Desde o início da prática clínica, não era incomum para o psicólogo Fernando Elias José ouvir relatos de pacientes se descrevendo como impostores ou fraudes ao conquistarem objetivos, principalmente em relação ao trabalho, acreditando não serem merecedores das próprias vitórias. Assim como relatos de pessoas temendo serem “descobertas como impostoras” em provas escritas ou orais. Como ele já vinha lendo sobre o assunto, sua curiosidade foi ainda mais aguçada com o passar do tempo e o levou a se aprofundar nos estudos sobre o fenômeno do impostor, conhecido popularmente como a síndrome do impostor.

Tanto que, em breve, vai lançar pela editora RICard’s um livro em forma de caixinha com 100 cards com frases relacionadas ao tema. Direcionada a adolescentes e adultos, a ferramenta poderá ser utilizada em diferentes contextos, seja com a família, com amigos, no meio acadêmico ou na terapia, auxiliando nas relações interpessoais e nos processos psicoterapêuticos.

Nascido em Porto Alegre, capital gaúcha, Fernando atua na área clínica na mesma cidade e tem mais de 28 anos de experiência profissional. Mestre em psicologia clínica e especialista em diagnóstico psicológico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), também atua como consultor organizacional, palestrante, escritor e professor de pós-graduação no campo da terapia cognitivo-comportamental (TCC). É membro da Associação Brasileira de Orientação Profissional (ABOP), terapeuta certificado pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC) e presidente da Associação de Terapias Cognitivas do Rio Grande do Sul (ATC-RS), gestão 2019-2022.

Como idealizador do ciclo de palestras ‘Encontro com o concurseiro’, em parceria com a Saraiva, ministrou palestras mensais voltadas a estudantes em preparação para provas, vestibulares e concursos públicos no período de 2009 a 2019. E entre os livros de sua autoria, estão ‘Concursos – Faça sem medo – Entenda, domine e supere os desafios’ (Artes e Ofícios, 2011), ‘Concursos: faça sem medo – Guia cognitivo-comportamental para a aprovação em concursos’ (Sinopsys Editora, 2019) e ‘Planner do estudante – Agenda cognitivo-comportamental para o sucesso em provas’ (Sinopsys Editora, 2019). Em coautoria com o advogado, professor e palestrante motivacional Marcelo Hugo da Rocha, escreveu também a obra ‘Você + feliz: como conquistar o autoconhecimento cognitivo, emocional e comportamental’ (Sinopsys Editora, 2021).

Entre as ferramentas que Fernando já desenvolveu para uso nos contextos familiar e terapêutico, constam os cards ‘Mais vida real, menos redes sociais – 100 cards para você repensar sua rotina digital’ (RICard’s, 2021), ‘Como criar novos hábitos – 100 cards para a criação e a modificação de hábitos’ (RICard’s, 2021) e ‘Antiprocrastinação – 100 cards para vencer os pensamentos de que tudo pode ficar para depois’ (RICard’s, 2021).

Por que se tornou psicólogo e como aconteceu a escolha pela TCC e por atuar também como palestrante, consultor organizacional, professor e na preparação psicológica/emocional de pessoas para provas, vestibulares e concursos?

Na minha adolescência, busquei terapia em razão de questões familiares e achei muito interessante o papel do terapeuta naquele momento, o que me instigou a querer ajudar outras pessoas da mesma maneira. Embora tenha havido algum desestímulo, inclusive por parte da família, para que eu seguisse outro caminho profissional, persisti na ideia de auxiliar e trazer processos de autoconhecimento às pessoas por meio da psicologia para que elas pudessem se conhecer e ter uma qualidade de vida melhor.

Como sou prático e objetivo, sempre vi a TCC como a abordagem mais adequada para auxiliar o paciente, fornecendo ferramentas para que ele possa ser seu próprio terapeuta, para que ele possa ter melhores condições de trilhar sua própria trajetória. Após fazer minha especialização em diagnóstico psicológico, comecei a atender adolescentes vestibulandos e, na sequência, concursandos em avaliação psicológica. Surgiu, então, a questão da preparação emocional de pessoas para fazerem provas, vestibulares, concursos, prova da ordem, residência médica, etc.

São momentos de muito maior estresse, preocupação e mobilização emocional em que eu percebia uma lacuna e uma necessidade de desenvolver técnicas e ferramentas específicas que eram importantes. E isso me levou a trabalhar com esses pacientes especificamente. Como se trata de um número grande de pessoas que precisam de ajuda, comecei também com palestras, para ampliar o alcance além do consultório. Da mesma forma, ocorreu com a psicologia e consultoria organizacional, porque engloba um número maior de pessoas as quais alcanço com meu conhecimento, minhas técnicas, aquilo com que posso auxiliá-las. Como professor também. O conhecimento da psicologia é multiplicado para mais pessoas num espaço de tempo menor.

