A terapia metacognitiva (TMC) é uma abordagem ainda pouco usada no Brasil que faz parte do rol das terapias cognitivo-comportamentais de terceira onda. Desenvolvida a partir dos anos 1990 pelo psicólogo britânico Adrian Wells, parte do princípio de que a interpretação sobre processos cognitivos está na base da gênese e na manutenção de transtornos psicológicos. Fenômenos como a preocupação, a ruminação, as obsessões, o preenchimento de lacunas, entre outros, são interpretados pelos indivíduos de modo a produzirem mais sintomas psicopatológicos.
O objetivo da TMC é primeiro descobrir o que os pacientes acreditam sobre os próprios pensamentos e sobre como acreditam que a própria mente funciona (as chamadas crenças metacognitivas). Em seguida, mostrar a eles como essas crenças levam a pensamentos ineficazes e autossabotativos que prolongam ou pioram os sintomas de forma não intencional. Então, o terapeuta trabalha formas alternativas de responder aos pensamentos a fim de permitir uma redução dos sintomas.
Nesta entrevista, o assunto é aprofundado pelo psicólogo Heitor Hirata.
Com licenciatura plena em psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele tem formação em terapia cognitivo-comportamental (TCC) e título de especialista em psicologia clínica credenciado no Conselho Federal de Psicologia (CFP). Especialista em terapias comportamentais contextuais pelo Centro de Estudos da Família e do Indivíduo (CEFI), também é doutor e mestre em psicologia pela UFRJ.
Atua como psicólogo clínico e ministra aulas em cursos de formação e pós-graduação em TCC em diversos estados brasileiros. É o primeiro autor da adaptação de terapia metacognitiva para crianças e, entre outras publicações, escreveu o livro ‘Preocupanda & Marrumina: entendendo a preocupação e a ruminação na criança’, publicado pela Sinopsys Editora.
Quando teve início o movimento da terapia metacognitiva?
Iniciou-se nos anos 1990. A primeira publicação de Adrian Wells sobre algo que tinha a ver com terapia metacognitiva foi naquele ano: um artigo sobre uso do treino de atenção, que é uma das técnicas da TMC, para paciente com transtorno de pânico. Mas a abordagem foi consolidada em 1994, quando Wells e seu colaborador Gerald Matthews publicaram o livro chamado ‘Attention and emotion: a clinical perspective (atenção e emoção: uma perspectiva clínica)’, em que eles delinearam todo o modelo teórico que iria embasar a TMC mais para a frente. Esse modelo foi refinado ao longo dos anos até culminar na publicação do que é considerada a “Bíblia da TMC”, de 2008, que é o livro ‘Metacognitive therapy for anxiety and depression (terapia metacognitiva para ansiedade e depressão)’, o qual tem uma tradução para o espanhol.
Quais as necessidades que a TMC veio suprir?
A TMC tem uma diferença em relação à terapia cognitiva tradicional: ela trabalha mais com os processos cognitivos e menos com o conteúdo do pensamento. Então trabalha-se com crenças sobre a preocupação, sobre a ruminação, sobre os pensamentos obsessivos, sobre preenchimento de lacunas ou crenças sobre o pensamento em si. Na TMC, por exemplo, não se busca a reestruturação de pensamento, a mudança do conteúdo do pensamento, mas, sim, das crenças positivas ou negativas que o indivíduo tem sobre o processo cognitivo. Por exemplo, uma crença positiva sobre preocupação: a preocupação me ajuda a resolver problemas. Muitas vezes sim, mas muitas vezes não. Às vezes, o indivíduo tem consolidada uma crença metacognitiva da qual ele sequer se dá conta e lança mão de uma série de estratégias de coping (enfrentamento) disfuncionais regido pela ativação dessa crença. Segundo conceitos da TMC, essa crença metacognitiva é ativada, o indivíduo tem o pensamento-gatilho, volta a atenção para esse pensamento-gatilho e entra naquilo que Wells chama de síndrome cognitiva atencional, em que os processos perseverativos de preocupação, ruminação e pensamentos obsessivos entram numa espiral que terão consequências emocionais. A pessoa vai ficar mais triste, mais ansiosa, vai ficar com raiva e assim por diante. Então a lacuna que a TMC preenche é um foco maior na maneira como a gente se relaciona com as cognições e também no papel das crenças sobre os processos cognitivos na psicopatologia humana.
Para o tratamento de quais transtornos a terapia metacognitiva tem demonstrado eficácia?
Conforme metanálise, a TMC é eficaz principalmente para depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), transtorno de ansiedade generalizada (TAG) e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Não há estudos brasileiros, mas, no meu doutorado, fiz uma intervenção baseada em terapia de aceitação e compromisso (ACT) e terapia metacognitiva para pacientes com sintomas depressivos, hipertensão arterial e diabetes. E foi uma intervenção bem-sucedida para essa população, que inclusive era muito humilde. Foi um desafio traduzir alguns dos conceitos da TMC para aquelas pessoas.
Como funciona a TMC na prática?
Trabalha-se em duas frentes: reestruturação de crenças metacognitivas e mudança de foco de atenção. E trabalha-se também com aquilo que Wells chama detached mindfulness, que tem diferença do mindfulness tradicional. Envolve a não responsividade, o não embarque em alguns processos cognitivos que chegam à mente. Em outras palavras, segundo ele, o detached mindfulness é a antítese da síndrome cognitiva atencional, ou seja, não deixar a atenção capturar o pensamento-gatilho e tomar a forma de um pensamento perseverativo. A TMC trabalha com técnicas da terapia cognitiva tradicional adaptadas para o seu contexto, como, por exemplo, o questionamento socrático focado na metacognição. Por exemplo, faz-se análise de vantagens e desvantagens de ficar ruminando muito ou ficar se preocupando muito conscientemente. Usa-se os experimentos comportamentais focados na metacognição.
Fale mais sobre o treino atencional da terapia metacognitiva.
Trata-se do principal treino da TMC. É feito em sessão, mas requer uma repetição do paciente ao longo da semana, como uma tarefa terapêutica. Eu uso muito o treino atencional com música. Todo mundo já deve ter tido a experiência de ouvir uma música e conseguir diferenciar os diferentes instrumentos. Mas a proposta original de Wells é de treino de atenção com sons no ambiente. Na gravação original do treino atencional, há vários sons simultâneos, como sino de igreja, pássaros, insetos, trânsito e água corrente. As instruções são: prestar a atenção em um som, depois em outro, mais outro, depois fazer uma mudança rápida e então fazer uma expansão. A ideia é treinar a atenção para esses estímulos externos para que o indivíduo possa internamente fazer a mesma coisa. Às vezes, não temos a compreensão do todo e a habilidade de notar que determinado som que se ouve vai levar para um lado que não queremos ir. Com esse treino, a ideia é gerenciar a atenção de maneira que a gente não vá para aquele lado que não quer ir e consiga mudar o foco.