Desenvolvida a partir dos anos 1970 pelo psicólogo norte-americano Steven Hayes e colaboradores, a terapia de aceitação e compromisso (ACT, pronunciada como uma palavra única, do inglês acceptance and commitment therapy) leva esse nome por causa de suas propostas centrais: aceitação da realidade e das reações emocionais e comportamentais, escolha de uma direção de acordo com os valores do indivíduo e comprometimento com a mudança desejada.

Parte do grupo das terapias contextuais, a abordagem vem mostrando importante eficácia no tratamento de diferentes transtornos, entre eles, depressivos, psicóticos, alimentares e de ansiedade, assim como nas dores crônicas e no abuso de substâncias.

Com caráter inovador e base teórica sólida, a ACT tem características específicas que a diferenciam da terapia cognitivo-comportamental (TCC) convencional. A TCC é embasada no cognitivismo e defende que a origem do sofrimento e da queixa psicológica está nos esquemas cognitivos, portanto o processo interventivo é direcionado à melhora desses aspectos.

Por sua vez, a terapia de aceitação e compromisso é embasada no behaviorismo radical ou contextualismo funcional e defende que todo comportamento, apesar de poder gerar sofrimento, é resultado de um processo de seleção – nos âmbitos filogenético, ontogenético e cultural – e, portanto, é adaptativo e funcional para aquele que se comporta.

Sua ligação com os princípios fundamentais do comportamento levou à criação de um modelo singular e de base empírica do funcionamento humano que compreende seis processos terapêuticos inter-relacionados a fim de promover flexibilidade psicológica: aceitação, contato com o momento presente, self como contexto, valores, desfusão cognitiva e ação comprometida.

Livro

Nesta entrevista, o tema é abordado pela psicóloga e pedagoga Rogéria Bastos. Ela é doutoranda em ciências do comportamento pela Universidade de Brasília (UnB); mestra em psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB); especialista em ACT pelo Centro Brasileiro de Ciência Comportamental Contextual (CECONTE) e em psicopedagogia pelo Centro Universitário IESB. Tem formação em ACT pela Atitude e atualização em ACT pela Escola de Educação Permanente (EEP) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP); formação em análise comportamental clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento (IBAC) e em mindfulness funcional pela Escola de Mindfulness Funcional (EMF).

Com experiência na área de psicologia com ênfase em ACT, análise do comportamento aplicada à clínica e em análise experimental do comportamento, Rogéria atua na clínica, compõe equipe especializada de apoio à aprendizagem da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), além de ser professora no curso de pós-graduação do CECONTE. Ela também é autora do livro ‘Vivi e seus valores: a ACT na prática de crianças e adolescentes’, publicado pela Sinopsys Editora. Para uso nos contextos clínico, escolar e familiar com o público infantojuvenil, a obra tem o objetivo de psicoeducar sobre a importância de se buscar os próprios valores em direção a uma vida mais amorosa, solidária e de autocuidado.

Como surgiu a ideia do livro ‘Vivi e seus valores: a ACT na prática de crianças e adolescentes’?

A criação deste livro surgiu em função da escassez de publicações abordando o tema ‘valores’ para o público infantojuvenil de uma maneira mais didática, menos técnica. Após anos trabalhando com esse público, pude verificar o quanto se comportar em função de agradar, de obter atenção e de ser aceito pelo outro é uma prática recorrente e verificada com frequência a partir dos 8 anos. Esse outro muitas vezes é o colega que apresenta perfil de liderança, um professor que ainda não pôde ver suas habilidades ou falta dessas e até mesmo os pais, por medo da repreensão ou impossibilidade de diálogo.

Muitas vezes, ser excluído ou ignorado por pessoas que lhe são importantes pode favorecer a desqualificação dos próprios sentimentos, pensamentos, crenças e tudo aquilo que é considerado importante e que remete aos seus valores. Diante dessa realidade, as pessoas podem caminhar na direção oposta daquilo que acreditam. Esse comportamento mostra muito mais de uma esquiva das possíveis consequências da não aceitação do que realmente um desejo de se estar na direção dos seus valores.

