanto quiser, as lágrimas contêm substâncias químicas que aliviam o estresse. Depois, será necessário ajustar a vida sem a presença do(a) ex. O adolescente não receberá mais mensagens e ligações, e os passeios de finais de semana deixarão de existir. Será necessário cuidar da autoestima, pois vários serão os questionamentos, do tipo “nunca mais serei amada(o) como fulano(a) me amou, nunca mais encontrarei alguém como ele(a)”.

Cada pessoa reage de uma forma. As mais sensíveis, que choram como uma válvula de escape, não devem segurar seus sentimentos, pois chorar faz bem. Mas o mundo não acabou e não é o fim da vida. Coma algo de que você goste, se distraia, tente ficar perto de pessoas queridas para não se sentir só. Cuide de você, se abrace, se acolha, assista a um filme com uma manta macia e com uma bebida quente.

Pessoas que são mais “frias”, que conseguem passar ilesas por um rompimento, ficam pensando em quem perdeu mais, que a outra pessoa a usou. Não fique gastando o seu tempo com isso. Os(as) amigos(as) podem ajudar nessa hora; chame-os(as) para fazer algo. Existem pessoas que se culpam naturalmente, ficam se julgando e se punindo. Acreditam que erraram mais uma vez. Entenda que relacionamento é uma via de mão dupla. Para dar certo, é preciso que ambos se dediquem. Sugiro que foque nos seus projetos, em atividade física e, principalmente, procure um(a) amigo(a) para desabafar. É importante compartilhar tudo que estava carregando. Respeite seu tempo sozinho(a) e reflita sobre o que aconteceu.

Pessoas que se sentem péssimas por serem trocadas ou traídas acreditam que não foram boas o bastante. Sua mente as leva a pensarem em tudo que poderiam ter feito, principalmente por serem muito dedicadas à perfeição e competitivas. Entenda que não temos o controle de todas as coisas. Busque atividade física, dança, luta, vá ao shopping, vá ao salão. Lembre-se das suas qualidades e pense que não foi você que perdeu. Não gaste seu tempo com redes sociais, foque em você, em se tornar uma pessoa melhor. Saia da fossa! Pense no que de fato você busca em um relacionamento. E se perceber que, mesmo colocando em prática as sugestões acima, está difícil lidar com o sofrimento e sentir que a vida perdeu o sentido, busque ajuda profissional.

De que maneira é possível abordar o assunto com os adolescentes e como ajudá-los a refletirem sobre as feridas emocionais e a recuperar a autoestima?

Para ajudar os adolescentes, é necessário validar a realidade da situação. Fingir que nada está acontecendo não é a solução. Tampouco esperar que eles peçam ajuda. Por isso, pergunte. Converse com eles, explique o que vem percebendo. Os pais podem dizer, por exemplo, que estão observando uma mudança de comportamento: “Você está mais isolado, não sai do quarto, não sai mais com seus amigos, nos preocupamos com você”. E perguntar como se sentem e como podem ajudar. Também podem encaminhar algum material informativo sobre o assunto.

Por sua vez, os professores podem conversar com os jovens de forma reservada, sinalizando que vêm observando certa agressividade, queda no rendimento escolar. Também perguntar como se sentem, se gostariam de falar e indicar materiais informativos. Aos amigos e outros familiares, a mesma coisa. Sempre ter tempo para essa conversa, não adianta perguntar e, quando o adolescente tentar falar, a pessoa não prestar atenção, ficar ao telefone, interromper e/ou não validar: “Quando eu era adolescente, também passei isso”. Não é sobre você. Quando for ter essa conversa, tenha tempo de qualidade.

E existem recursos que podem ajudar ainda mais, como o meu livro-caixinha (cards) ‘Luto do fim de relacionamento’, que tem como objetivo ajudar a pessoa a refletir sobre as feridas emocionais e ajudar a reconstruir a vida amorosa. Alguns exemplos das perguntas que estão no material: a sua família apoiava esse relacionamento, como era o seu envolvimento com a família dele(a), quem decidiu terminar o relacionamento, o que você lembra dessa conversa, como reagiu, do que sente raiva e vergonha, você já foi vítima ou já praticou ghosting (estar com alguém e desaparecer de repente), ou já passou pelo quiet quitting? Também tenho um e-book sobre ‘Término de relacionamento’ e um grupo de desafio que se chama ‘Liberte-se do ex’.