Mindfulness ou atenção plena é a prática de estar no aqui e agora de maneira consciente. É focar o olhar para a situação e como ela se desenrola, seja como algo que traz relaxamento e felicidade, seja para tolerar o desconforto do momento. O principal é estar em uma postura de curiosidade e abertura à experiência, permitindo-se aceitar os sentimentos e as sensações do momento sejam quais forem.

Sua origem remonta a uma tradição budista que começou 500 anos antes de Cristo, mas foi o médico norte-americano Jon Kabat-Zinn que passou a estudar e utilizar mindfulness como um método terapêutico a partir do final da década de 1970. Embora relacionada a práticas de meditação, atenção plena é um estado da mente, e as práticas meditativas são apenas algumas das ferramentas que podem ajudar a entendê-la e alcançá-la.

Existem várias maneiras de praticar mindfulness, inclusive saborear um alimento utilizando os sentidos, como paladar, olfato e tato. Entre os inúmeros benefícios atribuídos à prática, estão a melhoria da cognição, a diminuição das distrações do cérebro, a redução do estresse e dos sintomas de ansiedade e depressão.

Pioneirismo

Nesta entrevista, o tema é abordado pelo psicólogo Vitor Friary, pioneiro no trabalho da terapia cognitiva baseada em mindfulness (MBCT, do inglês mindfulness based cognitive therapy) no Brasil. Fundador do Centro de Mindfulness e Clínica de Redução de Estresse, no Rio de Janeiro, ele é formado em psicologia pela Middlesex University e tem mestrado em terapia cognitiva e mindfulness pela London Metropolitan University, ambas na Inglaterra.

Vitor também é professor qualificado em terapia cognitiva baseada em mindfulness pela University of California San Diego (EUA), treinador oficial em MBCT registrado pelo Access MBCT, treinador em terapia de aceitação e compromisso (ACT, do inglês acceptance and commitment therapy) e professor certificado de meditação e ioga (Yoga Forest Academy, Áustria). É membro da Association for Contextual Behavioral Science (ACBS) e do Comitê de Docentes da Associação de Terapias Cognitivas do Rio de Janeiro (ATC-RJ).

Entre suas publicações, estão o livro ‘Mindfulness para crianças: estratégias de terapia cognitiva baseada em mindfulness’ e, em coautoria com o psicólogo norte-americano Christopher Willard, o ‘Baralho de mindfulness e compaixão: dinâmicas para o dia a dia de toda a família’, ambas da Sinopsys Editora.

O que o levou a enveredar pelos caminhos da psicologia e de mindfulness?

A meditação surgiu na minha vida quando eu tinha 17 anos e morava em Portugal. Havia uma academia perto da minha casa onde eu fazia capoeira e que tinha aula de ioga também. Resolvi fazer ioga e meditação após a capoeira porque gostava dos mantras, de ficar cantando. E aí surgiu um interesse muito grande pelas práticas do oriente, como a meditação. Depois de dois anos, fui morar na Inglaterra e me formei professor de ioga. Comecei a dar aulas de ioga e meditação em Londres para crianças, adolescentes e adultos. Também passei a ter um interesse grande pela psicologia e, quanto estava no curso, sempre foi um desejo meu unir a psicologia ocidental, ou seja, o meu interesse pelo estudo do comportamento humano, com as práticas contemplativas do oriente. Em 2002, quando eu estava no primeiro ano de faculdade de psicologia na Inglaterra, a prática do mindfulness como uma abordagem terapêutica estava começando a emergir no Reino Unido. E eu embarquei naquela onda. Achei maravilhosa a oportunidade de poder estudar a meditação como um instrumento de transformação e de saúde para a vida das pessoas. Como psicólogo já formado, passei a estudar mais a fundo os programas de mindfulness e levei isso adiante, para o meu mestrado, fazendo um trabalho voltado à prática de atenção plena no contexto da psicologia hospitalar. Em, 2012, quando voltei ao Brasil para ficar mais próximo da minha família, fundei o Centro de Mindfulness.

Como se pode definir mindfulness?

Primeiramente, é preciso distinguir meditação e mindfulness. Mindfulness é prestar atenção. É diminuir nossa velocidade para que a gente possa prestar atenção ao que está acontecendo no presente momento, onde estamos, as sensações que estamos tendo, as pessoas que estão à nossa volta, os nossos sentimentos. Perceber o que estamos sentindo, por onde estamos indo, onde estamos pisando, os instantes de prazer das nossas vidas, que a gente deixa muito de lado. De certa maneira, nossa vida é tão atribulada e tão ocupada com afazeres que deixamos de perceber o presente momento. Então mindfulness é um conjunto de técnicas, de estratégias, de formas de viver, atitudes que nós trazemos para a vida, para podermos estar mais conscientes dessas experiências que vão nos ocorrendo no momento a momento. Mindfulness pode estar presente na meditação, como a gente vê no budismo, nas práticas religiosas, como também pode estar presente na vida de uma pessoa. Todas as pessoas já têm mindfulness, é algo que existe dentro de cada um, porque, em algum momento do dia, você vai parar para prestar atenção no que está acontecendo no presente instante. É uma capacidade humana, não é algo que vem de fora, que vem da meditação, é um processo, uma capacidade humana que nós podemos aperfeiçoar. Então, acima de tudo, é uma capacidade humana de reconhecer o que está acontecendo aqui e agora.

