O psicoterapeuta cognitivo-comportamental Igor Lins Lemos, doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento e criador do Protocolo Desconecta, aborda as dependências digitais. O tema cada vez mais preocupa pais, educadores e profissionais da saúde mental.

O uso inadequado da tecnologia é uma temática que vem obtendo significativa expansão na literatura científica especializada e maior divulgação nos meios de comunicação. Devido à relevância, o assunto também vem gerando maior interesse de pais, educadores e profissionais da saúde mental, que lidam constantemente com a dependência digital de filhos, estudantes e pacientes respectivamente.

Psicoterapeuta cognitivo-comportamental certificado pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC), Igor Lins Lemos atua há 12 anos na psicologia. É natural de Anápolis, Goiás, mas mora desde um ano de idade em Recife, Pernambuco, onde atende crianças, adolescentes e adultos que procuram tratamento clínico para dependências digitais, seja para celular, jogos eletrônicos e outros campos dentro do território da cibercultura.

Doutor em neuropsiquiatria e ciências do comportamento e expert em dependências digitais, ele é o criador do Protocolo Desconecta, direcionado à capacitação de psicólogos para intervenções eficazes e com base científica nessa área.

Também é autor do livro infantojuvenil ‘Desconecta – Vencendo o uso problemático de jogos eletrônicos’ e do ‘Baralho das dependências tecnológicas – Controlando o uso de jogos eletrônicos, internet e aparelho celular’, voltado ao atendimento de adolescentes e adultos. Ambas ferramentas – alicerces do Protocolo Desconecta – são publicações da Sinopsys Editora.

Por que se tornou psicólogo e como aconteceu a escolha pela TCC e mais especificamente pelo trabalho com a temática das dependências tecnológicas?

Eu sempre amei o universo de jogos eletrônicos, desde criança. Quando minha mãe estava grávida de mim, ela ganhou um Atari 2600 em um sorteio feito por um posto de gasolina em Goiás. Então, quando eu tinha três a quatro anos de idade, comecei a jogar. No aniversário de cinco anos, ganhei um Master System e, depois, foi o Super Nintendo. Sempre andei com isso e sempre quis trabalhar na área de ciências da computação, mas, em função do TDAH (transtorno de déficit de atenção/hiperatividade), nunca me dei bem em exatas, mesmo com todo o esforço no colégio. As outras opções eram odontologia, área de atuação do meu pai, ou direito, área de atuação da minha mãe. Na hora de me inscrever para o vestibular, curiosamente, acabei optando pela psicologia e falei: “Vou ver no que vai dar”. Desde o início da graduação, sempre quis relacionar o universo da psicologia com os jogos eletrônicos, mas as disciplinas do ciclo básico eram desinteressantes e quase não abordavam a psicologia. Minhas notas não eram boas e quase cheguei a desistir. Na época, eu também queria muito tocar em uma banda e jogar, embora eu nunca tivesse me considerado um dependente dos jogos eletrônicos. Meu pai então falou que era o ciclo básico e muita coisa ainda vinha pela frente no curso. A partir desse impulso, pensei em fazer algo diferente. Foi quando busquei tratamento psicoterapêutico na abordagem da terapia cognitivo-comportamental e tudo mudou completamente. Minhas notas melhoraram; teve um semestre que fiquei com cinco médias 10. Foi quando constatei a eficácia da TCC (há cerca de 16 anos, a psicanálise era mais conhecida) e comecei a me dedicar de corpo e alma à minha formação na área, assim como nas pesquisas em ciberpsicologia e jogos eletrônicos. Inicialmente, trabalhei na área da violência em jogos, porque pouco se falava em dependência. Mas, posteriormente, todo meu doutorado foi voltado à pesquisa sobre dependência de jogos eletrônicos, inclusive teve Bernard Rangé (pioneiro da TCC no Brasil) como um dos membros da banca. Foi uma tese defendida com maestria, porque todos os seis artigos já estavam publicados. A partir daí, também comecei a palestrar, a conceder entrevistas e a escrever na mídia sobre o assunto.

Quais os impactos negativos do uso inadequado da tecnologia no desenvolvimento de crianças e adolescentes?