Assim, de maneira didática, psicoeducativa e com uma linguagem acessível, esta obra mostra a personagem Vivi em contato com os seus valores e sua abertura para caminhar nessa direção após aceitar que não podemos mudar tudo e que, assim como as outras pessoas, nós podemos e temos os nossos próprios valores. Trata-se de um livro que contribui não só ao trabalho dos profissionais da psicologia infantojuvenil, mas também às famílias e às comunidades escolares. Inclusive algumas escolas já o utilizam para falar com os alunos sobre caminhos a serem seguidos na vida e a importância de se caminhar nessa direção.

Qual foi o maior desafio para produzir esta obra?

O desafio foi justamente deixar a obra numa linguagem acessível, mais didática, para a compreensão de todos os públicos, pois se trata de um livro não só voltado para os psicólogos, mas também para crianças, adolescentes, adultos, pais/cuidadores e professores.

Explique as formas de uso do livro e como adaptá-lo a diferentes situações?

Em sala de aula, é possível fazer a leitura com os alunos, imprimindo a atividade disponível para download e ajudando esses estudantes a identificarem os seus valores pessoais e fazerem uma reflexão a respeito. O profissional da psicologia pode usar a literatura não só com o público infantojuvenil, mas também com pacientes adultos, porque, na prática clínica, dentro de cada contexto, a leitura promove reflexão em torno de diferentes questões. Então é possível trabalhar, além dos valores, o bullying, a quebra de paradigmas, o fazer diferente, o acreditar em si, as desfusões cognitivas e a aceitação, por exemplo.

Em casa, os pais/cuidadores podem ler o livro para seus filhos e dialogar sobre o que é importante para eles, o quanto é relevante caminhar numa direção daquilo que eles acreditam. Inclusive ajuda os responsáveis a darem um norte para as crianças e os adolescentes, a darem voz a eles, porque cada um tem o seu valor. O valor é algo que escolhemos livremente. Sendo assim, lendo a história de Vivi aos filhos, os adultos terão a oportunidade de discutirem a respeito disso com eles. De que cada um tem o seu valor, que os pais podem ter valores diferentes dos filhos e que está tudo bem. Essas são algumas das possibilidades de utilização do livro.

O que Vivi nos ensina sobre a importância de encontrar nossos valores?

Encontrar nossos valores significa, dentre tantos outros aspectos, tornar a vida mais apetitiva. É termos a capacidade de dizer não para aquilo que vai contra o que acreditamos. A história da Vivi proporciona caminhar nessa direção e saber o quanto é valoroso, o quanto a vida pode ser mais leve, quando você caminha dentro daquilo que acredita. Isso não é ferir os valores dos outros, mas saber que às vezes as opiniões divergem e que se posicionar, mostrando o que é valoroso para você, pode fazer a diferença. Dentre vários fatores, penso que Vivi mostra isso de uma forma bem clara.

Como identificar que alguém está afastado de seus valores?

Na prática clínica a partir da ACT, uma das primeiras coisas eu particularmente faço, mas não é uma regra, é a identificação dos valores do paciente já nas primeiras sessões. Penso que um dos grandes aspectos é esse: você identificar de início os valores para poder dar um norte, mostrar para a pessoa se ela está caminhando nessa direção, se o que está fazendo vai aproximá-la daquilo que acredita ou não, se vai distanciá-la do que espera para a vida dela e que, às vezes, ir na contramão é sinônimo de muitos fatores adoecedores.

O que é ACT?

Algumas pessoas perguntam se a ACT é uma abordagem e se faz parte da TCC (terapia cognitivo-comportamental). As duas têm modos diferentes de se trabalhar. A ACT é uma abordagem e tem como objetivo a flexibilidade psicológica. É o que se busca na prática clínica. Então tem os processos envolvendo o momento presente, os valores, ação comprometida, o selfie como contexto, a desfusão psicológica e a aceitação. Ela trabalha todos esses processos em busca de uma vida mais saudável, mais apetitiva, mais significativa, mais valorosa e que vale a pena ser vivida.