Como mindfulness pode ajudar na psicoterapia?

A prática da atenção plena, uma tradução do termo mindfulness, já ocorre dentro da psicoterapia. O trabalho do psicoterapeuta é prestar atenção ao que está acontecendo agora, em cada momento, no paciente. É interessante porque, quando o psicoterapeuta está fazendo um trabalho com seu cliente, ele não está em nenhum outro lugar. Ele está ali, com aquela pessoa, ouvindo atentamente, observando atentamente o comportamento desse cliente, o que surge em termos de sensações, o que surge em termos de sentimentos. Nesse sentido, o psicoterapeuta é cheio de mindfulness. Mas a prática de mindfulness também é conhecida por um número de estratégias que ajudam o paciente na psicoterapia – seja criança, seja jovem ou adulto – a identificar os momentos em que fica muito preso dentro de estados cognitivos e padrões de pensamento que não o ajudam. Por exemplo, paciente com depressão tem uma tendência a estar ruminativo sobre o que pensa de si mesmo: eu não tenho valor, eu sou inútil, nada dá certo. Mindfulness ajuda esse paciente a se dar conta de que esses pensamentos negativos estão surgindo dentro da mente dele. E a partir do momento em que ele começa a se dar conta desse fluxo de pensamentos negativos ou catastróficos, ele começa a se separar mais deles. Pelo menos vai ser esse o papel do terapeuta: ajudar o paciente a se desgrudar mais desses pensamentos e emoções. Não que essas experiências vão desaparecer, mas o indivíduo vai começar a se relacionar com essas sensações, esses sentimentos e o sofrimento mais como um observador. Isso pode ajudá-lo muito a ser mais móvel para reconhecer e fazer mudanças de vida significativas das quais necessita.

É possível trabalhar mindfulness de forma on-line?

Com certeza. Quando pensamos nessa estratégia de mindfulness, estamos falando de três pilares. Primeiro pilar: ajudar crianças, jovens e adultos a aumentarem a capacidade atencional, ou seja, a monitorar melhor aquilo que está acontecendo no presente momento, treinar foco e concentração. E é possível fazer isso a distância. Tem um exercício clássico de mindfulness em que os participantes devem prestar atenção em uva-passa como se fosse a primeira vez que estivessem olhando para ela, para que notem sua forma e cor primeiramente, utilizando o sentido da visão. Depois, utilizando tato e olfato. Uma das instruções é que a pessoa reconheça quando não está sentindo o cheiro da uva-passa, porque sua mente dispersou, para trazer de volta sua atenção. Um outro conjunto de técnicas e estratégias de mindfulness trabalha com empatia, com o processo de inteligência emocional. Engloba não só identificar emoções, sentimentos e sensações, mas também aprender a lidar com eles. E um terceiro pilar de técnicas tem a ver com conexão, para que a pessoa aprenda a se perceber como parte de um mundo no qual não vive sozinha, está interconectada. Por exemplo: eu preciso daquela pessoa que trabalha na lavoura, que produz os alimentos; eu preciso do caminhoneiro que vai trazer os alimentos; do dono do supermercado, que investiu dinheiro para abrir aquele comércio; e das pessoas que trabalham nesse supermercado. São práticas que aumentam a empatia e a compaixão. Penso que o trabalho de mindfulness inclusive na educação é incrível e pode ser feito on-line. Tenho desenvolvido vários trabalhos com jovens e crianças a distância, por meio de plataformas como Zoom e WhatsApp.

Cite outra técnica de mindfulness usada com frequência e seus benefícios.

Outra técnica muito interessante é a do ouvir com consciência. A pessoa para por cinco minutos para ouvir todos os sons que estão surgindo no presente momento e presta atenção neles, sem fazer mais nada. Sem ficar planejando sua vida, sem pensar nos problemas que tem em casa, no trabalho, na escola. Apenas escutando os sons por cinco minutos, como se tivesse superorelhas. E toda vez que sua mente se distrai, a pessoa deve voltar a ouvir os sons, que a chamam para o presente. Essa prática vai nos levando a parar tudo o que estávamos fazendo, vai diminuindo a nossa velocidade e vamos entrando em sintonia com processos atencionais, ou seja, prestar atenção no agora. Os benefícios são ótimos: melhora nosso sono, nossa capacidade de concentração e foco, nos dá chance de termos mais sensações prazerosas no dia a dia, pode ajudar a reduzir sintomas de depressão e ansiedade, porque nos permite desgrudar dos pensamentos que alimentam sentimentos desagradáveis.