Além de estudos mostrarem que há alteração em processos neuropsicológicos das crianças, ocorre alteração estrutural no caso da bainha de mielina, que é uma parte do neurônio. O uso de telas também dificulta o desenvolvimento de aspectos psicomotores. Por isso, não é recomendado que crianças de zero a três anos tenham contato com telas em geral. Por mais que seus cérebros (em fase de desenvolvimento e maturação) sejam adaptativos e elas consigam aprender muito rapidamente, não é saudável. A gente vê muito mais prejuízos do que ganhos. E a mesma coisa se aplica para crianças que têm de quatro a dez anos e que perdem a mão em relação ao uso de telas. Os impactos negativos incluem alteração de sono, da alimentação, sedentarismo, ansiedade, birra e comportamento de enfrentamento. Também ocorre alteração em processos de aprendizagem e prejuízo nos estudos. O mesmo se aplica aos adolescentes, só que eles têm um perfil muito mais forte de enfrentamento, de comportamentos opositores. Tem, ainda, a questão do grupo que eles formam, a questão dos clãs on-line, o que reforça muito mais o pertencimento do que a criança e que tem um outro aspecto social.

De que forma tais consequências podem ser evitadas?

Um dos aspectos essenciais é a psicoeducação parental. De nada adianta a família não participar do processo, não ter interesse, não entender o que se passa no universo infantil ou do adolescente. A partir da psicoeducação, é possível aplicar as outras intervenções, como processo de comunicação em casa, limite, monitoramento, tudo o que reflete, necessidades não atendidas na família, ou seja, processos de cada um em casa que não estão bem, estão em desequilíbrio, e a tecnologia entra como uma fonte de escapismo. Tudo isso é trabalhado em sessão com os pais para que eles possam ter um sistema familiar neuroprotetor.

Qual o papel da psicologia e da psicoterapia no sentido de prevenir e combater o uso inadequado da tecnologia?

É grande a demanda na área de dependência tecnológica. Sendo assim, não adianta só eu atender ou ser em Recife o profissional ao qual esses casos são encaminhados. São necessários mais profissionais e equilíbrio em relação a isso. Então minha função agora é ampliar a capacitação nesse sentido, porque é papel do profissional da psicologia a psicoeducação e a intervenção eficaz. Não só no âmbito clínico, privado, individual, mas em grupo, em colégios, nas famílias. Então a minha intenção é contaminar, no melhor sentido do termo, com o Protocolo Desconecta, para que muitas pessoas possam utilizar os aspectos que a psicologia oferece para gerar um mundo mais saudável.

Fale sobre os módulos do Protocolo Desconecta.

É um curso extenso que envolve diferentes etapas. A primeira aborda o que é ciberpsicologia e a importância de os psicólogos conhecerem esse assunto, etiologia, epidemiologia, sintomatologia, neurobiologia, jogos eletrônicos, pornografia, internet, tudo o que envolve a temática. Também engloba avaliação do paciente, intervenção para orientação de pais, intervenção com crianças, adolescentes e adultos e, ainda, captação de clientes com tráfego orgânico e pago na internet, networking, exposição em mídias digitais ou não. A segunda parte fala sobre atualizações em psicologia, no caso, um ensaio da psicologia junto a finanças em consultório e aspectos que os terapeutas precisam aprender e não aprendem normalmente em nenhuma faculdade. E, por fim, tem um módulo sobre caso clínico, supervisão e implementação.

Qual o papel dos educadores no sentido de prevenir e combater o uso inadequado da tecnologia?

Eles também precisam ter uma formação, inclusive estou desenvolvendo uma ideia para o ano que vem de ter o que a gente chama de uma esteira de produtos. O meu perfil – @igorlinslemos – é hoje voltado a produtos de cursos para psicólogos. Então estou querendo abrir um leque para ensinar outros profissionais, como educadores, psiquiatras, coaches de tela, pessoas de várias áreas que possam utilizar protocolos, cada qual com sua versão. A ideia é fazer uma grande abertura de intervenção em relação aos aspectos de tecnologia educacional, clínica ou então para o próprio coach, que não é clínico, mas trabalha com processo interventivo de curto prazo.