Com 40 anos de profissão, a psicanalista Maria Olympia de Azevedo Ferreira França nasceu e mora em São Paulo capital. Graduada em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUCSP), formou-se em psicanálise pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), da qual é membro efetivo e analista didata, tendo sido diretora científica (1996-1998, 1998-2000 e 2006). Ainda na SBPSP, implantou a Comissão Editorial e o Acervo Psicanalítico, sendo editora e coorganizadora de dez livros, alguns deles editados também no exterior, cuja finalidade sempre foi a de apresentar a vida científica da Sociedade.
Em 2004, ela recebeu o Prêmio Jabuti, na categoria psicanálise, como coautora e organizadora do livro ‘Freud, cultura judaica e modernidade’ (2003). Ao longo de sua trajetória profissional, participou de conferências e trabalhos científico-culturais publicados em livros e revistas nacionais e estrangeiras dedicados às contribuições que a psicanálise pode oferecer ao estudo do perfil e sintomas do mundo contemporâneo. E foi membro da Comissão de Ética da International Psychoanalytical Association (2006).
Nesta entrevista, Maria Olympia conta por que escolheu a psicanálise como profissão e, antes de discorrer sobre as principais diferenças, ela destaca a fundamental semelhança entre psicanálise e psicoterapia: compaixão e respeito à maneira de ser do paciente, ainda que observadas nele falhas éticas ou morais.
Por que optou por trabalhar na área da saúde mental e como aconteceu a escolha pela psicanálise?
Pela educação recebida principalmente de meu pai, sempre foi um valor dar de meu melhor para aqueles que tinham necessidades difíceis de superar. Em minha adolescência, encontrei um caminho para tanto: entrei para a Juventude Estudantil Católica (JEC), cujo foco não era a religião propriamente dita, mas a preocupação com o social. Fazíamos semanas de estudo, leitura de autores humanistas, etc. para conhecermos o humano.
Comecei minha análise leiga por indicação de meu médico clínico após perder muitas pessoas queridas. Iniciei minha primeira análise com Breno Ribeiro e a formação fiz com Gecel Sterling. Também esteve presente nessa busca o desaponto social com o golpe político de 1964. Tinha fundado, em parceria com amigos preocupados com o social, um jornal, Brasil Urgente, que teve uma aceitação muito grande por todo o país. Ele foi fechado no dia 31 de março de 1964. Todos os meus companheiros foram presos. Esse fato abasteceu mais ainda minha mente culposa. Salvei-me, talvez, por ser de família “importante”. Operários de todo Brasil nos ajudavam na distribuição do jornal e traziam sua contribuição às vezes de 10 reais. Amigos ricos proporcionavam contribuição financeira para fundar e mantê-lo.
Por essa ocasião, ajudei a estabelecer a Associação das Domésticas, início de seu sindicato depois conseguido. Isso também tem uma história: fui procurada por uma doméstica maltratada pelos patrões. Não tive tempo para ajudá-la. Morreu no dia seguinte de tuberculose.
Mais um pouco de minha história: tive um sonho, com certeza referente às minhas preocupações quanto ao uso de meus recursos. Alguém me dizia: “Você faz todas essas coisas, mas e seus filhos?” Desisti de me dedicar ao social, embora fazendo o que me fosse possível. Doutor Alceu de Amoroso Lima mandou um recado, que se eu quisesse conversar com ele, poderia procurá-lo. Lógico que fui, o mais lúcido pensador católico. Ajudou-me muito a efetivar meu desejo de continuar meus estudos, interrompidos pelo meu casamento. Já tinha três filhos na época. Continuei então a ser analisada, agora com o pretexto de minha futura profissão.
Cursei psicologia na PUC, dei aulas na Universidade de São Paulo (USP) e depois me candidatei para a SBPSP. Esta formação de psicanálise era a que eu conhecia, pois meu primeiro analista era membro da mesma. Digo ainda muitas vezes: se eu não tivesse feito análise, eu preferiria não ter nascido. Minha alma, por ser muito inquieta, me dava muito trabalho. Exerço a função de psicanalista há mais de 40 anos.
Quais as diferenças fundamentais entre psicanálise e psicoterapia?
