Estudo publicado pela revista multidisciplinar Ciência Latina revela que, quanto antes os atletas tratarem a saúde mental, maior é a chance de desenvolverem habilidades cognitivas e se tornarem melhores desportistas, com mais habilidades, e como esse processo acontece.

O trabalho foi desenvolvido pelo especialista em performance desportiva Lincoln Nunes para sua formação em psicanálise pela Logos University International (UniLogos).

Segundo ele, há uma equação entre causa e consequência de atitudes dos jogadores, dentro e fora das suas áreas de atuação com a seguinte fórmula: I + M + E = R. Ou seja, indivíduo, meio, esporte e a resposta.

Se o atleta sabe lidar com o estímulo de forma positiva, consequentemente, a resposta será positiva. “A chave está na questão de lidar com um estímulo numa brecha de segundos. Tudo isso pode ser aprendido e armazenado por meio das sessões de aprendizagem mental/comportamental e logo faz parte da rotina de treinos do atleta”, afirma.

Evolução

A pesquisa compara a evolução de performance no contexto do futebol a partir da análise de atletas que convivem com alto nível de pressão diária e, consequentemente, irregularidades no quesito desempenho. E a conclusão é que a possibilidade da conexão multidisciplinar entre diversas áreas e pesquisas científicas auxiliam na manutenção e no aumento do rendimento esportivo com base em um mental fortificado.

Em outras palavras, o atleta que está bem preparado técnica e fisiologicamente pode realizar feitos que antes eram considerados inviáveis, mas aquele que está em congruência emocional, fisiológica e, acima de tudo, mental mantém os feitos e pode superá-los. Ou seja, aprimora constantemente o gerenciamento das suas emoções, aumenta sua força pautado na busca e concretização de resultados acima da média.

Bacharel em filosofia, pesquisador do esporte, especialista em performance desportiva, Lincoln deu início aos estudos sobre desempenho em 2010. Criador do Método Atleta de Elite, já atendeu atletas olímpicos, como Guilherme Costa, estrelas do futebol europeu e nacional, como Philippe Coutinho, Emerson Royal, Artur Victor e Pedro Rocha, e lutadores do UFC, como Pedro Munhoz e Edson Barboza.

Por que se tornou bacharel em filosofia, psicanalista, pesquisador do esporte e especialista em performance desportiva?

A filosofia sempre foi base dos meus estudos. Era preciso entender a relação do ser humano com a vida. Depois, a consequência foi estudar a relação da mente com o ser humano. A filosofia, numa comparação, é o estudo da relação do externo com o interno. Já a psicanálise, o interno com externo. São ciências que se complementam. Sobre as pesquisas do esporte, antes de serem pesquisas no âmbito da publicação científica, eu já era (e ainda sou) um rato sobre estudos sobre como fator x ou y na performance. Além disso, já aplicava isso nas competições amadoras de que eu participava. Então, quando me graduei, a minha teoria de conclusão já puxava ao olhar do esporte. A partir daí, com a evolução da carreira e o sucesso da aplicação das técnicas, mais e mais pesquisas surgiram.

Fale mais sobre a relação da filosofia e da psicanálise com o esporte.

A filosofia estuda profundamente quem é o ser humano na sua essência, o ser humano na sua mais profunda identidade. E não relacionado ao quanto ele ganha por mês, aos títulos, aos prêmios, mas àquilo que ele é na sua mais profunda essência. A partir de conceitos de Platão, Sócrates e vários outros filósofos, a filosofia consegue extrair o melhor do atleta, é onde ele vai entender uma base de caráter, o que ele realmente é, valores, virtudes, princípios. O atleta que hoje está mais conectado com princípios, valores e virtudes enraizados, que possui um caráter forte, que entende da base filosófica, ele naturalmente não se abala com facilidade. Porque sabe muito bem quem ele é e pra onde vai. E a psicanálise é um complemento da filosofia. Os estudos sobre ego, id, superego, toda essa base de Freud para olhar para dentro do ser humano, assim como a filosofia, traz resultados externos. Quando se consegue unificar pontos específicos de cada área, se consegue entregar ao atleta uma base muito mais sólida para superar adversidades do dia a dia relacionadas a uma rotina de alto nível. Por isso, busquei na psicanálise e na filosofia um complemento para aquilo em que já atuo no meu dia a dia com atletas de alto nível.

