Ansiedade, síndrome de burnout e depressão são alguns dos transtornos mentais que mais e mais afetam trabalhadores. No contexto corporativo, representam ameaças as organizações e as lideranças que não dão a devida atenção à saúde mental das pessoas e que não atendem ao princípio da integralidade.
O tema é aprofundado nesta entrevista pela psicóloga Izabela Mioto, sócia-diretora e cofundadora da Arquitetura RH e sócia da Caminhos Vida Integral.
Graduada e mestre em psicologia pela Unesp, campus de Assis, ela é pós-graduada em administração de recursos humanos pela FAAP/SP; coach pelo Integrated Coaching Institute (ICI), reconhecido pela Federação Internacional de Coaching (ICF); e MBA em desenvolvimento do potencial humano pela Franklin Covey.
Izabela também é professora dos cursos de pós-graduação e MBA da FAAP, FIA, IPOG, Instituto Saint Paul e Albert Einstein; e coordenadora da pós-graduação em gestão de pessoas: desenvolvimento estratégico do capital humano da FAAP. Tem experiência como palestrante, em processos de assessment, coaching, implementação de gestão por competências e condução de grupos como consultora em empresas de grande porte. E é coautora dos livros ‘Soft skills: competências essenciais para os novos tempos’ e ‘Soft skills: habilidades do futuro para o profissional do agora’, da Literare Books.
Por que se tornou psicóloga e como aconteceu a escolha pela área de desenvolvimento do potencial humano?
Desde criança, tudo o que eu me imaginava fazendo era trabalhando com gente. Lembro que pensava em educação, eu trabalhando com crianças, com idosos, com públicos às vezes diferentes, mas sempre trabalhando com gente, influenciando pessoas a serem melhores. E aí conheci uma prima de uma amiga que fazia psicologia na Unesp de Assis, e ela falava muito sobre a linha teórica que estudava. Então falei: “Ah, é lá mesmo que eu quero estudar”. Foi quando começou minha história com o desenvolvimento do potencial humano, durante o curso de psicologia na Unesp de Assis. No terceiro ano, comecei a fazer pesquisa, iniciação científica, com um orientador que trabalhava com psicologia clínica e psicanálise em instituição pública de saúde mental. A pesquisa foi bem-sucedida, e ele me convidou para prestar um mestrado. Graduei-me e emendei no mestrado. Após terminar o mestrado, me casei e fui para São Paulo, onde abri uma clínica. Gostei no começo, mas, depois de um tempo, senti que a clínica era muito solitária para uma pessoa expansiva como eu. Comecei, então, a olhar para o mundo corporativo como uma opção profissional interessante. Como eu precisava me preparar, fui fazer pós em administração de RH na FAAP. Lembro que quando entrei naquela faculdade, falei: “O dia que eu sair daqui quero me tornar professora”. E quando defendi minha monografia, no mesmo dia, o coordenador me convidou para ser professora. De lá para cá, são quase 17 anos na docência. Hoje coordeno uma pós na FAAP, em gestão de pessoas, desenvolvimento estratégico do capital humano, e leciono em oito escolas. Além de professora, sou empresária, com duas consultorias, uma em que sou sócia-cofundadora, a Arquitetura RH, que tem 13 anos de mercado, e a Caminhos Vida Integral, da qual também sou sócia e completamente fã do trabalho que a gente faz lá, porque, além de ter uma editora, tem uma plataforma digital, um inventário de tendência comportamental, que se chama Jornada do Autoconhecimento. Tudo o que faço tem a ver com desenvolvimento do potencial humano. Meu propósito de vida é acender luzes. Procuro andar na vida buscando observar e comunicar a luz das pessoas para trazer à tona sua potência para si e para o mundo. Acredito que há muito potencial humano ainda para que a gente possa explorar.
Na atualidade, quais são as principais ameaças à saúde mental nas corporações?
