Desenvolvida a partir dos anos 1970 pelo psicólogo norte-americano Steven Hayes e colaboradores, a terapia de aceitação e compromisso (ACT, pronunciada como uma palavra única, do inglês acceptance and commitment therapy) leva esse nome por causa de suas propostas centrais: aceitação da realidade e das reações emocionais e comportamentais, escolha de uma direção de acordo com os valores do indivíduo e comprometimento com a mudança desejada.

Por pertencer ao grupo de terapias cognitivo-comportamentais (TCCs) de terceira geração ou terapias contextuais, a ACT coloca um peso maior em aspectos como aceitação, consciência plena, desativação cognitiva, dialética, valores, espiritualidade e relações.

Nesta entrevista, a psicóloga Karen Vogel aprofunda o assunto. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ela é mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e cursou mindful self compassion e mindfulness e performance na Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos.

É especialista em terapia comportamental e professora das disciplinas de mindfulness, terapia de aceitação e compromisso, compaixão e autocompaixão. Atende adultos, adolescentes e casais visando apoiá-los na busca por uma vida com mais significado, propósito e manejo emocional.

Karen também é autora dos livros ‘Quando aprendi a me amar’, sobre autocompaixão e aceitação; ‘Vigiando pensamentos’, sobre atenção plena ou mindfulness; ‘Fada Helena boazinha’, sobre assertividade; e ‘Trabalhando valores: por uma vida de significado e propósito’, sobre valores e propósito.

Quais os conceitos principais da terapia de aceitação e compromisso?

Eu gosto muito da ACT por duas questões-chaves que ela traz, que é a aceitação e o conceito de valores. Eu acho que Steven Hayes e colaboradores foram maravilhosos no desenvolvimento dessas duas compreensões teóricas. O que a gente chama de aceitação neste modelo nada mais é do que não brigar com os eventos privados, que é tudo aquilo que acontece dentro da nossa pele, ou seja, nossas emoções, nossos pensamentos, nossas sensações físicas e nossas memórias. A aceitação quer dizer estar aberto e não fugir, não se esquivar, de todas essas experiências internas, as quais, em geral, outras abordagens terapêuticas tentam combater, diminuir. Já os valores são aqueles constructos teóricos daquilo que faz a vida ter significado. Exemplos de valores são honestidade, ética, contribuição, assertividade, autodesenvolvimento. Quando a gente trabalha na ACT, acredita que a pessoa que está, de alguma forma, tentando combater esses eventos privados, está mais em modo esquiva, tentando não sentir, não pensar e não ter desconforto, deixando de ir em busca daquilo que tem valor para ela. A aceitação é um dos efeitos colaterais mais buscados na ACT, ou seja, deixar que esses eventos internos venham enquanto se caminha ao que é importante. O que faz a ACT ser muito especial é a compreensão de aceitação e os valores. Mas há outros processos, como mindfulness (atenção plena), self como contexto, desfusão e desesperança criativa.

A ACT se configura como uma abordagem ou deve ser utilizada de forma complementar à TCC?

A ACT é considerada uma abordagem. Está dentro das terapias contextuais. Há uma série de evidências empíricas, científicas, baseando a eficácia desse modelo. O meu próprio trabalho de mestrado na USP, por exemplo, foi sobre aceitação, com resultados maravilhosos de tratamento de pacientes com fobias de espaços fechados. Ela pode ser utilizada complementarmente à TCC, mas elas têm epistemologias diferentes. Na ACT, se trabalha com os eventos privados de uma forma; e a TCC trabalha de uma forma diferente. Eu vejo as pessoas usando um pouco de cada uma das abordagens, mas se pensarmos epistemologicamente, elas diferem uma da outra.

Qual o diferencial da ACT para as outras teorias cognitivas e não cognitivas?

O que a difere dos outros modelos são os processos de aceitação e valores. E o que a difere das abordagens cognitivas é a forma como se maneja o pensamento. Os modelos cognitivos manejam de uma forma. Na ACT, a gente maneja por meio do mindfulness, que é a observação dos pensamentos, tomar consciência dos pensamentos enquanto eles estão vindo, e também através da desfusão, que é a gente tentar descolar um pouco do conteúdo do pensamento.

Como funciona o processo de aceitação na ACT?

É um dos processos mais chaves da abordagem. O livro ‘Aprendendo ACT – Manual de habilidades da terapia de aceitação e compromisso para terapeutas’, dos autores Jason B. Luoma, Steven C. Hayes e Robyn D. Walser (traduzido para a língua portuguesa pela Sinopsys Editora), ensina de uma forma muito bem descrita a respeito. No processo de aceitação, a gente vai aproximar o indivíduo das experiências internas dele, dos seus eventos privados, ou seja, dessas emoções, desses pensamentos, dessas sensações físicas e dessas memórias que são desagradáveis. E quanto mais ele se aproximar, mais aprenderá a lidar de uma outra forma que não fugir, que não evitar. A grande maioria das pessoas nem deixa esses eventos chegarem; se esquiva antes. Nós somos superevitadores de eventos privados, porque não queremos sofrer. Então o processo de aceitação envolve aproximar sucessivamente o indivíduo da vivência desses eventos privados dos quais ele tanto foge. E quando ele para de fugir e sente os eventos, aí sim pode ir em busca do que é importante para ele, porque não está gastando tempo e energia se esquivando.