O que é o Método Atleta de Elite e como surgiu a ideia de criá-lo?

O Método Atleta de Elite é o trabalho da minha vida. Em resumo, é a aplicação em conjunto de várias ciências que, comprovadamente, têm um efeito positivo na performance dos atletas, como psicologia esportiva, fisiologia, psicanálise e neurociência. Cada uma tem sua parte no processo com os atletas. E sobre quando surgiu: numa competição amadora de jiu-jítsu, notava que os atletas que tinham mais facilidade de cair no jogo mental dos adversários perdiam mais. Foi a chave que fez eu me apaixonar pelo tema.

Quais são os bloqueios mentais que impedem que um atleta alcance seu potencial máximo?

Existem bloqueios internos e externos sobre os quais se poderia ficar horas falando, mas vou resumir. Um deles é a perda de propósito profundo, que afeta atletas que são megavitoriosos, mas chegaram num ponto tão alto que não sabem o que fazer. Eles perdem o propósito muitas vezes quando têm foco no dinheiro, conquistam aquilo que desejam e percebem que o dinheiro não é o que traria felicidade a eles. Depois que conquistam a casa, o dinheiro, status, fama, glória, seguidores, independentemente do que seja, eles automaticamente se perdem no meio do caminho e não conseguem ter mais um propósito profundo que faça eles passarem por todas as adversidades. Acabam se tornando atletas apáticos e sem alma. Então é preciso resgatar esse propósito dentro deles. Também entre os principais bloqueios mentais estão, por exemplo, crenças de merecimento, crenças de identidade, crenças de capacidade. Além disso, autossabotagem. São fatores que impedem atletas de chegarem no patamar que eles realmente podem e merecem. Existem, ainda, relacionamentos tóxicos entre família e/ou namoradas, por exemplo, que podem fazer com que os atletas não consigam chegar no seu potencial máximo. Outro bloqueio é o atleta que está em viés de alta e sofre uma lesão e põe na cabeça que ele nunca será o mesmo. É um bloqueio de crença pessoal. E há os atletas que têm potencial, mas não conseguem traduzir isso na competição, o problema de mentalidade de crescimento.

Quais as principais consequências na vida pessoal e profissional do atleta que não trabalha seu lado mental?

A princípio, um atleta pode ir muito bem sem o lado mental, mas o auge dele vai durar um, dois anos ou até meses. Infelizmente, acontece muito. Mas aquele que tem um mental preparado para a exigência máxima do esporte, fora e dentro da competição, ele vai longe. É só olhar a carreira de Michael Phelps e Cristiano Ronaldo. Eles podem ter quedas no caminho, mas aprendem a se levantar e superar muito mais rápido que os outros no pessoal e profissional, além de se manterem no topo por muito mais tempo, é claro.

E quais são os principais benefícios obtidos a partir do momento em que o atleta alinha desempenho físico com o trabalho mental?

Ah, isso é notório. Quando o atleta alinha mente e corpo, as consequências são um desempenho que, talvez, ele nunca tenha sonhado em ter. Por exemplo, Emerson Royal, do Tottenham e seleção. O cara é um craque, mas ainda não era titular na Inglaterra. Depois de um tempo, passou a ser titular. E o mais legal foi receber os elogios da comissão dizendo que ele havia melhorado; notaram uma diferença.

De que formas pode ser trabalhada a saúde mental dos atletas e quais as habilidades cognitivas que eles precisam desenvolver?

Num mundo ideal, o atleta precisa ter o staff mental: treinador mental, psicanalista… Tudo. Assim ele terá um atendimento globalizado. Dessa forma, ele poderá trabalhar a capacidade de reação dentro do cenário competitivo, melhorar a porcentagem de escolhas difíceis certas sob pressão, além de trabalhar o processo de visualização diariamente, uma ativação pré-competitiva.