Em tempos anteriores ao avanço tecnológico, a comunicação entre pessoas era cara e lenta. Para nos comunicarmos com alguém, enviávamos carta ou fazíamos um telefonema. Quando o remetente estava longe do destinatário, a carta demorava semanas para chegar ao destino e quanto mais longe o endereço, maior o custo da postagem. Com o telefone não era diferente, quanto mais tempo de chamada e quanto mais longe o emissor estava do receptor, mais custosa era a chamada.

Mudanças através dos tempos

Após anos de estagnação nas formas de comunicação, a tecnologia nos apresentou o e-mail, ferramenta através da qual podíamos trocar mensagens pessoais e profissionais quando estávamos em frente a um computador. Mais adiante, chegaram os smartphones, que nos possibilitam ler e-mails pelo celular onde quer que estejamos. E-mail, Whatsapp, Facebook, Instagram, Telegram, LinkedIn, formas de contato rápidas e baratas, que substituíram a chamada de voz e as correspondências.

É aí que começa o problema, com um smartphone e internet podemos acessar quantas pessoas quisermos de maneira fácil e rápida, e podemos ainda acessar uma mesma pessoa por diversas redes ao mesmo tempo. Se você tenta o Whatsapp e ela não responde, você tenta o Telegram; ela não respondeu e você tenta o Instagram. Ainda existe a possibilidade de conversar através do Messenger do Facebook e por último, o “velho” e-mail. Tudo isso sem precisar fazer uma chamada de voz. É possível visualizar ainda há quanto tempo a pessoa olhou as mensagens dos aplicativos em questão, o que faz com que o remetente saiba que o destinatário visualizou o app há 1 minuto, mas não respondeu a mensagem.

Toda esta facilidade de contato tem adoecido as pessoas. Alguns remetentes desenvolveram compulsão por stalkear pessoas, sobretudo crushes e parceiros e ao verem que o destinatário visualizou o app e não respondeu a mensagem começam a sofrer de ansiedade e paranoia. Em contrapartida, o destinatário se sente pressionado a responder mesmo quando não quer ou quando está ocupado para evitar problemas futuros. Isto também é causador de ansiedade.

Um círculo vicioso

No âmbito profissional, o fácil acesso ao outro também tem causado problemas. Pessoas se sentem pressionadas a responderem solicitações de gestores e clientes de maneira imediata, pois se não o fizerem serão contatadas incessantes vezes até que dêem uma resposta satisfatória. Isto ocorre durante o almoço, café da manhã, banho, ou seja, momentos que não deveriam ser de trabalho. Tenho visto na prática clínica pacientes esgotados do excesso de mensagens profissionais, tais pessoas se sentem demandadas e muitas vezes, tais demandas não são urgentes, mas a ansiedade do emissor faz com que este envie um sem-número de mensagens até que o receptor resolva a sua demanda, que poderia ser solucionada nos dias seguintes. O receptor fica ansioso por conta da ansiedade dos contumazes emissores e assim se estabelece um círculo vicioso.

No mundo corporativo, ganhar tempo é condição sine qua non para a batalha concorrencial, há a exigência de se estar aqui e ali ao mesmo tempo, em diversas frentes, para que nenhuma oportunidade ou informação essencial seja perdida. A carga horária passa a ser ilimitada e desligar o notebook ou o celular não é de bom-tom, pois é necessário que as demandas sejam respondidas de maneira imediata. As vidas pessoal e familiar acabam sendo invadidas pela vida profissional e a vida cotidiana tem sido permeada por uma infindável urgência. Exige-se do profissional uma disponibilidade sem descanso e a “sobrecarga de trabalho é aceita como o preço a pagar pelo emprego”. Por conta disto, a nossa existência passa a oscilar entre a urgência e a necessidade de não perder tempo, precisamos estar sempre alertas1 e tudo isto é ameaçador para a nossa saúde mental.

