O suicídio é um grave problema de saúde pública, com impactos na sociedade como um todo. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida anualmente, sendo a quarta maior causa de morte de jovens de 15 a 29 anos de idade. No Brasil, os registros se aproximam a 14 mil casos anuais, ou seja, em média, 38 pessoas por dia.
Trata-se de um fenômeno complexo e multicausal, de impacto individual e coletivo, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, sexos, culturas, classes sociais e idades. Relaciona-se etiologicamente com uma gama de fatores, que vão desde os de natureza sociológica, econômica, política, cultural, passando pelos psicológicos e psicopatológicos, até biológicos.
Apesar da complexidade de sua determinação, o suicídio pode ser prevenido com intervenções individuais e coletivas de diagnóstico, atenção, tratamento e prevenção a transtornos mentais, ações de conscientização, promoção de apoio socioemocional, limitação de acesso a meios, entre outras.
Nesta entrevista, o tema é abordado pelo psiquiatra Rodolfo Furlan Damiano.
Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e doutorando em psiquiatria pelo programa especial tripartite da USP, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul. (UFRGS), ele também é um dos editores do livro ‘Compreendendo o suicídio’, publicado pela editora Manole, e editor júnior da Revista Brasileira de Psiquiatria.
Por que o suicídio, um grave problema de saúde pública, ainda é um tema tabu, sobre o qual as pessoas evitam falar, até mesmo nos meios de comunicação?
Por três motivos, em minha opinião. Primeiro por ignorância. Fugimos dos assuntos que não conhecemos. Segundo por estar vinculado com questões morais e religiosas muito fortes, o que dificulta o debate e a conversa equilibrada e racional sobre o tema. E nesse sentido, fugimos dos assuntos que tememos. E por último, por estar vinculado a uma ideia cultural de fraqueza, doença mental e falência das instâncias que o suicida está inserido, e é difícil para nós questionarmos nossas próprias crenças e ações.
Quais as consequências desse silêncio que ainda impera em torno do assunto?
A consequência é que, no Brasil, diferentemente da tendência mundial, o suicídio tende a crescer ano a ano. O estigma, a cultura machista da negação da fraqueza (que é inerente aos seres humanos) e a política de polarização dos temas complexos tendem a afastar o debate e, consequentemente, afastar as pessoas que sofrem do entendimento e do tratamento adequado.
Quais são as principais causas que levam as pessoas a tirarem a própria vida?
Podemos falar de causas estruturais, da constituição e proximais. As estruturais são várias: culturais, econômicas, políticas e familiares. Aqui saliento questões de abuso e negligência na infância. As da constituição envolvem questões genéticas e da personalidade do sujeito, destacando-se a impulsividade. E as proximais são os comportamentos abusivos (uso de álcool e drogas) e o transtornos mentais (principalmente aqui a depressão, mas não apenas ela). Apesar de forte ligação, não podemos fazer uma associação única entre depressão e suicídio. Muitos indivíduos se suicidam sem ter um quadro depressivo, mas por outras causas elencadas acima.
Quais são os principais sinais de alerta da proximidade de um suicídio?
Vários. Rupturas socioeconômicas (como estamos vivendo), perda de coesão social, desesperança, verbalização. Mas quero salientar outro ponto: aumento dos padrões de comportamentos de risco e abusivos (aumento de álcool, uso de medicamentos sedativos, aumento de drogas, direção perigosa, deixar de usar medicamentos de uso contínuo, entre outros comportamentos de risco).
Quais as principais formas de prevenção do suicídio?
Para prevenir o suicídio de forma efetiva, precisamos de uma organização público-privada. Estudos mais recentes apontam para poucas ações realmente eficazes: treinamento e capacitação de profissionais de saúde geral em reconhecer e tratar transtornos mentais, educação em escolas para reconhecimento precoce de transtornos mentais, aumento de acesso para uma saúde mental de qualidade e restrição de meios letais.
Qual o papel da psiquiatria e da psicologia nesse contexto?
Estudar os fatores mais importantes, orientar a população e as famílias, tratar e acolher as pessoas em sofrimento.
E qual o papel da família, dos amigos e outras pessoas próximas para a prevenção do suicídio?
Essencial. Reconhecendo os sinais sutis de adoecimento mental. O médico ou o terapeuta não tem recursos para ver os sinais mais sutis, mas a família tem devido ao contato mais próximo com o paciente. Além disso, cuidando. O cuidado é o fator mais importante a meu ver.
O que já é feito e o que ainda precisa melhorar em termos de políticas públicas para a prevenção do suicídio?
Há muito foco no setembro amarelo e pouco foco no que realmente importa, em políticas realmente efetivas. Hoje em dia, vemos uma diminuição dos profissionais capacitados, redução do acesso, flexibilização de meios para o suicídio, agravamento da discriminação de minorias e redução de políticas afirmativas. Tudo isso é um desmonte à prevenção do suicídio no Brasil.
E quais as consequências do suicídio para os que ficam (os chamados sobreviventes).
Os sobreviventes sofrem, pois, sentem-se culpados por quem morreu. O suicida se vai, mas as consequências são eternas.
Que tipo de suporte essas pessoas precisam para se reestruturarem psicologicamente após a morte de um ente querido que se suicidou (posvenção)?
Cuidado psicológico e/ou psiquiátrico contínuo, com monitoramento de adoecimento. Mais uma vez o cuidado.