Educar filhos não é uma tarefa fácil, afinal eles não nascem com um manual de instruções. Muitas vezes surgem dúvidas e questionamentos sobre qual é a melhor maneira de educá-los. É natural pais ou outros cuidadores se perguntarem se estão cumprindo essa tarefa corretamente, se estão preparando suas crianças para serem adultos independentes, íntegros, responsáveis e felizes.

Nesta entrevista, a psicóloga Victória Niebuhr Loos aborda os maus comportamentos na infância e como evitá-los ou mudá-los. Graduada pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali), ela é mestre em psicologia com ênfase em saúde e desenvolvimento psicológico pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), instituição onde também participou de atividades de extensão do Laboratório de Psicologia Cognitiva Básica e Aplicada (LPCOG), vinculado ao Departamento de Psicologia.

Tem experiência na área de psicologia do desenvolvimento, parentalidade e psicologia cognitiva. Trabalhou por dois anos como mediadora no Serviço de Mediação Familiar de Brusque/SC, município em que também fez estágio no Serviço Social do Fórum durante sua graduação. E foi bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Programa de Demanda Social (Capes-DS) durante seu mestrado.

Atualmente, Victória trabalha como psicóloga clínica, atendendo crianças e adolescentes no Espaço Multidisciplinar Santa Ana, em Brusque/SC. E faz palestras e coordena grupos de pais abordando temas relacionados ao desenvolvimento infantil.

Em 2021, lançou o livro ‘Ensinando limites às crianças – Material de apoio para pais e cuidadores’, em coautoria com a psicóloga e pedagoga Josiane da Silva Delvan da Silva. Publicada pela Sinopsys Editora, a obra é voltada também a professores. Traz diferentes estratégias para lidar com as birras e os comportamentos inadequados da garotada de zero a dez anos de idade, destacando a valorização e o aumento da incidência dos comportamentos adequados.

Com base em estudos e práticas educativas positivas, os métodos estão descritos com uma linguagem de fácil entendimento que possibilitam a sua aplicação no cotidiano das famílias, inclusive com dicas de atividades práticas. Entre os temas abordados, constam desenvolvimento infantil, estratégia educativa (regras da casa), reforço dos comportamentos adequados, extinção dos comportamentos inadequados e importância da rotina.

Por que se tornou psicóloga e como aconteceu o trabalho na área infantojuvenil?

Eu sempre quis trabalhar com crianças e adolescentes. Era uma certeza desde o ensino médio. Então fui pesquisando as profissões que trabalhavam com essa área. Fiquei na dúvida entre professora, psicóloga e médica. Na época do terceirão, fui fazendo aqueles testes vocacionais, conhecendo as profissões e acabei me interessando pela psicologia e pela medicina. No vestibular, tentei medicina e psicologia e passei primeiro para psicologia. Logo que entrei no curso, me apaixonei, descartei de vez a possibilidade das outras profissões e mergulhei de cabeça na psicologia. Durante a graduação, sempre que possível, me voltava às questões infantojuvenis nas disciplinas e estágios. Fiz estágio no Hospital Pequeno Anjo, atuei no fórum de Brusque/SC, no Serviço Social, em que trabalhei com adoção, com processos de divórcio, questões de abuso infantil. Foi muito importante essa parte dos estágios para eu ter cada vez mais certeza de que queria estar nessa área. E mais no final da faculdade, trabalhei com grupos de pais no projeto Educa Pais. Isso também me fez ter mais certeza de que eu iria trabalhar nesse nicho de orientação parental e com as crianças nas famílias, essa questão de limites, de desenvolvimento infantil, das fases do desenvolvimento, tanto na área clínica quanto com grupos de pais e orientação parental.

O que são comportamentos difíceis na infância?

São comportamentos que vão requerer do adulto maturidade para entender que é ele que vai ter que compreender a situação e encontrar a melhor maneira de parar e mudar o comportamento que a criança está tendo. Porque a criança está encontrando a melhor forma, ali naquele momento, de expressar o que está sentindo. Pode estar sendo por meio de birra ou de um comportamento inadequado. Sendo assim, nós, como adultos, temos que achar uma maneira de entender a situação e fazer esse comportamento parar ou mudar.

