Essas listas infindáveis vão desde tipos de alimentação, exercícios físicos, esportes, lazer, viagens, dicas de relacionamento a dois até relações pessoais e profissionais. Enfim, todos dizem como ter uma ótima qualidade de vida, pelo menos na teoria. Logicamente que se torna quase que impossível atuarmos como atores principais com controle de cada cena na vida real, por isso, essas receitas e fórmulas infalíveis são questionáveis.

Qualidade de Vida Interna (QVI)

No entanto, não é isso que me preocupa e que me tem deixado pensativo, mas sim o que observo nestas mais de três décadas de atuação como psicoterapeuta clínico e que tentei traduzir em um conceito que gostaria de apresentar a vocês. Trata-se da “Qualidade de Vivência Interna – QVI” de uma pessoa. Mas o que seria isso? Simplesmente a referência de como cada um de nós consegue lidar internamente com os fatos e as situações que nos cercam. Também como a pessoa interpreta o que acontece com ela e, principalmente, como reage internamente a isso. Algumas pessoas apresentam uma exacerbação das dificuldades, sofrem intensamente e não conseguem atuar de forma a resolver as situações que estão necessitando de alguma postura mais direta. Outras se desorganizam psiquicamente entrando em transtornos psíquicos como a depressão ou ansiedade ao enfrentarem problemas inerentes à condição humana, como, por exemplo, um conflito familiar. Há também aquelas que vivem preocupações (pré-ocupação mental) constantes que as afligem a tal modo que suas vidas são um eterno sofrimento. Portanto, a referência da QVI, em outras palavras, é a observação clínica e a análise do quanto de energia psíquica emocional a pessoa utiliza para vivenciar suas experiências de vida no dia a dia.

Índice baixo

Entretanto, tendo esse conceito como parâmetro e observação, concluo que o índice da QVI das pessoas está muito baixo. Sofremos mais que o necessário; preocupamo-nos muito além do adequado e usufruímos bem menos do que poderíamos das situações favoráveis devido a projeções de conflitos e dificuldades pessoais internas em fatos externos. Inferimos o que é nosso na interpretação dos fatos, poluindo e contaminando com nossa visão o fato em si.

Somos afligidos psiquicamente e nos atormentamos emocionalmente com inúmeros aspectos e situações de nossas vidas, porém, e é importante ressaltar, são as percepções (leitura interna) dos fatos. Alguns fatores são determinantes e corroboram para projetarmos negativamente no social o que é nosso, tais como:

— nossas histórias emocionais afetivas mal resolvidas;

— as situações sentidas como traumáticas vivenciadas;

— as dificuldades nos relacionamentos familiares;

— desempenho e aceitação sociais rebaixados;

— autoimagem corporal negativa;

— referências pessoais inferiorizadas sobre os aspectos de inteligência e de capacidade;

— crença de não merecimento de vivenciar situações favoráveis a si.

Portanto, vários fatores podem e estão relacionados a esse mecanismo interno de projeção negativa. Apresentamos, de modo geral, uma baixa QVI, e esse critério não leva em conta a “Qualidade de Vida” como referência, já que ela está associada a aspetos mais externos ao indivíduo e ao se tratar da QVI, as referências são totalmente interiores do indivíduo, sempre muito

subjetiva, que, em geral, não dá para ser mensurada como as calorias adequadas de um prato a ser ingerido, ou o número de flexões a serem feitas em uma série de exercícios.

Muitos fatores

Nossa QVI vai depender de múltiplos fatores como os já citados, mas também podemos apontar outros aspectos psicodinâmicos, tais como:

— tipo de estado de ânimo e do humor fundamental da pessoa;

— grau de tolerância à frustração pessoal;

— nível de desapego dos bens materiais;

— grau de adaptação, e aceitação, ao novo;

— grau de rigidez consigo mesmo e com o outro;

— ter clareza dos objetivos de vida.

Exposto esse conceito, fica uma questão: Para termos Qualidade de Vida, não seria essencial termos Qualidade de Vivência Interna? A resposta para mim parece inequívoca. Sim, é fundamental termos uma QVI positiva ou elevada.

Nossa baixa QVI é uma das fontes desencadeadoras das psicossomatizações, já que toda essa energia conflitiva psicoemocional se transforma em energia conflitiva física, ou seja, a doença.

Passamos a vida em estados de conflitos, afinal, viver é administrar conflitos e tentar resolvê-los sem que necessitem se transformar em patologias orgânicas. Mas, quando não são resolvidos e se transformam em doença, viver é sobreviver as psicossomatizações.

O processo psicossomático

Entender o que é nossa trajetória de vida, desde que o homem passa a ter consciência de sua finitude, é o maior dos mistérios que temos de conviver.

