Vez por outra nos deparamos com algum famoso que decide discorrer publicamente sobre um relacionamento abusivo que já vivera: humilhações, traições e outras formas de agressão. Suas confissões repercutem principalmente porque, infelizmente, muitas pessoas se identificam.

É fácil perceber como determinados relacionamentos funcionam exatamente assim: pessoas que tentam apossar-se da vida do outro controlando seus desejos e caminhos. Indivíduos que amputam os outros emocionalmente através do medo, da culpa, da depreciação. Homens – e  também mulheres -, que fazem o cônjuge acreditar que não tem valor. Essas pessoas são especialistas em fazer criticas aviltantes minando a autoestima do outro, levando-o a crer que, sem aquele relacionamento, jamais será novamente alguém. A aniquilação do parceiro é a única maneira desses indivíduos funcionarem numa relação.

Enredo de longametragem

Podemos ver a dinâmica de uma relação abusiva claramente num interessante filme da década de 1990 chamado Boxing Helena (Encaixotando Helena). A história é uma incrível metáfora sobre uma relação de dependência emocional e tentativa de controle da vida do outro. Um dia após resgatar Helena de um acidente e levá-la a sua casa, o médico Nick amputa suas duas pernas. Depois, a fim de sentir-se mais seguro, amputa seus braços tornando-a completamente dependente dele. Helena é amputada fisicamente e psicologicamente, transformado-se num objeto de adoração e decoração, objeto esse ao qual Nick se atem quando lhe é conveniente. Provando assim que não havia amor envolvido, e sim uma enorme ferida narcísica que foi “tratada” da forma mais disfuncional possível.

Lua de Fel, também um filme clássico dos anos 1990, tem um outro excelente exemplo de relacionamento abusivo. O drama de Roman Polanski é sobre um casal em lua de mel num cruzeiro que faz amizade com um senhor paralítico, Oscar, e sua insinuante esposa, Mimi. A história trata das relações passadas e daquelas que se estabelecem a partir desse encontro. Mimi era uma garota frágil, emocionalmente dependente, que preferiu suportar desde ser humilhada até humilhar, porque não era capaz de lidar com o fim da relação. Oscar era um ser imaturo e eternamente insatisfeito. Como todo típico imaturo, narcisismo e egoísmo imperam. Mas foi ele também vítima de uma mulher que simplesmente não aceitou o fim do relacionamento e fez de tudo para mantê-lo: primeiro seduziu, depois implorou e enfim transformou todo aquele amor em vingança – provando que o ódio não é o oposto do amor e sim o próprio amor adoecido. Eis um bom exemplo de um relacionamento doente.

Relação patológica

O que fazer para sair de uma relação antes que ela se torne patológica? Primeiramente entender o padrão de subjugação e dependência que, provavelmente, foi estabelecido por relacionamentos psicologicamente disfuncionais vivenciados precocemente.

O segundo passo é ajudar esse paciente a resgatar sua autoestima e autoconfiança, que devem ter sido bem prejudicados na relação, distorcendo assim sua capacidade de percepção realista dos fatos presentes e ocasionando desesperança quanto ao futuro.

Por fim, ajudar esse paciente a suportar escolhas diferentes que, inicialmente, poderão gerar angústia e/ou desinteresse, mas que serão o caminho da libertação e do crescimento emocional.

São passos importantes a serem dados e desafiadores para quem imergiu em uma relação abusiva. Afinal muitos sentimentos e sensações precisam ser desconstruídas, como a culpa, o arrependimento e tantas outras dores emocionais trazidos pelo paciente que sofreu em um relacionamento abusivo.

É um trabalho minucioso, pois pode envolver até mesmo falsas memórias e dificultar a trajetória do tratamento. Mas a ajuda terapêuticas, na maioria desses casos, é essencial na reconstrução do EU da pessoa abusada.

É importante destacar que o relacionamento abusivo não se restringe apenas ao campo afetivo. Apesar de ser mais comum em casais, ele pode acontecer na esfera profissional ou familiar também.

E MAIS….

Dependência é sinal de controle

Reconhecer um tipo abusador narcisista não tão óbvio quanto o que comete agressões físicas. Estas últimas, em geral, são mais aparentes e menos toleradas. Os abusadores são especialistas em inverter a situação. Se a vítima o acusa de algo, ele provavelmente vai minimizar o que fez e trazer à tona todas falhas do outro como modo de “justificar” as ações do abuso psicológico. Isso é uma das estratégias contra a vítima descredibilizando seu discurso. 

Afinal, a manipulação acontece muito por meio da culpa: facilmente apontarão falhas, com mais dificuldade reconhecerão e enaltecerão as virtudes – podem também fazem isso para manter a vítima sob seu poder. Mas nunca o farão com tanta ênfase como as que dão aos erros que o abusador afirma serem cometidos pela vítima. 

Serão muito críticos, não só com as falhas que atribuem às vítimas, mas com tudo que incomodar: pode ser o corpo da vítima, suas roupas, suas amigas, o cabelo e até o jeito que o outro arruma a mesa para o jantar. As possibilidades são infinitas. 

O abusador tem extremo incômodo com a espontaneidade da vítima. Se sentem muito ameaçados por ela. Por isso tentarão tirar isso de todos os modos possíveis da pessoa usando, em geral, um discurso de que o comportamento da vítima foi inadequado, que pessoas devem ou não devem agir desse ou daquele modo, podem ou não podem falar isso ou aquilo e etc. 

Mas tendem a ser muito generosos. Isso mesmo! Pois é dessa forma que enaltecem a si mesmos e tornam a vítima cada vez mais dependente de tudo que ele pode oferecer.

Dependência pra ele é sinal de controle. Tudo que ele precisa pra manter a posição de poder na relação.