Segundo o Censo de 2010, 24% da população brasileira, o equivalente a 46 milhões de pessoas (o número total de habitantes da Espanha), têm algum tipo de deficiência, em alguma das seguintes habilidades: enxergar, ouvir, caminhar ou subir degraus.
É um número muito alto, dando total sentido a uma lei que estabelece que empresas com cem ou mais empregados precisam reservar de 2 % a 5% de vagas para Pessoas com Deficiência (PCD), sob o risco de multas, em caso de descumprimento. É a Lei 8.213/91, art. 93, que completa agora 30 anos. E onde estamos, 30 anos depois?
Mercado de trabalho real
Segundo dados recentes, apenas 1% desse público está inserido no mercado de trabalho formal no Brasil. Dessas pessoas, segundo uma pesquisa realizada pela Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, 15,29% dos entrevistados nunca encontraram oportunidade de ingressar no mercado de trabalho. Nunca, em nenhum momento. Daqueles que conseguiram, 65,93% relataram grandes dificuldades para encontrar uma vaga.
As desculpas encontradas pelas empresas são muitas e têm em comum o fato de serem inconsistentes e preconceituosas, expondo a dificuldade que muitas ainda têm de lidar com a Diversidade. Nesse caso, isso tem um nome: capacitismo.
Falta de visão de mundo
Capacitismo é o termo usado para o preconceito dirigido às pessoas com deficiência e acontece quando um indivíduo é reduzido às suas deficiências, com as qualidades deixadas de lado.
Para se ter noção do absurdo que isso significa, uma pessoa com essa (falta de) visão de mundo, jamais contrataria Stephen Hawking, por exemplo, para dar aulas em uma Universidade, vendo-o apenas como alguém preso a à uma cadeira de rodas, com dificuldades de comunicação.
Isso acontece todos os dias, em inúmeras empresas, que deixam de contratar profissionais com potenciais incríveis, brilhantes, ao se depararem com uma cadeira de rodas ou com um cão-guia.
A situação já parece suficientemente ruim, mas existe ainda outra questão a ser abordada dentro do problema, um preconceito dentro do preconceito: o machismo que existe dentro do capacitismo. Daquele total de 1% das PCDs inseridas no mercado de trabalho, a divisão por gênero se dá com trezentos e onze mil homens e apenas setenta e cinco mil mulheres. Um número mais de quatro vezes maior, mas que não é surpresa em se tratando de Brasil. Em termos gerais de desigualdade de gênero, estamos em um constrangedor 92º lugar, com um dos piores índices até da América Latina.
Ambiente hostil
Quando conseguem superar mais esse obstáculo e serem admitidos em uma empresa, PCDs podem se ver em um ambiente hostil, mesmo que involuntário. Os ambientes podem não estar adaptados, os colegas podem não saber como lidar com eles. Esse despreparo leva muitas empresas a encararem a inclusão como uma fonte de gastos, sem olhar para as oportunidades que podem ser geradas. Afinal, já está mais que provado que não faltam pessoas altamente qualificadas dentro do universo de PCDs.
Somos uma sociedade que ainda engatinha em Diversidade e Inclusão e nada prova melhor isso do que a existência de uma lei que completa 30 anos e que ainda tem poucos efeitos no mercado de trabalho. A necessidade de informação é enorme, só através dela podemos mudar os números apresentados aqui.
Se não for apenas por uma questão ética (que já deveria ser suficiente), em breve a questão econômica também poderá atingir empresas que se recusem a incluir. Não só pelas questões das multas, que ainda parecem insuficientes para mudar a situação, mas principalmente porque vivemos uma era em que os consumidores, cada vez mais, se interessam pelo posicionamento das empresas que fabricam os produtos que consomem. Dentro deste prisma, Diversidade e Inclusão se torna um dos temas mais sensíveis.
Recursos Humanos para todos
O movimento deve vir dos RHs das empresas, promovendo a contratação desses profissionais e preparando a estrutura para acolhê-los. Ver a sua empresa adotar essas práticas, funciona também como um grande incentivo para os outros funcionários, que poderão se orgulhar de trabalhar em uma empresa inclusiva, onde a sua cultura não são apenas linhas escritas em um site, mas uma vivência diária no mundo real.
Nesta celebração de 30 anos, ao contrário do que acontece em outros aniversários, só podemos desejar que não a Lei não tenha vida longa. Que ele se torne obsoleta, desnecessária, arcaica, em uma sociedade em que o capacitismo não tenha lugar e cada pessoa tenha seu espaço.
Que esse tempo chegue o quanto antes. Mas até lá, que a Lei seja cumprida.
Seria uma oportunidade de mudança de cenário
Uma pesquisa da Secretaria do Trabalho mostra que existem 700 mil vagas disponíveis no mercado, mas apenas 53,2% delas estão preenchidas. A resposta para essa discrepância está mais no capacitismo do que na qualificação.
A presente pandemia poderia ter sido um momento de virada de jogo, já que o Home Office, em tese, favoreceria pessoas com deficiência. Mas não foi o que aconteceu. Ao contrário, em algumas empresas, cargos ocupados por elas foram eliminados. Dentro desse quadro, a necessidade de fiscalização para que haja o cumprimento da lei também se faz tristemente necessário. A tristeza vem do fato de que mais que a Lei, o senso ético e de Inclusão deveria falar mais alto em empresas comprometidas com a sociedade onde atuam. Mas não é assim, como sabemos.