A inclusão ou exclusão, segregação, integração, essas palavras sempre fizeram parte da vida de milhares de famílias de crianças e jovens com Necessidade Educacional Especial, inclusive na minha.

Em 2012, começava uma luta para que as crianças e jovens com NEE obtivessem o real direito, que já lhe era assegurado desde a Lei nº 4.024 de 20/12/1961, que fixava e dava as diretrizes dos direitos educacionais da pessoa com deficiência, mas que na prática nunca foi realmente obedecida.

Escuto ainda nos dias de hoje que muitas escolas não estão preparadas para tal abordagem, e claro preferi citar uma lei bem antiga para que todos compreendam que inclusão educacional não é demanda nova como muitos dizem. Na realidade, ela é uma demanda que nunca quiseram fazer acontecer, porque é mais fácil excluir do que seguir todos os procedimentos que uma inclusão real exige.

Novo decreto

Porque estou falando isso? No dia 01 de outubro de 2020, o atual presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que trouxe muita polêmica e reascendeu antigas discussões e, claro, feridas nas famílias que em sua grande maioria não conhece os seus direitos.

Na integra do que foi abordado “o decreto incentiva salas e escolas especiais para crianças com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, e superdotação. O documento claro está sendo considerado um retrocesso nas políticas de inclusão no País e discriminatório porque abriria brechas para que as escolas passassem a não aceitar alunos com essas características”.

Serei muito sincera e direta como sempre fui diante do que se trata das leis e da educação em nosso país: nunca houve inclusão! O que temos até o momento é integração. Quando você se depara com crianças com comorbidades mais severas e que demandam um trabalho mais especifico, especializado e focado, posso dizer sem dor na consciência que apenas encontraremos 2% das instituições que realmente desejam fazer um trabalho focado e verdadeiro com essas crianças.

Experiência real

Porque digo também isso? Porque além de profissional que estuda o assunto e escuta muitas histórias acerca dele, também sou mãe de um autista severo nível 3, com comorbidades comportamentais e cognitivas de nível hoje moderado, mas na época escolar eram severas e que não conseguia verdadeiramente aprender, diante da demanda apresentada, numa sala regular com crianças na idade cronológica dele e que estavam em pleno desenvolvimento motor, social etc. Mas o meu filho estava bem abaixo desse processo e eu via, como profissional e como mãe, que aquilo não era inclusão. Era exclusão!

Eu tive a sorte de encontrar profissionais que realmente queriam fazer o seu trabalho e me ouviram na época, fazendo a tão necessária adaptação curricular para meu filho, onde ele não frequentaria a sala regular e, sim, a sala de recurso, com horário definido e atendimento individual. Nas demais partes escolares, ele estaria junto com os demais alunos, atividades, recreio, festas etc. Bom, essa foi a minha experiência e eu tenho conhecimento dos meus direitos, mas eu sou a minoria da minoria.

Atendimento educacional especial

O decreto incentiva salas especiais. Essas salas já existem nas escolas públicas, são chamadas de salas de recurso. Para quem não sabe, o Brasil se comprometeu na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU/2006), por meio do Decreto nº 6.949/2009, de assegurar o acesso das pessoas com deficiência a um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e de adotar medidas que garantam as condições para sua efetiva participação, de forma que não sejam excluídas do sistema educacional geral em razão da deficiência.

E, com isso, a Resolução CNE/CEB nº 4/2009, art. 10º, o Projeto Político Pedagógico – PPP da escola de ensino regular deve institucionalizar a oferta do AEE, prevendo na sua organização:

 I – Sala de recursos multifuncionais: espaço físico, mobiliários, materiais didáticos, recursos pedagógicos e de acessibilidade e equipamentos específicos;

Vejam que não se fala em escolas públicas ou particulares e, sim, em ensino regular, onde se visa um suporte mais especifico para essas crianças que necessitem de atendimento educacional especial.

Por quê no Brasil isso não acontece? Porque as leis não são cumpridas. A grande maioria das escolas relata não possuir preparo para tal, mas já deveriam ter visto que citei leis muito antigas e que orientam as escolas em como proceder, inclusive o próprio PPP das crianças, que é garantido e obrigatório por lei, não é feito. Portanto, como se avaliaria a real necessidade da criança, seus níveis e suas habilidades?  

Por isso, levanto a questão de alerta: nesses casos, a criança está sendo incluída ou excluída? O contexto de uma criança com autismo severo, comprometimento cognitivo e de linguagem funcional, com outras comorbidades, como disfunção sensorial, dentro de uma sala regular com mais 20 ou 25 crianças, neurotípica, é de inclusão ou exclusão? 

Diretrizes e orientações apenas teóricas

Abrir precedentes para retrocesso seria uma visão muito pontual para o Brasil e, claro que seria o primeiro pensamento com certeza, já que se o país possui tantas leis maravilhosas para inclusão e diretrizes que orientam como proceder e, ainda assim, a inclusão não acontece, imagina se tiver salas e escolas especiais!

Mas vamos nos colocar no lugar dessas crianças e jovens que também hoje não tem o direito de escolha para si, tendo apenas a escola regular disfuncional, não preparada (e parece que nunca vão estar), como única saída.

A educação especial no Brasil já passou de polêmica, na realidade é um desrespeito a todos os alunos e famílias desses alunos com deficiência. É um desrespeito com os profissionais da educação em todos os âmbitos. É uma deslealdade com compromisso firmado quando se abre uma escola e se compromete em levar a educação para todos (mas que só funciona na teoria).

E o assunto vai longe! Ninguém é igual a ninguém e, para existir realmente inclusão, isso deve ser prioridade no processo educacional, e não a receitinha de bolo que existe atualmente, que na realidade só promove a exclusão educacional para a grande maioria das crianças e jovens que necessitam de educação especial. É a famosa história para inglês ver e para brasileiro fingir que está tudo sob controle.  

E MAIS…

Vivemos uma utopia legislativa

No decreto nº8.368/2015 artigos 4º parágrafo 2º fala sob em caso de necessidade […] essa parte da lei quer dizer que a criança com NEE precisa passar por avaliação de suas reais especificidades para que todo o processo educacional seja embasado nela e não em um conjunto de regras preestabelecidas.

Quanto as escolas especiais, me lembro bem como foi o panelaço de 2012, vários grupos de mães lutando pelo direito de seus filhos, não podemos olhar só para nosso próprio umbigo.

Gostaria que me apontassem realmente com qualidade e com profissionais especializados, qual escola que tem uma equipe capacitada para o atendimento, alfabetização e desenvolvimento de uma criança com deficiência visual ou auditiva e que ofereça esse subsidio de forma competente ao desenvolvimento deles. Lanço o desafio de que me apontem apenas uma escola regular que não seja especial e que atenda na íntegra (e coloco aqui no sentido de “integridade” também) todos os tópicos da lei aprovada.