Quais são os principais comportamentos inadequados que podem surgir na infância?

Os comportamentos inadequados variam muito de acordo com a cultura e os valores da família, porque o que pode ser inadequado para mim pode não ser inadequado para o outro. Por exemplo, à mesa, a criança não pode sair sem limpar o prato na minha casa, mas na sua casa talvez possa. Na minha casa, portanto, esse seria um comportamento inadequado. Porém existem alguns comportamentos inadequados que são mais comuns para nossa cultura, como as birras e a questão de testar os limites dos pais. Se o pai diz que não, a criança tenta argumentar de diversas formas, aí acaba chorando e fazendo a birra ou desobedecendo. O comportamento inadequado também pode ser uma desobediência. E hoje em dia, com a tecnologia, também tem muito o uso de redes sociais e dos jogos sem supervisão ou conhecimento dos pais. Mas, de modo geral, o comportamento inadequado é algo que a família considera que a criança não deveria fazer e acaba fazendo.

Por que as crianças se comportam mal?

Esta pergunta é muito interessante. É importante inclusive pais e cuidadores estarem atentos antes de classificar o comportamento como birra ou simplesmente como um comportamento inadequado. É preciso verificar se não se trata de alguma das seguintes situações. As crianças se comportam mal quando não sabem o que é esperado delas. Às vezes, a gente não deixa claro que agora é hora de comer, ou de dormir, ou de fazer a tarefa. Então elas não sabem o que é esperado delas e acabam se comportando mal. A garotada também se comporta mal para chamar a atenção, sendo, às vezes, a única forma de conseguir atenção e se expressar. Muitos pais não percebem que acabam dando atenção só quando a criança se comporta mal. Quando ela faz a coisa certa, não ganha um elogio ou a atenção dos pais. Na faixa etária de zero aos três, quatro anos de idade, a birra é muito utilizada, porque é a forma que as crianças conhecem, na maturidade do cérebro delas nessa idade, para expressar desgosto. Sendo assim, os adultos têm que ensinar outras formas de elas dizerem como estão se sentindo. Outro motivo é o cansaço: uma criança que está com sono, que teve um dia puxado, tende a apresentar birra. Então, em vez de brigar, é mais fácil ajudá-la a se preparar para dormir. Os pequenos também se comportam mal ao vivenciarem uma emoção muito forte, como uma raiva ou uma tristeza muito intensa, a qual não entendem direito e ainda não manifestaram ou superaram. Outras situações são quando consideram algo injusto e quando algo muito importante para eles não foi interpretado da mesma forma pelos pais; a forma que têm para se expressar é a birra, já que ainda não conseguem argumentar como as crianças mais velhas. Também porque houve uma mudança de regras no meio do caminho sem explicações ou porque as regras são inconsistentes. As crianças também podem ter comportamentos inadequados quando precisam ficar muito tempo paradas quietas ou quando se sentem frustradas.

Como evitar os maus comportamentos infantis (prevenção)?

Para evitar os maus comportamentos infantis, primeiramente, são necessárias regras consistentes e rotina. O que for estabelecido como regra tem que ser seguido de uma consequência positiva. Por exemplo, se a criança guardou os brinquedos, a gente vai elogiá-la, vai passar um tempo com ela, vai dar atenção, para que ela entenda que, sim, esse comportamento é legal. A mesma coisa sobre a rotina, de ter horário para dormir, comer, ir para a aula, fazer as tarefas, brincar com os amigos, porque, assim, as crianças vão saber o que é esperado delas e se sentir seguras. Também é importante não exigir dos pequenos quando estão cansados. Nesse caso, é melhor fazer com que tirem uma soneca. É importante, ainda, focar sempre nos comportamentos positivos, para que eles não precisem chamar a atenção com comportamentos inadequados. Outra forma de prevenir as birras é dizer para a criança o que vai acontecer, principalmente quando vocês vão sair de casa. Por exemplo, se forem visitar uma amiga que ganhou bebê, é preciso que a criança saiba antes que lá não se pode fazer barulho para não acordar o bebê. Nesse caso, para que a criança fique um tempo quietinha, se pode perguntar o que ela quer levar junto, como um brinquedinho ou um cheirinho, para que consiga permanecer naquele ambiente. Isso é bem importante para distrair, desviar o foco e diminuir as chances das birras.

