Estamos habituados a pensar e falar sobre a depressão e imaginar aquela pessoa abatida, desanimada, triste, com redução da autoestima, com empobrecimento do próprio ego e perda da vontade de socializar. Tal tipo de depressão, normalmente tem objeto como a perda de um ente querido, do emprego, um rompimento etc.
Esta é a depressão que nos remete à melancolia que apresenta sintomatologia clara, como referido e que se evidencia para as pessoas à volta do depressivo. Todos facilmente podem reconhecê-la.
Identificar sua própria dor
Gostaria de chamar a atenção dos leitores para uma outra espécie de depressão, a denominada depressão essencial, estudada por Marty, como sendo aquela que se instala sem objeto e sem sintomatologia. Nela, há um desinvestimento das relações afetivas interpessoais, mas sem redução da autoestima e o sujeito sequer identificar sua própria dor.
A respeito do seu mecanismo, explica o referido autor que sobre uma estrutura mental frágil (ego com insuficiência de recursos) produz-se a depressão essencial, muitas vezes decorrente de um trauma, a qual é pouco visível no exterior, ao contrário da melancolia.
Assim, o drama do paciente não é legível aos olhos dos outros e sua condição passa despercebida para os demais, daí sua maior gravidade.
Como reconhecê-la?
Lembra de já ter tido um paciente que fala sem emoção, como que de outra pessoa e não de si mesmo? Aquele que não pede nada, não tem dores? Cujo comportamento só continua adaptado na aparência e passa a funcionar no automático, desvitalizado? Aquele paciente que não sonha, não associa? Pois bem, ele pode estar num processo de depressão essencial.
Segundo Marty, tal depressão apresenta o quadro de uma crise sem ruido, que dá início, frequentemente, à instalação do que ele denomina de uma vida operatória.
Explica que o pensamento operatório é justamente aquele despido de emoção, de sentimentos, aquele a que identifica como mecanizado, robótico e que vem a ser a expressão clínica da depressão essencial, ou seja, é com o seu reconhecimento que podemos estar diante de tal espécie de depressão.
Esclarece, ainda, que angústias difusas costumam preceder a depressão essencial e não estão assentadas num sistema fóbico oriundo de recalcamento e não há representação.
Menos espetacular
Para Marty, a depressão essencial se caracteriza pelo desaparecimento da libido narcísica e objetal, sem outra compensação econômica, a não ser a fragmentação funcional, que constituem o instinto de morte.
Vai concluindo, assim, que tal depressão é menos espetacular que a depressão melancólica, eis que não aparente, silenciosa, mas que conduz com mais segurança e naturalidade à morte.
No entanto, equivoca-se aquele que está a pensar num sujeito mais ou menos funcional, aparentemente bem e que de repente se suicida. Não, na depressão essencial o processo é outro, ou seja, o paciente sequer se dá conta de seu próprio sofrimento, apenas “vai vivendo no automático”, e por isso nem mesmo pode desejar ou planejar seu suicídio.
Sem implicação ou envolvimento
A figura que mais se adequa à depressão essencial é a da pessoa que não luta, até porque não sabe contra o que ou pelo que lutar, é o desistente, aquele que adoece, se entrega e morre.
Enfim, é o sujeito que vem ao analista com uma desculpa qualquer, muitas vezes por sugestão de familiares ou amigos e que traz ao analista apenas fatos, sem qualquer implicação sua ou envolvimento, sem falar de dor ou sofrimento, daí também a dificuldade do profissional que não consegue fazer uma “leitura” do paciente, não consegue “manter contato” ou “entrar no seu mundo”.
Como lidar com isto então?
Diz Marty que embora presente a depressão essencial, a libido do paciente necessariamente não terá desaparecido por total, ela está quase sempre subjacente e, portanto, segundo ele, é preciso contar com uma retomada libidinal do paciente (retorno da emoção, da representação, da associação, da interação social etc) , sempre possível e não deixar ao instinto de morte o tempo de se instalar fenômenos de fragmentação somático irreversíveis.