Muitos me perguntam como eu tenho paciência ou como consigo ficar horas e horas ouvindo os problemas dos outros. Sempre afirmo que não ouço problemas, mas histórias de vidas. E essas histórias me fazem acordar, levantar, me movimentar e me estimulam a ouvir cada vez mais histórias de vidas. E me trazem cada vez mais vontade de poder auxiliar e levar às pessoas mais informações necessárias e as instrumentalizar para que possam transformar suas vidas e terem melhores condições de poderem ser não só aprovadas em provas, concursos e vestibulares, mas na trajetória delas de vida como um todo. Tenho muito orgulho, muito gosto e me sinto muito feliz por fazer o que faço.

O que é o fenômeno do impostor?

O fenômeno do impostor, também conhecido popularmente como a síndrome do impostor, é uma distorção cognitiva que interfere na internalização do senso de realização de um indivíduo, da percepção das próprias habilidades e talentos. Sob um olhar pouco atento, pode haver a falsa impressão de que se trata de uma questão de baixa autoestima. Há, no entanto, uma significativa diferença: quem possui baixa autoestima não possui um histórico de conquistas ao longo da vida. Por outro lado, a pessoa que sofre com a síndrome do impostor tem evidências e um histórico de conquistas, mas que não são percebidas como tal, não são por si valorizadas.

Quem é mais suscetível?

Qualquer pessoa, homens e mulheres de diferentes idades, em algum momento durante a vida, podem viver esse fenômeno. No entanto, comparativamente, é observado um impacto maior da síndrome do impostor em mulheres, assim como em outros grupos socialmente oprimidos. Em relação à incidência por faixa etária, embora a síndrome do impostor possa ocorrer em diversas fases da vida, ela é mais comumente observável durante o período em que as pessoas estão desenvolvendo e firmando-se em suas carreiras e no mercado de trabalho, na etapa em que começam a alcançar conquistas profissionais (entre 20 e 40 anos aproximadamente).

Quais são as principais causas da síndrome do impostor?

Existem duas grandes causas para a síndrome do impostor segundo a maior especialista no assunto e pesquisadora desde a década 1970, a psicóloga norte-americana Pauline Clance. A primeira consiste na grande exigência de realização profissional, sendo a busca pelo sucesso cada vez mais acirrada na sociedade em que vivemos, na qual somos cada vez mais demandados, pois o nível de exigência de desempenho é cada vez mais alto. A segunda se dá pelo fator das mídias sociais, nas quais todos se comparam com o sucesso dos outros e não mais se satisfazem com serem bons.

Quais são os principais sintomas/sinais?

Quem experiencia a síndrome do impostor possui uma percepção distorcida, equivocada, de que que não é possuidor de mérito pelas próprias conquistas, acreditando que o sucesso é devido a fatores externos, como sorte, acaso, indicação de terceiros, boa vontade dos outros, etc., mas nunca devido ao próprio esforço ou capacidade. Assim, a pessoa passa a viver com desconfortáveis sensações e sentimentos negativos, como angústia, insegurança ou até medo de que finalmente alguém “descubra que ela é uma fraude, pois, na realidade, ela não tem competência, inteligência e/ou talento que aparenta ter”. Criar desculpas para justificar as próprias conquistas ou o sucesso, como “ah, foi sorte” ou “eu estava no lugar certo na hora certa”, e se sentir mais aliviado do que propriamente feliz quando se consegue atingir os objetivos também são sinais comuns que indicam a presença do fenômeno.

Quais as consequências para quem tem a síndrome do impostor?

Com o tempo, o fenômeno pode gerar incapacidades profissionais e pessoais, podendo levar a pessoa a não atingir seus objetivos, por não se considerar merecedora. As consequências mais frequentes são as sensações e os sentimentos negativos experienciados pelo indivíduo que, no decorrer do tempo, podem gerar procrastinação ou ansiedade pelo fato de ele não conseguir se perceber capaz e, assim, usufruir as próprias conquistas. Caso perdurem por muito tempo, os sentimentos de incapacidade podem gerar profunda tristeza e levar à depressão se não tratados.

Como evitar e como combater a síndrome do impostor?

O processo terapêutico com um profissional capacitado é uma excelente ferramenta para combater esse fenômeno. Uma peça-chave nesse processo consiste em trazer para a reflexão o componente claro e objetivo das evidências concretas, dos dados que a realidade apresenta sobre as capacidades, os talentos, as habilidades, conquistas, etc. que a pessoa apresenta ao longo da vida e/ou de sua carreira, confrontando as percepções distorcidas do sujeito com as evidências objetivas e concretas.

Quando é a hora de procurar um profissional da saúde mental para tratá-la?

A procura por um profissional da saúde mental é, de forma geral, indicada ao perceber-se a ocorrência de prejuízo na vida de uma pessoa em qualquer uma de suas áreas (psicológica, social, familiar, laboral, etc.) e/ou a dificuldade em lidar com tais acontecimentos. Quanto maior a demora em procurar suporte e atendimento, os prejuízos podem ir acumulando-se, podendo chegar a prejuízos bastante significativos na vida da pessoa.