Há muitas pessoas que estão com grande sobrecarga de trabalho e com receio de dizer que não estão dando conta. Quando se integra essa sobrecarga à vida pessoal, às vezes, algumas pessoas perdem o equilíbrio. E em vez de falarem sobre aquilo que estão sentindo, tentam dar conta de tudo. E aí vêm as crises de ansiedade, a síndrome de burnout e os altos índices de depressão. O Brasil é campeão mundial em ansiedade, com 3,5 vezes mais que a média da população mundial segundo pesquisa publicada na Superinteressante em 2018. Agora com a pandemia, essas questões se acentuaram, porque as pessoas ficaram com medo de perder seus empregos, tiveram as suas rotinas completamente alteradas, precisaram rever uma série de fatores. E quando não se encontra espaços de diálogo para se perceber e aprender a fazer uma melhor gestão de demandas, a gente se desestrutura, se desequilibra. Em termos mais práticos, acredito que uma das ameaças é não haver lideranças conscientes que entendam sobre a importância da integralidade, um dos princípios das organizações teal, abordada no livro ‘Reinventando as organizações’, de Frederic Laloux. Segundo o autor, as organizações teal são aquelas com maior nível de consciência e que precisam atender a três princípios: integralidade, propósito evolutivo e autogestão. Integralidade é a capacidade das pessoas estarem ali sendo autênticas, sem precisar usar máscaras. E quando a liderança é impositiva (lidera pelo medo), custa à saúde mental o gasto de energia que a equipe precisa despender para não demonstrar o que está sentindo, que as coisas não estão fluindo como gostaria e que não dispõe de todos os recursos. Também trazem ameaça lideranças que não são conscientes, organizações que não trabalham a equidade, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, organizações que reforçam demais as pessoas que trabalham até depois do horário, que parabenizam quem trabalha no final de semana. Ou seja, trazem uma ideia para a cultura corporativa e para todas as outras pessoas que elas têm que ter esse nível de produtividade que muitos de nós, seres humanos, não damos conta. E aí, de novo, vêm a ansiedade, a síndrome de burnout, a depressão.
De que forma essas ameaças devem ser evitadas e/ou combatidas?
Do ponto de vista organizacional, acredito que as empresas precisam ter uma atenção um tanto quanto maior sobre as questões de saúde mental. A Ambev, por exemplo, já tem uma diretoria de saúde mental tamanha a importância do tema. É preciso formar gestores para compreender sobre como lidar com as pessoas da maneira mais adequada possível, compreendendo sobre alguns adoecimentos, como os que já foram citados; sobre como podem observar para fazer uma intervenção cuidadosa e ter uma melhor conexão com as pessoas quando observarem alguma coisa. Mas, essencialmente, acredito que é necessário criar protocolos de diálogo em que as pessoas possam falar sem receio sobre aquilo que elas estão sentindo, que elas possam falar sem receio sobre os medos que têm, quando não conseguem realizar determinada coisa, quando precisam de ajuda. Então, em primeiríssimo lugar, ambientes psicologicamente saudáveis ou, como gosto de dizer, ambientes emocionalmente seguros. E esses ambientes vão ser seguros à medida que a empresa fomente uma cultura de aprendizagem e não uma cultura do erro, o que está muito pautado no que diz Amy Edmondson, autora do livro ‘A organização sem medo’. Ela afirma que muitas empresas, quando tentam otimizar tudo, esquecem que o sucesso é construído por meio de experiências. Como eu posso, então, qualificar melhor as experiências entre as pessoas para criar mais vínculos? A própria psicologia positiva já mostra que, quando a gente tem amigos (vínculos) no trabalho, a probabilidade de aumentar a performance aumenta bastante. O que também ajuda muito são organizações com um propósito claro, que engajam as pessoas nesse propósito. E aí eu cito Viktor Frankl, que escreveu o livro ‘Em busca de sentido’, a história dele em quatro campos de concentração, e sua frase célebre: “Quem tem um porquê pode suportar qualquer como”. Isso vem de Friedrich Nietzsche, que dizia: “Quem tem um porquê pode suportar quase qualquer como”. Quando as pessoas sentem que fazem parte de algo maior que elas, algo que realmente impacta, isso traz sentido para a vida.
O que é agilidade emocional e por que ela é tão importante para os trabalhadores na atualidade?