Quadros de Burnout

A ansiedade desencadeia um estado de alerta e hiperviligância, que por sua vez mantêm a ansiedade, que neste caso, a médio prazo, concomitantemente com a sobrecarga, pode gerar um quadro de Síndrome de Burnout, que tem como principais sintomas a estafa física e mental relacionadas ao trabalho. Muitas são as pessoas que desenvolveram Burnout ao longo da pandemia pela sobrecarga de trabalho online. É como se o fato de estar trabalhando online tenha colaborado com a falta de limites de horário e de atividades.

No dia em que o Facebook, Whatsapp e Instagram pararam de funcionar globalmente, no início de outubro, em decorrência de uma pane na empresa, dois tipos de comportamento foram percebidos. De um lado, os dependentes de redes sociais ficaram enlouquecidos pela falta de acesso à vida do outro e ao contato com o outro. De outro, pessoas respirando aliviadas por poderem trabalhar sem a interrupção do Whatsapp.

É sabido atualmente que as redes sociais já podem ser consideradas mais viciantes do que o álcool e o cigarro. Estas fazem parte da vida das pessoas de uma maneira cujo o impacto na saúde mental não pode ser ignorado2. Para aqueles que ainda não ouviram falar a respeito, a dependência tecnológica pode ser “caracterizada por preocupações excessivas e incontroláveis, urgência ou comportamentos relacionados ao uso do computador ou acesso à internet”. Tais preocupações levam o indivíduo ao sofrimento. A condição existe em todas as partes do mundo, mas é mais evidente nos locais com fácil acesso à tecnologia e a computadores.

Embora seja difícil de compreender, existem diferenças entre o uso normal e o patológico da internet. O uso da internet ou do computador para aquele que é  dependente, causa preocupação e sofrimento significativos, além de trazer consequências para outros aspectos de sua vida3.

Estudo de impacto

Um estudo inglês da Royal Society for Public Health (RSPH) em conjunto com o Young Health Movement (YHM) revelou que o Instagram e o Snapchat são as redes sociais mais tóxicas para a saúde mental dos jovens. Ambas as organizações estão tentando chamar atenção das autoridades governamentais, bem como das próprias redes sociais para que os aspectos positivos das redes sociais sejam promovidos e os negativos sejam mitigados. O relatório sugere:

  • inclusão de um pop-up alertando sobre o uso pesado das redes sociais;
  • abordagem discreta e suporte aos indivíduos, que através de postagens, mostram ser portadores de problemas de saúde mental;
  •  sinalização das redes sociais quando uma foto postada foi digitalmente manipulada.

No estudo realizado, percebeu-se que o impacto negativo está relacionado a plataformas muito focadas em imagens, o que desencadeia sentimentos de inadequação e ansiedade nos jovens. É possível exibir fotos digitalmente tratadas e por conta disto, a nossa perspectiva da realidade pode se tornar distorcida2.

Diante do exposto, percebemos então que o uso inadequado das redes sociais e das ferramentas de comunicação podem desencadear/piorar quadros de ansiedade, Burnout, transtorno dismórfico corporal, anorexia e bulimia.

O transtorno dismórfico corporal é caracterizado por preocupação excessiva com a aparência. Os portadores do transtorno dão exagerada importância a pequenos defeitos que, apesar de imperceptíveis para outras pessoas, assumem uma dimensão enorme aos seus olhos4. A anorexia é um distúrbio alimentar que tem como característica obsessão pelo peso e por aquilo que se come. O principal sintoma é tentar estar num peso abaixo do normal através da prática de jejum ou da prática excessiva de exercícios físicos5. A bulimia é um transtorno alimentar, que se manifesta através da compulsão alimentar, seguida de métodos para evitar o ganho de peso. Indivíduos com esta condição têm compulsão por comer e em seguida, tomam medidas como vômitos ou consumo de laxantes para evitar o ganho de peso6. Tanto o transtorno dismórfico corporal como a anorexia a bulimia tendem a ser potencializados pelas redes nas quais se predominam imagens, como o Instagram e o Snapchat. Usuários exibem imagens de corpos perfeitos e causam no expectador uma sensação de ter um corpo imperfeito e inadequado aos padrões de exigência social.

