Nos mais diversos ambientes ocupacionais, a falta de harmonia entre o trabalhador, suas aptidões profissionais e suas atividades laborais pode causar mal-estar psicológico devido à falta de perspectivas. Como consequências, surgem a desesperança, a redução da motivação e até mesmo transtornos mentais, como ansiedade e depressão. Nesta entrevista, o psicólogo Filiphe Mesquita Borges da Silva aborda o sentido da vida no trabalho.

Graduado em psicologia pela Faculdade Pitágoras, de São Luís/MA, ele é especialista em psicologia clínica e neuropsicologia pela Faculdade Unyleya, de Brasília/DF, e doutorando em psicologia na Universidade de Ciências Sociais e Empresariais (UCES), de Buenos Aires, Argentina. Atua nas áreas de psicologia organizacional, psicologia clínica, avaliação psicológica e ensino e tem formação em testes psicológicos nos construtos personalidade, atenção, inteligência, memória, neuropsicológico e inventários pela Vetor Editora. Possui, ainda, formação em logoterapia e análise existencial pela Facilite Desenvolvimento.

Filiphe conta que encontrou o significado da sua vida ajudando as outras pessoas a encontrarem o sentido das suas. E vem fazendo isso com ênfase na psicologia organizacional, atuando em empresas e auxiliando os trabalhadores a conseguirem perceber sua existência e seu trabalho sob outros pontos de vista para encontrarem o significado que procuram e se desenvolver.

Nessa missão, sentiu falta de uma ferramenta para auxiliar os psicólogos da área. Foi quando teve a ideia de criar o ‘Baralho do sentido da vida no trabalho e na carreira’, publicado pela Sinopsys Editora. Baseado na logoterapia e análise existencial desenvolvida pelo médico austríaco Viktor Emil Frankl, o recurso visa favorecer o processo de autoconhecimento do indivíduo para que alcance plenitude em sua profissão, facilitando a reflexão acerca da responsabilidade, da liberdade e dos valores geradores de mudanças.

Os pontos fortes do baralho estão na possibilidade de avaliar o nível de sofrimento no trabalho, a qualidade de vida no trabalho e a capacidade de ressignificação das atividades laborais. Além disso, classifica as características psicológicas positivas em uma organização. A ferramenta pode ser utilizada para análise dos valores e do sentido da existência não somente no contexto ocupacional, mas também nos projetos de vida como um todo e na promoção de criatividade.

É direcionada a adolescentes, adultos e idosos, com aplicação individual ou em grupo, em contextos clínicos e organizacionais. Para adolescentes, é mais indicada a utilização para orientação profissional, projeto de vida, estágio e programa Jovem Aprendiz. Com adultos, pode ser aplicada com funcionários de empresas, autônomos e aqueles que buscam ingressar em uma carreira. Para a terceira idade, é indicada a pessoas que saíram do trabalho e estão buscando um sentido para atividades extras e valorativas.

Como a descoberta do sentido da vida no trabalho e na carreira influencia na qualidade de vida no trabalho? Pode prevenir doenças psicológicas laborais?

É muito comum as pessoas, mesmo após passarem anos estudando e se preparando para uma profissão, se sentirem presas e tristes no trabalho, seguindo nessa atividade somente porque têm que ganhar o dinheiro no final do mês. E o fato de não conseguirem se sentir felizes no trabalho, com o passar dos anos, faz com que acreditem que estão sendo inúteis. A proposta da teoria do sentido da vida no trabalho é fazer com que o indivíduo, independentemente de qual seja sua função, encontre valores e o significado nesse trabalho e se desenvolva. Com isso, deixa de haver espaço para o estresse e para muitas doenças laborais que afetam a qualidade de vida, como, por exemplo, a ansiedade.

Como o sentido da vida influencia a escolha profissional?

Não se trata somente de encontrar a carreira dos sonhos, mas, sim, de conseguir, a cada dia, trazer valores para a profissão. Isso pode ser constatado em respostas a algumas perguntas: para que estou trabalhando nessa área, quais as pessoas que eu beneficio, o que eu beneficio, o que estou deixando para o mundo? Se eu consigo deixar um legado para o mundo, seja qual for o trabalho que exerço, estou conseguindo encontrar um significado.

Quais os fatores mais comuns que levam à perda de sentido ou desesperança na função?

Viktor Emil Frankl, durante o desenvolvimento de sua teoria, falou algo que sempre me chamou muito a atenção: a frustração existencial que vai gerando um vazio existencial vem da falta de sentido na vida. É você fazer uma coisa porque tem que fazer, porque alguém mandou você fazer, porque você nasceu ou cresceu em um ambiente em que foi dito que você tinha que fazer aquilo. Então vai chegar uma hora que a vida vai te perguntar: se você morresse hoje, o que você deixaria para o mundo? Se você hoje está passando por um grande sofrimento, o que você tem deixado para o mundo? Qual o propósito da sua vida, por que você nasceu, qual o propósito do seu trabalho, o que você está fazendo da sua vida? Muitas pessoas vão saber responder isso para a vida de uma forma resiliente, elas vão procurar se encontrar, vão procurar estudar, elas vão tentar responder isso de alguma forma, encontrando em si algum valor. Mas tem pessoas que não. E essa dificuldade em encontrar essa resposta é o que se chama de crise existencial, de frustração existencial. Esse vazio existencial é basicamente essa ausência de valores. Então a pessoa começa a desanimar e a encontrar um significado apenas no final de semana.