Quando não aprendemos a lidar com as emoções, elas podem nos tirar do foco. Por isso, cada vez mais, a gente vai falar sobre a importância da inteligência emocional de todas as formas, seja na tenra infância, na educação básica ou na educação corporativa. Mesmo que a gente não tenha tido essa educação da melhor forma possível na tenra infância, ela se faz muito importante quando a gente vai para o mundo corporativo. Gosto muito do livro da Susan David que leva o título ‘Agilidade emocional’ e de uma citação dela: “Nossas emoções podem desencadear questões antigas, confundindo nossa percepção do que está acontecendo naquele momento com experiências dolorosas do passado. Essas poderosas sensações podem assumir completamente o controle, toldando nosso julgamento e conduzindo-nos diretamente para as pedras”. Quando não paramos para reconhecer nossas emoções, muitas vezes, elas afetam algumas atitudes que nos tiram do nosso foco, da nossa intenção ou objetivo. E quando a autora fala de agilidade emocional, ela quer dizer que precisamos ser flexíveis com nossos pensamentos e sentimentos para responder da melhor maneira possível às situações do dia a dia. A gente não escolhe as emoções; elas vêm. Mas será que paramos para percebê-las? Uma vez que as percebemos, podemos aprender a gerenciá-las. Sendo assim, agilidade emocional tem a ver com relaxar, se acalmar e viver com mais propósito. Tem a ver com você escolher como vai responder da melhor forma possível ao seu sistema de alarme emocional.
E como obter agilidade emocional?
Há formas e formas. Um processo terapêutico é uma forma de você parar para olhar para suas emoções e cuidar de como elas impactam na sua dinâmica pessoal, na sua dinâmica de relações, para você conquistar os seus objetivos. Mas a gente também pode fazer um processo de coaching, ou pode ter uma liderança em quem a gente confia, um par na empresa, uma pessoa do nosso convívio pessoal. Para obter agilidade emocional, a primeira coisa é a pessoa se dar conta de que precisa parar para reconhecer as suas emoções, porque elas são um alarme importante do que está acontecendo no seu mundo de dentro. Esse é o primeiro passo: ter abertura e desejo de olhar para as emoções. E um segundo passo importante é ter o espaço sagrado. É aquele “lugar” em que a gente vai poder dizer tudo o que está sentindo sem ser julgado, porque, à medida que eu digo, estou me organizando para ter uma atitude mais produtiva. Então a pergunta que eu faço muitas vezes nas palestras é: qual é o seu espaço sagrado?
Qual o antídoto para superar as adversidades no meio corporativo?
Já comecei falando na pergunta anterior, que é você parar para reconhecer as suas emoções. Porque a emoção negativa é uma diversidade. Uma diversidade que vem do mundo de dentro e que, se a gente não aprender a gerenciar, nos tira do foco. Também gosto muito da perspectiva do QA, quociente de adversidade. Ele faz com que a gente não paralise nas adversidades, que nós nos conectemos aos nossos propósitos para que possamos seguir em frente. E aí a pergunta é: você tem atuado mais no seu espaço de governabilidade, no seu círculo de influência, ou tem ficado muito mais restrito ao seu círculo de preocupação? Então apresento um antídoto que funciona para mim e para muitas pessoas e que muda a vida da gente quando entendemos isso: a matemática do um terço (1/3). Um terço está na mão da circunstância. Eu não controlo as circunstâncias; se eu investir tempo para tentar controlar as circunstâncias da minha maneira, é uma energia desperdiçada. Eu não controlo a atitude das outras pessoas. E aí eu também tenho um terço que está na mão das outras pessoas. Mas tem sempre um terço que está em minhas mãos. Dessa forma, para toda e qualquer situação, a pergunta que eu tenho que fazer é: por mais adversidades que tenho, o que está no meu espaço de governabilidade, o que está no meu controle? E procurar fazer 100% do meu 1/3. Mesmo se as coisas não derem certo, saio tranquila da situação, porque fiz tudo o que estava no meu espaço de governabilidade e atuei no meu círculo de influência. E eu ainda corro o bom risco de, ao fazer 100% do meu 1/3, influenciar os outros dois terços.