De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Talvez sejam as questões que (independemente de culturas, períodos da história, posicionamentos pessoais e classes sociais) afligem a todos e que buscamos entender e responder.

É importante salientar que as respostas a estas questões são tão pessoais que podemos dizer que são únicas e exclusivas, e que, por mais diferentes ou antagonistas que sejam todas as respostas, estão corretas, pois expressam o modo que cada pessoa, dentro do seu universo pessoal, resolve esse paradigma.

Cada um de nós adquire e desenvolve um vasto sistema de crenças, de significados e explicações, que, em suas somatórias (e talvez até além delas), encontramos nossas respostas e o nosso “conforto” em viver, crer e ser. Com raras exceções, enfrentamos no nosso cotidiano pouco conforto emocional e certo descaso existencial, já que estamos mais envolvidos com nossa necessidade de sobrevivência do que com nossa existência.

Limites saudáveis

Muitas vezes, não mais conseguimos discernir os limites saudáveis entre o que precisamos de fato para viver com conforto e dignidade daquilo que é excesso. Vivemos querendo acumular coisas (objetos, móveis, eletroeletrônicos, eletrodomésticos, roupas, sapatos, dinheiro, carros) para termos a sensação (ou mesmo a crença) de que estamos seguros, com o controle sobre nossa vida.

Muitas pessoas também têm na conquista do status social almejado dentro de sua realidade sociocultural a certeza da comprovação do controle sobre sua vida. Logicamente, estamos falando de um universo imaginário e que é restrito à referência de como a pessoa interpreta “ser bem-sucedido”, pois

cada um tem valores diferentes para o conceito de ser bem-sucedido na vida. O que para uns pode ser importante alcançar para estar dentro deste status, para outros pode não ser. É uma questão subjetiva, mas que segue algum padrão social.

Tão etéreo como a referência do que é ser bem-sucedido, é a sensação de que esta conquista dá à pessoa a segurança e a comprovação de controle sobre a vida. E, para alcançar estas metas impostas por nós mesmos (na realidade, para adquirir o status social almejado), “pagamos um preço” muito alto, como, por exemplo, excesso de trabalho. Submetermo-nos a intensas pressões sociais, ter autocobrança muito elevada e pouco lazer ou prazer.

Todos estes desrespeitos com nosso ser fazem com que, em determinados momentos de nossa trajetória de vida, alguns sinais de alerta de perigo à nossa saúde sejam disparados pelo nosso emocional e/ou pelo nosso corpo. Quando a pessoa está atenta a esses alertas, o caminho da recuperação do equilíbrio é mais fácil de ser trilhado, mas, por mais absurdo que possa parecer, a maioria das pessoas não os identifica, não reconhece esses sinais e acabam ignorando ou até se irritando com eles sem ao menos terem entendido o real sentido de seu surgimento, que são pedidos de socorro que o corpo emite, antes de desenvolver problemas psíquicos e/ou físicos maiores e mais graves.

E MAIS…

Aspectos físicos e emocionais

Devemos notar que, a cada patologia ou órgão afetado, temos uma correlação psicossomática que se relaciona diretamente com a emoção e/ou o sentimento, ou mesmo o conflito interno que está sendo explicitado.

No aspecto emocional, os alertas mais frequentes são:

A pessoa geralmente apresenta uma gama destes sinais, isto é, um conjunto deles, que acabam diminuindo a sua qualidade de vida. São variados de acordo com cada pessoa e também o que ela está vivendo como estressor.

• Alteração de humor; irritabilidade; alteração no sono; ansiedade; crises de pânico; bruxismo; depressão; alteração alimentar; cansaço intenso; evitação de lazer; redução da libido; falta de memória e dificuldade em concentração.

No aspecto físico os alertas mais frequentes são:

No aspecto físico, os alertas são muito variados. Menciono apenas alguns como exemplo, já que foi explicado detalhadamente no decorrer do livro, mas, com certeza, é sempre bom lembrar que podem ser desenvolvidos todos os tipos de transtornos físicos existentes. Citando:

• Problemas gástricos; doenças cutâneas; transtornos cardiorrespiratórios; alterações ortoarticulares; défice no sistema autoimune.

Nós entendemos que estes sintomas, na realidade, são alertas e/ou pedidos de socorro, para observarmos com atenção:

— O que está acontecendo comigo?

— Por que está acontecendo isso?

— Para que isso acontece?

— O que significa?

— O que devo fazer nesta situação?

O levantamento destas questões e a consciência que ela nos traz fazem com que possamos pensar e repensar nossa responsabilidade nas situações e condições em que estamos vivendo.