Começarei pela fundamental semelhança entre psicanálise e psicoterapia: compaixão e respeito à maneira de ser do paciente, ainda que observadas nele falhas éticas ou morais. Virginia Bicudo, fundadora de nossa Sociedade, dizia: “Ele está aqui, vamos ver o que ele pensa de si”. A diferença entre psicanálise e psicoterapia não está em seu método, “fazer consciente o inconsciente”, mas sim em sua técnica de aplicação. Está nas propostas de trabalho, sejam de alcançar camadas profundas ou camadas comportamentais da mente. A formação psicanalítica enquanto tal requer um tempo maior para a mesma. Em nosso instituto de formação, há a exigência de maior número de sessões semanais, de supervisões, seminários clínicos, etc. Isso não quer dizer que não haja outras instituições com excelente formação nem sempre exigindo um número maior de sessões semanais. Minha experiência mostra que nem sempre algumas pessoas têm condições emocionais ou financeiras para enfrentar um trabalho psicanalítico profundo. Em nossa Sociedade, há muitos analistas que adéquam seu preço às possibilidades do candidato.
Detalhe um pouco sobre a forma como a psicanálise atua na busca da cura dos pacientes.
Bem, não reconheço na psicanálise teórica ou prática a formulação de “cura do paciente”. Uma vez interrogado para que serve a psicanálise, Freud respondeu: “Para ser mais feliz”.
Quais transtornos mentais podem ser tratados com a psicanálise e para os quais ela é mais efetiva? Por quê?
Esta pergunta é por demais abrangente. A psicanálise, assim como a psicoterapia, proporciona o desenvolvimento emocional e intelectual e o melhor aproveitamento de recursos pessoais, como inteligência, sabedoria diária e melhoria nos relacionamentos afetivos. Esse desenvolvimento eleva a autoestima, deixando o indivíduo mais capaz de enfrentar sofrimentos e usufruir de suas alegrias. A psicanálise, talvez por demandar um maior número de sessões semanais, exigência de análise pessoal profunda, esteja mais apta para trabalhar com níveis mentais e emocionais mais profundos, como, por exemplo, é o caso de traços psicóticos. Há uma exceção: não trará resultados quando se tratar da psicopatia pura como base da personalidade. Em determinados casos, os analistas devem ter condições para perceber a necessária introdução de medicamentos psiquiátricos receitados por especialistas. Sou contrária à ideia de que o paciente deve sofrer para melhorar.
O psicanalista ainda é muito relacionado à imagem de uma profissional sisudo, circunspecto, que ouve muito e fala pouco? Ou isso vem mudando ao longo do tempo? Fale a respeito.
Sem dúvida houve modificações na concepção da técnica psicanalítica referentes à atitude e ao comportamento do analista, o levando a um maior envolvimento afetivo com seu paciente. Resumindo, não se considerar um deus que sabe o que é bom para o paciente e assim economizar suas palavras. Por vezes, o paciente pode nos perguntar sobre questões práticas de sua vida e, se o analista puder ajudá-lo, por que não? Haverá casos que exigem uma ação ou fala direta e pontual do analista. Principalmente com crianças e adolescentes, o analista deve apontar diretamente o perigo existente na situação em que está se metendo e, se for um perigo iminente, conversar com os pais, pois cabe a eles a responsabilidade primeira da criança.
A psicanálise é uma abordagem cujo tratamento geralmente demanda mais tempo, podendo alcançar vários anos. Por sua vez, o mundo externo muda muito rápido, o tempo parece passar cada vez mais rápido e as questões internas do indivíduo acabam ficando em último plano. É possível conciliar esse tipo de tratamento com a vida moderna? Como, por que e quais os benefícios?
Psicanálise sempre foi um trabalho para uma elite social, seja pelo custo, seja pelo tempo dedicado a realizá-la, salvo raras exceções. Talvez pelas características citadas do mundo moderno, submeter-se a uma análise clássica quanto aos números de sessões seja mesmo muito difícil ou mesmo impossível. Essa alternativa não se refere à formação do analista enquanto tal. Com o aprofundamento de suas questões internas, o analista terá condições de adequar-se aos tempos modernos, beneficiar seu paciente e saber quando é necessária a ajuda psiquiátrica.