E o que fazer quando o paciente apresenta rigidez e resistência ao processo de aceitação?

A rigidez e a resistência ao processo de aceitação vão existir em quase 100% dos casos, porque as pessoas não querem sentir desconforto, não querem sentir emoções desagradáveis e sensações físicas incômodas. Então a maioria vai tentar fugir e resistir ao processo. O cliente chega no consultório querendo resolver o problema dele, ele não quer sentir desconforto, ele não quer entrar em contato com os eventos privados. Por isso que o trabalho deve ser feito sucessivamente, aos poucos, mostrando ao indivíduo o quanto é importante para ele entrar em contato com esses eventos privados e aprender a manejá-los.

O que é o modelo hexaflex proposto pela ACT? Como é aplicado?

O hexaflex é uma forma lúdica que os autores da ACT desenvolveram para representar graficamente todos os componentes trabalhados na terapia de aceitação e compromisso. Trata-se de uma forma geométrica em que são representados todos os processos: aceitação, desfusão, momento presente (mindfulness), self como contexto, valores e ações com compromisso. É como se fosse uma imagem para representar todos os processos da ACT numa figura. A forma como é aplicado depende da demanda do cliente, do que ele traz. Tem sessões que ele vai trazer mais questões relacionadas com pensamentos. Tem sessões que ele vai trazer mais emoções.

O que é o treinamento da flexibilidade psicológica e como é aplicado? Quais processos estão relacionados?

A flexibilidade psicológica é o grande objetivo da ACT, ou seja, uma pessoa mais aberta, que lida de forma mais flexível com os eventos privados, com mais aceitação, sem fugir e se esquivar. Quanto mais a gente trabalha, mais a gente vê os clientes flexíveis, abertos aos eventos privados em sua experiência, deixando a ansiedade vir e ir, sem tanto medo e briga. Isso é flexibilidade. E os processos usados para alcançar a flexibilidade psicológica são principalmente aceitação, que trabalha com essa abertura para esses eventos privados; a desfusão, que trabalha com o conteúdo de pensamentos; mindfulness, que observa todos esses conteúdos acontecendo; o self como contexto, que trabalha com o conceito que o indivíduo tem de si mesmo; os valores e as ações. Todos esses processos estão relacionados com a flexibilidade psicológica, que, de uma forma resumida, é tentar tirar a pessoa do modo esquiva, fazer com que ela esteja mais aberta para esses eventos irem e virem e ela poder ir em busca daquilo que é importante para ela.

Como a ACT entende os processos psicopatológicos?

Ela entende como esquivas. Todo processo psicopatológico, segundo os autores da ACT, envolve muita esquiva dos eventos privados. A gente se esquiva e foge das nossas emoções (ansiedade, tristeza, raiva, medo, culpa, vergonha); dos pensamentos, principalmente aqueles que geram sofrimento; de sensações físicas, tudo que incomoda no nosso corpo, as dores, as sensações físicas incômodas; e a gente se esquiva também das nossas memórias, principalmente das que não são tão boas. Dentro desse modelo, se entende que quanto mais psicopatológico é um caso menos a pessoa está conseguindo manejar, aceitar e lidar com esses eventos privados. Ou seja, mais ela está tentando fugir deles, se esquivar, evitá-los. E isso torna a pessoa cada vez mais restrita, mais fechada, cada vez menos aberta para a vida. E aí ela vai restringindo o repertório dela, vai deixando de fazer coisas importantes na vida dela, para não sentir o desconforto desses eventos privados.

A ACT se mostra mais efetiva para quais demandas clínicas ou psicopatológicas?

Em termos de quantidade, as evidências mostram eficácia nas questões que envolvem ansiedade e dor crônica. Mas existe uma série de estudos também sobre depressão, drogadição e outras demandas clínicas em que a ACT tem eficácia. Eu trabalho a ACT com demanda clínica, com psicopatologia, e vejo muito efeito.

Assim como as demais abordagens da TCC, a ACT também possui o objetivo final de tornar o paciente seu próprio terapeuta?

Dentro do modelo da ACT, nosso grande objetivo é contribuir para que a pessoa aprenda a manejar os seus próprios eventos privados sem precisar de um terapeuta. Mas o paciente precisa passar por essa experiência, aprender a manejar esses eventos privados, que, muitas vezes, são desafiadores: é uma ansiedade alta, são pensamentos bastante catastróficos, por exemplo. E os pacientes não vêm com essa instrumentalização do mundo. Eles aprendem na terapia, levando para a vida deles. É esse o objetivo.