E quando os maus comportamentos ocorrem, como extingui-los?

No momento em que está havendo comportamento inadequado ou birra, existem outras técnicas que podem ser utilizadas. Como, por exemplo, ignorar o comportamento. É importante lembrar que essa técnica só deve ser utilizada se a criança não estiver correndo risco, como perto de uma tomada ou de outra coisa que possa machucá-la. Outra técnica é falar para a criança que, dessa forma, ela não vai conseguir o que quer, e que os pais não conseguem escutá-la quando ela grita, dizendo para que se acalme. Também é possível segurá-la no colo, abraçá-la e pedir que respire e se acalme para que possa ser entendida. Existe também a estratégia do cantinho da calma, ou seja, colocá-la num ambiente da casa que ela goste muito e disponibilizar almofadas, brinquedos que ela goste, para ela ficar lá até se acalmar. E então explicar a ela por que aquele comportamento dela não estava adequado. Também existe a questão do desvio de foco, que consiste em redirecionar a atenção da criança. Outra estratégia que funciona é dar a oportunidade para a criança consertar seu erro quando não é uma birra, mas algo que aconteceu. Por exemplo, se ela pintou a parede com canetinha, em vez de deixá-la de castigo, explicar que o que fez não é certo e fazer com que limpe.

E quando é a hora de procurar auxílio de uma profissional da psicologia no combate aos comportamentos difíceis na infância?

É importante procurar um psicólogo quando esses comportamentos difíceis e as birras não estiverem cessando mesmo seguindo essas dicas e tendo rotina. Ou, ainda, quando esses comportamentos estão atrapalhando demasiadamente o convívio da família ou prejudicando a própria criança na questão social, de interação com os amigos e familiares, ou na questão escolar, com os professores. Sempre é importante procurar um psicólogo nessas situações ou até mesmo se os pais ou cuidadores estiverem com dúvidas em relação à educação das crianças e ao desenvolvimento infantil. Às vezes, o próprio pediatra, quando a criança faz o acompanhamento adequado, vai sugerir a ida ao psicólogo diante dos comportamentos inadequados. E mesmo a própria escola também acaba encaminhando. Nessas horas, é importante seguir a orientação desses profissionais e procurar o psicólogo.

Como e por que surgiu a ideia de escrever o livro ‘Ensinando limites às crianças – Material de apoio para pais e educadores’?

A ideia surgiu a partir do momento em que comecei a atuar na psicologia clínica infantil. Fui percebendo que os pais tinham muitas dúvidas em relação a limites, aos comportamentos inadequados, como lidar com as birras das crianças. Então entrei em contato com a professora Josiane Delvan, que me orientou durante todo meu período de graduação no estágio que a gente fez com o grupo de pais, Educa Pais, na Univali. Naquela época, eu havia escrito, em conjunto com ela, algumas orientações para os pais em relação a esses comportamentos inadequados e birras. Então nós retomamos esse material e introduzimos novas questões e orientações. Inicialmente, ele foi utilizado em workshops e, depois, fomos adaptando cada vez mais até transformá-lo neste livro.

De que forma a obra auxilia pais e educadores na missão de contribuir para o desenvolvimento infantil saudável?

Esta obra contribui bastante na medida que indica para os pais diversas estratégias que eles podem utilizar para amenizar esses comportamentos inadequados e as birras nas diferentes fases do desenvolvimento infantil. Também é um material muito rico na questão das orientações e informações, inclusive sobre o que é desenvolvimento infantil, quais são as fases do desenvolvimento, o que esperar da criança nessas fases, como montar uma rotina e lidar com esses comportamentos. E um outro diferencial desse livro é a questão de que os materiais, as estratégias, que ele traz podem ser reutilizados quantas vezes forem necessárias, porque vem com QR code, que pode ser escaneado para novas impressões.