Todos têm preocupações; elas são naturais do ser humano. No entanto, quando causam sofrimento e prejudicam a funcionalidade do indivíduo, pode ser transtorno de ansiedade generalizada. Um dos transtornos de ansiedade, o TAG tem como principais características preocupações constantes, que acompanham o indivíduo diariamente, sobre diversas esferas da vida, como saúde, finanças, relacionamentos, estudos, trabalho e incertezas do futuro. Geralmente são acompanhadas por dificuldades de sono, prejuízo na atenção, na concentração e na alimentação.

Nesta entrevista, a psicóloga Francine Guimarães Gonçalves aprofunda o assunto.

Graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), ela é especialista em terapia cognitivo-comportamental pelo Instituto da Família de Porto Alegre (INFAPA); mestra em ciências médicas (psiquiatria) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde também fez doutorado em ciências do comportamento e psiquiatria, com tese sobre o TAG. É professora de cursos de pós-graduação em TCC e atua na área da psicologia clínica individual e em grupo.

Francine é autora do livro ‘O que você precisa saber sobre TAG e tem medo de perguntar’, da Sinopsys Editora, que visa a psicoeducar o leitor sobre o transtorno de ansiedade generalizada. Por meio de linguagem clara, objetiva e acessível a todos que tenham interesse em entender um pouco mais sobre o tema, aborda caracterização da ansiedade, sintomas, consequências, ferramentas de manejo e possibilidades de tratamento. Oferece ferramentas para a diminuição e manejo dos sintomas de ansiedade, bem como possibilidades de tratamento.

Quais são as principais características do TAG?

Suas principais características são preocupações constantes, que acompanham a pessoa diariamente, sobre vários domínios. Desde as maiores preocupações da vida, como saúde, finanças, relacionamentos e incertezas do futuro, até dúvidas sobre o dia a dia, como chegar no horário, entregar trabalhos e o que o outro pensa sobre mim. Todos nós temos preocupações, mas no TAG tem um prejuízo funcional. São aquelas pessoas que, junto com as preocupações, muitas vezes, têm dificuldades de sono, cognitivas, prejuízo na atenção, na concentração e até na alimentação. De acordo com os critérios diagnósticos, essas preocupações que causam prejuízo e sofrimento têm que acompanhar o indivíduo por pelo menos seis meses. Embora nós saibamos que são pessoas que carregam isso grande parte de sua vida.

Existem características pessoais que podem predispor o TAG?

A prevalência do TAG é de 3% a 5%, o que é bastante alto dentro dos transtornos psicológicos. E dentro desse público, 80% das pessoas têm comorbidades, ou seja, têm mais algum transtorno junto. Com frequência, algum outro transtorno de ansiedade, como, por exemplo, o transtorno do pânico, aquelas pessoas que têm muitas crises de pânico; fobia social, aquelas pessoas que têm muita ansiedade de falar em público; e algumas vezes também algum abuso de substâncias, assim como transtorno depressivo. Sobre a origem do TAG, de 30% a 40% está relacionada com genética e 60% a 70%, com o ambiente. Então se eu tiver experiências positivas ao longo da vida, mesmo tendo uma genética forte, posso não desenvolver o transtorno. Na terapia cognitivo-comportamental, acreditamos que as pessoas que têm TAG são aquelas que interpretam situações neutras como situações ameaçadoras. Então qualquer situação pode ser uma situação de perigo, pois o cérebro interpreta assim. Quem tem TAG pode ser mais vulnerável a isso e, consequentemente, passar por experiências que trazem mais ansiedade e mais medo.

Entre os transtornos de ansiedade, quais são os quadros mais frequentes e mais incapacitantes?

Entre os transtornos de ansiedade, o mais comum é a fobia específica. É um transtorno de medos e de fobias. Nesses casos, muitas pessoas não vêm para tratamento, porque convivem bem com seus medos. As fobias específicas incluem, por exemplo, fobia de cães, de injeção, de vacina, de ir ao dentista, de palhaço, de trovão, etc. Depois delas, temos o TAG e, embora hoje não faça mais parte dos transtornos de ansiedade de acordo com o DSM-5, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), que não deixa de ser um transtorno de ansiedade e é muito incapacitante, pois tem vários rituais. Há pessoas que abandonam os estudos, o trabalho, por não darem conta e passarem grande parte do seu dia em função do TOC. Em relação às fobias específicas, as pessoas podem viver muito bem com elas por não terem contato com o objeto da fobia. Embora o TAG seja um transtorno prevalente, ele também nem sempre é incapacitante, porque as pessoas conseguem ser funcionais. Ainda diria que o transtorno do pânico é mais incapacitante, por causa das crises de pânico. Muitas pessoas também abandonam o trabalho, os estudos, têm medo de pegar o carro e começam a ter medo de saírem à rua, temendo as crises de pânico. Dessa forma, acabam delegando suas atividades a outras pessoas.

Quais sinais cognitivos pessoas com TAG apresentam?

Um dos principais sintomas é algum leve prejuízo na atenção, na concentração e na memória. Muitas vezes, a pessoa com TAG acaba sendo diagnosticada com transtorno de déficit de atenção porque, enquanto está vendo um filme, lendo um livro, conversando com alguém, sua mente está vagando, ou seja, está preocupada com diversos outros fatores e situações. Isso acaba prejudicando sua atenção e, consequentemente, a memória. Na terapia, nosso trabalho é justamente um treino atencional, para que o indivíduo consiga se dar conta de quando sua mente está vagando e volte novamente para o presente. Porque, normalmente, ele está lá no futuro, pensando nas coisas que vão acontecer, possíveis problemas e situações que talvez nunca ocorram, mas que passam pela mente dele.