Qual o papel da autorrealização do ser humano com o trabalho?

Conforme a logoterapia, as pessoas não devem correr atrás de se realizar ou de ser feliz, mas, sim, de encontrar um significado, um sentido no que fazem. Porque, a partir do momento em que eu encontro um sentido, eu me autorrealizo. Eu me autorrealizo a partir do momento em que eu trabalho por algo que está além de mim. Para a logoterapia, você não busca a autorrealização. Você busca viver uma vida plena. E quando você vive uma vida plena de sentidos, você já é autorrealizado.

Quais são os pontos essenciais para ser um profissional de sucesso?

Primeiro a gente precisa significar a palavra sucesso. O que é sucesso para você? O que é sucesso para mim? Para muitas pessoas, sucesso é ver sua família bem, trabalhar 40 ou 44 horas semanais, chegar em casa e estar bem com a família à sua volta. Para outros, sucesso é ganhar o mundo, viajar para vários países. Então depende muito do que você chama de sucesso. Para Viktor Emil Frankl, o sucesso tem muito a ver com a autorrealização, com o significado que você encontra. Se você está encontrando significado na sua vida, está feliz com aquilo que faz, com sua vida, talvez você já encontrou o sucesso e não sabe.

Como o profissional da psicologia pode auxiliar no caminho da escolha profissional?

O processo da orientação profissional com o psicólogo ocorre com base em três aspectos. O primeiro engloba entender como é que está o conhecimento do indivíduo sobre o mercado, saber como ele entende a dinâmica das profissões, incluindo a questão da remuneração. Também é preciso trabalhar como o indivíduo percebe a opinião do ambiente, se existe influência do ambiente sobre sua escolha profissional. E em terceiro lugar, o autoconhecimento, porque, se a pessoa não se conhece, não vai ter ferramentas necessárias para poder escolher uma profissão. Um psicólogo que tem essa abordagem do sentido da vida, utilizando-se desses três pressupostos da orientação profissional, ele vai buscar, acima de tudo, saber onde aquela pessoa quer chegar, qual o legado que aquela pessoa quer deixar, onde ela se encontra e se ela está feliz naquele lugar.

Como trabalhar clientes que se sentem desanimados e sem perspectivas no trabalho?

Não há uma fórmula pronta, mas todo trabalho psicológico vai demandar uma certa observação, uma certa análise. E o psicólogo precisa conhecer o ambiente, como é a dinâmica daquele trabalho. Precisa também ouvir o cliente, o qual tem que falar como vê aquele trabalho. E o psicólogo precisa conhecer um pouco da cultura da empresa se houver essa possibilidade. Conhecendo a cultura da empresa, é possível avaliar a pessoa, ver como ela está vendo aquele trabalho. Às vezes, o problema em si não é a empresa, mas a própria pessoa. Ela não está mais conseguindo encontrar o significado ali. Então há alguns questionamentos que a gente pode fazer para essa pessoa sobre qual é o propósito dela, se ela consegue se ver nesse propósito, se ela se vê em um propósito em outro lugar e o que tem feito para tentar encontrar um significado em outro trabalho se não está mais encontrando no atual. São possibilidades. A gente precisa primeiro conhecer todo contexto e então atuar diretamente na causa do estresse e do desânimo.

Como trabalhar a motivação do paciente para o seu trabalho atual quando não há possibilidade de mudança?

Na abordagem da logoterapia, o psicólogo vai trabalhar com os valores criativos, vivenciais e atitudinais. É preciso fazer uma avaliação de como é que está a frustração existencial dessa pessoa, se ela consegue encontrar valor, se ela consegue encontrar sentido, significado em alguma outra atividade também, como é que está a vida dela como um todo. Porque, muitas vezes, quando a pessoa chega na fase de vazio existencial, não é só mais o trabalho que é o problema, muitas vezes é o contexto familiar também. Então tem que fazer a análise de um todo. É basicamente o mesmo aspecto de uma terapia clínica básica, só que você vai trazer um pouquinho para o contexto do trabalho e reaver esse valor com essas pessoas e tentar ressignificar. É preciso muita resiliência, muito autoconhecimento e quebrar muitos conceitos para se chegar a um denominador comum para um desenvolvimento no trabalho.

Como lidar com dúvidas sobre seguir determinada carreira profissional em meio às altas expectativas de outras pessoas?

Esse tipo de pressão ainda existe e muito. E hoje a pressão não é só dos pais em casa ou de outros parentes nas festas de comemoração da família. São as próprias redes sociais que pressionam os jovens para que sigam tais áreas onde outras pessoas estão bem de vida. E eles, infelizmente, acabam acreditando que precisam seguir tais áreas para serem felizes. No entanto o viável é, primeiro, o indivíduo buscar autoconhecimento. Porque, se ele tiver autoconhecimento, não importa o que alguém vai dizer sobre a área dele. Também é importante buscar conselhos de preferência com pessoas que entendem da área, buscar uma orientação profissional. E hoje em dia estão muito difundidas as orientações profissionais e de carreira.