Corpos sarados, magros, sem um único defeito em imagens digitalmente modificadas por aplicativos ou filtros. Pessoas com baixa autoestima ao observarem este tipo de imagem, entram numa perspectiva distorcida da realidade e passam a exigir de si mesmos a pseudoperfeição vista nas redes. Para atingirem esta perfeição, submetem-se a tratamentos estéticos exagerados, provocam vômitos, tomam laxantes ou se dedicam por horas a atividades físicas extenuantes. Tudo com o intuito de se tornar pertencente a um grupo, de se familiarizar, de não ser si mesmo em sua essência, mas sim ser o outro.

Longe da nossa autenticidade

Em uma perspectiva fenomenológica, Heidegger afirma que ser-no-mundo significa “morar, habitar, ser familiar a”7, da forma que só nos realizamos quando nos encontramos pertencentes. Em contrapartida, a maneira cotidiana de existir causa um obscurecimento de nós mesmos, visto que se trata de uma maneira impessoal de existir, que se reporta a todo mundo ou “a gente” e ser como o outro não nos diferencia. O impessoal retira a possibilidade de cada ser, fazendo com que todo mundo seja outro e ninguém seja si próprio8.

A partir das reflexões de Heidegger, podemos pensar que o mundo atual está caminhando cada vez mais para a impessoalidade, isto é, todos nós devemos nos enquadrar nos mesmos padrões, afastando-nos de nossa essência e ficando cada vez mais longe da nossa autenticidade. Trata-se ainda de um mundo totalmente sem limites, sem limites para o trabalho, para o corpo e para as exigências. O mundo atual exige que sejamos bonitos, magros, sarados, perfeitos, workaholics, bem-sucedidos, ricos e ostentadores de bens materiais. O mundo atual prega uma existência impessoal, superficial e massificada, uma existência falsa, vazia, que demonstra “perfeição” e felicidade por fora, mas que sofre de tristeza e vazio por dentro.

E MAIS…

Alerta para o uso excessivo

Não pretendo através deste texto, recriminar o uso das redes sociais e das ferramentas de comunicação. Chamo atenção apenas para o uso excessivo. O uso deve ser limitado, tanto para lazer quanto para o trabalho. Faça uma autoanálise e perceba se o uso que você faz das redes é excessivo e pernicioso. Questione se você tem vivido a sua essência ou se tem procurado viver a vida do outro apenas para se sentir pertencente, familiarizado e incluído num padrão social e questione ainda o porquê você tem que pertencer a determinado grupo se as regras deste ao invés de te fazerem bem só fazem com que você exija cada vez mais de si mesmo. Questione ainda se as mensagens que te causam ansiedade no Whatsapp são realmente urgentes. Será que o emissor não pode esperar para que a demanda seja resolvida? Limite seu horário de trabalho, tenha um Whastapp corporativo do qual você possa permanecer desconectado fora do horário comercial.

Referências
1.     David Le Breton. Desaparecer de si: uma tentação contemporânea. Petrópolis: Vozes; 2018. 223 p.
2.     Royal Society for Public Health. Instagram Ranked Worst for Young People’s Mental Health [Internet]. 2017 [citado 1 de Novembro de 2021]. Disponível em: https://www.rsph.org.uk/about-us/news/instagram-ranked-worst-for-young-people-s-mental-health.html
3.     Shaw M, Black DW. Internet Addiction and Clinical Management. CNS Drugs. 2008;22(5):353–65.
4.     Parente ELM. O que é o transtorno dismórfico corporal. Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica – Regional de Santa Catarina. 2019.
5.     Hospital Israelita Albert Einstein. Anorexia.
6.     Hospital Israelita Albert Einstein. Bulimia.
7.     Nunes B. Passagem para o Poético. São Paulo: Ática; 1986.
8.     Heidegger M. Ser e Tempo v.I. Petrópolis: Vozes; 1927.