O que diferencia o TAG dos outros transtornos de ansiedade?

O TAG se diferencia dos outros transtornos porque ele não tem um estímulo único que gere ansiedade. Para o TAG, tudo gera ansiedade, qualquer situação pode ser uma situação de ansiedade, de preocupação. A principal característica do TAG são preocupações excessivas que me acometem diariamente, que são difíceis de controlar e que me causam algum tipo de prejuízo no sono, dificuldade de relaxar, dificuldade de atenção. Então são várias áreas da minha vida que eu me preocupo, situações grandes até situações triviais do meu dia a dia. Enquanto outros transtornos têm um foco específico. Fobias específicas são fobias de animais, trovões, seringas, sangue, um objeto fóbico; ansiedade social, medo da opinião dos outros, medo de ser julgado e humilhado; pânico tem a ver com crises de pânico, sintomas fisiológicos. O TAG, na verdade, é uma extensão de preocupações de vários domínios da vida. Essa seria a diferença. Por isso que a gente acaba se identificando muito, porque todos nós temos preocupações com várias áreas da vida. Mas aqui a gente está falando de algo que é mais disfuncional, que causa mais prejuízos. Então o TAG abrange mais as preocupações.

Como diferenciar crise de pânico e crise de ansiedade?

A diferença é a intensidade dos sintomas. A crise de pânico é abrupta. Do nada, a pessoa começa a sentir sintomas muito intensos, fisiológicos, há um pico muito alto disso. Se ela conseguir lidar, aos poucos, vai passando. Já a crise de ansiedade é como se fosse uma montanha, que vai subindo, subindo, subindo e atinge um pico, um desconforto muito grande, que dura, no máximo, 20 minutos. Depois, essa ansiedade vai caindo. Dentro do TAG, o que é mais comum que ocorra é que a pessoa esteja no seu dia a dia, um pensamento a invade ou ela está vivendo uma situação difícil, que ela acha que não vai dar conta, e tem um pouquinho de taquicardia, de sudorese e falta de ar. Isso seria uma leve crise de ansiedade. A crise de pânico pode acontecer em qualquer transtorno, qualquer pessoa pode ter uma crise de pânico, inclusive noturna. O pânico é algo muito mais intenso, muito mais abrupto, e engloba o medo de morrer, de enlouquecer e de passar mal.

No que os quadros de ansiedade diferem dos transtornos fóbicos?

No TAG, as pessoas acabam evitando algumas coisas. Por exemplo, em algum momento, o indivíduo evita se inscrever para um concurso, porque acha que não vai passar ou então evita entrar em contato com alguma emoção que é difícil. O TAG evita algumas coisas, mas não é uma fobia. Uma fobia é quando a pessoa evito algo, alguma situação, algum objeto, ou então faz essa exposição com muito sofrimento. Dentro do TAG não tem um fator único. Essa é a grande diferença dos outros transtornos de ansiedade. Por exemplo, a fobia social é um medo intenso da opinião ou do julgamento dos outros. Crises de pânico: medo intenso dos sintomas fisiológicos. O TOC tem a ver com ansiedade de algum objeto, medo de contaminação, algo relacionado a isso. O TAG não tem um único objeto fóbico, ele se preocupa com tudo. E não se preocupa em forma de fobia. Ele se preocupa de uma maneira, um pensamento sobre algo.

E quais são as técnicas para lidar com o TAG?

Há várias, mas a ideia principal do livro é que a gente use muito a psicoeducação. Essa é uma das principais técnicas dentro da terapia cognitivo-comportamental e tem como objetivo psicoeducar o paciente, ou seja, ele entender o funcionamento do TAG, de onde vem. Junto com isso, há estratégias cognitivas e estratégias comportamentais. A gente trabalha muito com pensamentos, poder observá-los, o que se passa na mente, se é uma verdade ou se não é, se eu realmente preciso me preocupar com isso, talvez eu esteja me preocupando com algo lá do futuro que nem vai acontecer. Todos nós vamos nos preocupar, mas a gente precisa trabalhar com o paciente as preocupações que vão prejudicar e gerar mais ansiedade. Junto das técnicas comportamentais eu também coloco muito de estratégias de qualidade de vida: psicoeducação do sono, da alimentação, exercícios, administração do tempo, ter o tempo do lazer, do descanso, do trabalho.

TAG requer sempre tratamento medicamentoso?

O TAG é um transtorno de curso crônico. Pessoas com TAG vão tê-lo pela vida, mas vão aprender a tratá-lo, a lidar com essa ansiedade. A ideia da terapia não é extinguir a ansiedade, pois ela nos move. Tanto é que o TAG tem muitos processos saudáveis, funcionais, é uma pessoa que se move, que vai atrás. Mas a gente vai tentar reduzir esse lado mais disfuncional. Não necessariamente o TAG vai precisar de tratamento psiquiátrico. Temos muitas ferramentas dentro da TCC, como mindfulness, essas questões de qualidade de vida. Vamos pensar em encaminhamento para um psiquiatra quando houver um sofrimento muito intenso e prejuízos associados, como sintomas fisiológicos muito intensos. Se o paciente está com muito sofrimento em pontos como sono, sintomas fisiológicos e ruminações muito frequentes, a gente pode pensar num encaminhamento para que ele tome a medicação por algum tempo. Ou então se, junto com TAG, o paciente tem uma depressão associada muito forte, também pode ser o momento de se pensar numa avaliação psiquiátrica.