Lilian Graziano é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento que tem por objetivo a divulgação da Psicologia Positiva no Brasil. Por se identificar com a experiência das emoções positivas e se alinhar ao conceito de bem-estar subjetivo de Ed Diener, a felicidade é a linha de estudo da psicóloga, especialista em Psicologia Positiva.

Felicidade não é a ausência de tristeza e, ao contrário do que se acredita, não é um conceito abstrato, fadado aos setores de autoajuda das livrarias. Desde que o professor de psicologia da Universidade de Utah e da Universidade de Virgínia, Ed Diener, passou a estudar o tema, na década de 1970, a felicidade passou a ser definida e possível de ser avaliada a partir de uma escala padronizada com propriedades psicométricas, criada por ele próprio. Isso permitiu a sistematização do conhecimento sobre o bem-estar subjetivo. A partir daquele momento, Diener tornou possível a observação, identificação, pesquisa e explicação da felicidade, transformando-a num campo da ciência.

 “Na própria definição de Ed Diener sobre felicidade, a parte que eu mais gosto é que, sim, você continuará vivendo emoções negativas. Mas se uma pessoa faz um balanço da vida e o que predomina é uma série de emoções positivas, como alegria, prazer, otimismo, perdão, ela é mais feliz. Isso não significa, porém, que ela não sentiu raiva, desgosto e culpa”, afirma Lilian.

A esse conceito, ela ainda inclui a eudaimonia de Aristóteles. Eudaimonia é uma palavra de origem grega formada a partir dos vocábulos Eu (o bem ou aquilo que é bom) e Daemon (deus, ou gênio, intermediário entre os homens e as divindades superiores). A eudaimonia aristotélica está baseada na excelência da ação humana, que possibilita a virtude – que se esquiva dos vícios e leva à felicidade. “Conhecer o que você tem de melhor para oferecer no mundo e fazer isso em prol de algo maior também está no meu entendimento sobre o que é felicidade”, explica a psicóloga.

Nesta entrevista, Lilian fala sobre a segunda onda da Psicologia Positiva, que surgiu em 2004 e se caracteriza por trazer para a linha de estudos não apenas as emoções positivas mas a funcionalidade das emoções.

Como aconteceu o seu contato com a Psicologia Positiva?

Minha primeira formação é Letras e fiz por influência familiar. Quando decidi estudar Psicologia, eu já tinha dois filhos. Minha dissertação de mestrado, defendida em 1998, já tratava do tema de resiliência (um dos assuntos de estudo da Psicologia Positiva, que estava acabando de despontar) e era sobre um sujeito cuja vida melhorou quando ele descobriu ser portador de HIV, numa época em que AIDS matava e as notícias mostravam que, além de se deparar com a finitude da vida, as pessoas sentiam enorme culpa porque a doença é transmitida via relação sexual sem proteção. Um discurso com o qual eu não concordava, pois eu via gente que não vivia aquilo. Veio, com isso, o desejo de pesquisar o que acontecia com as pessoas que estavam fora desta curva de sofrimento. Foi apenas em 2004, quando meu marido me presenteou com o livro do Martin Seligman, Felicidade Autêntica – que eu entendi qual seria a linha de pesquisa que iria seguir pelo resto da minha vida.

Como a Psicologia Positiva pode contribuir para o bem-estar da pessoa?

Busca-se um psicólogo geralmente quando a pessoa está mal. Quando se busca um psicólogo num momento de depressão, se ele for bom profissional, ele vai me ajudar a superar essa doença – o que não significa que ao superá-la, eu me tornarei uma pessoa feliz. Eu me torno uma pessoa sem essa dor. A primeira coisa que temos de combater é a ideia de que a ausência de dor é sinônimo de felicidade.

Então, o que é felicidade?

Embora muitas pessoas ainda pensem que felicidade é sinônimo de ganhar dinheiro e pagar boleto, ou criar os filhos, o fato é que esse não é o conceito científico para felicidade. A Felicidade em ciência é um bem-estar subjetivo e diz respeito ao balanço que se faz da própria vida, incluindo experiências emocionais agradáveis, baixo índice de humores negativos e alta satisfação em relação à vida. Veja que interessante: felicidade não é a ausência de emoções negativas – o que não seria saudável, pois é preciso sentir medo para não se expor a perigos. Felicidade também não tem nada a ver com a positividade tóxica a que somos submetidos com as redes sociais. E o que eu acho que a cereja do bolo quando se trata da felicidade é a questão do propósito e significado. O que, afinal, você pode oferecer de melhor para o mundo. como ser humano vivente. Mas esse não é o único tema discutido pela Psicologia Positiva, que desde 2004 passou por críticas por só trazer holofotes para os sentimentos que aumentam a sensação de bem-estar. Foi nesta época que surgiu a segunda onda da Psicologia Positiva, também chamada de Psicologia Positiva 2.0, que começou a estudar a funcionalidade das emoções negativas. Mas, apesar disso, ainda não há especialistas falando disso sob a perspectiva da Psicologia Positiva.

Apesar de todas as evidências, ainda há um preconceito quando se fala de Psicologia Positiva…

É importante ressaltar que, por incrível que pareça, a própria psicologia ainda é mal compreendida em alguns contextos. Trabalho com consultoria em empresas e às vezes percebo que, ao me apresentar como psicóloga, algumas pessoas ficam meio tensas, achando que vou “decifrar” as suas mentes. É muito engraçado perceber isso porque é uma visão muito ingênua, quase infantil, do que, de fato, um psicólogo faz. Porém, ainda é uma realidade.

Além disso, os livros de divulgação científica, sobretudo os de Psicologia Positiva, são colocados na prateleira de autoajuda das livrarias – o que não acontece fora do Brasil. Para saber se é autoajuda ou livro científico, a dica é checar as referências bibliográficas. Outra questão que compromete a percepção sobre Psicologia Positiva é a proliferação de influenciadores que se referem à área, com citações e argumentos, mas sem nenhuma profundidade e comprometimento com a ciência.

Como avaliar se o profissional é mesmo sério?

Cada um de nós precisa fazer escolhas em relação a tudo. Se colocarmos no Google terraplanismo há congressos sobre o tema. A questão é a curadoria de conteúdo, não o acesso ao conteúdo. Nem a ciência possui uma voz única. E aí se faz o que? Claro que é importante se a pessoa sabe conduzir a aula de forma leve, mas isso não é tudo o que deve ser levado em consideração quando vai fazer um curso, por exemplo. Será que essa pessoa cita fontes, dá referências sobre o que ensina, explica com base na ciência? As pessoas precisam ter senso crítico. Infelizmente isso passa por educação

É preciso levar em consideração ainda que o seu Google é diferente do meu.

Vale pesquisar que, por mais reducionista que seja, a ciência ainda é a melhor coisa que temos. É melhor a ciência que qualquer achômetro.