Como explicar a tendência humana de imitar o comportamento dos seus pares? Sempre que vemos alguém fazendo algo, automaticamente simulamos aquele gesto no cérebro, ensaiamos ou imitamos mentalmente toda ação que observamos, é como se nós mesmos estivéssemos realizando aquele gesto.
Essa capacidade se deve aos neurônios-espelho, que disparam quando fazemos um determinado movimento, quando observamos alguém a fazê-lo ou quando apenas o imaginamos. Eles estão distribuídos em partes essenciais do cérebro, como o córtex pré-motor e os centros de linguagem, empatia e dor.
Ao executar, observar a execução ou imaginar um determinado ato motor, seriam ativadas as regiões do córtex cerebral, onde tal padrão motor se encontra armazenado.
Ações futuras
“Neurônios-espelho são capazes de identificar e responder a movimentos ou ações efetuados não apenas pela própria pessoa como também por terceiros próximos. Por isso se acredita que sejam responsáveis por prever as ações futuras de interlocutores e, obviamente, responder a elas antecipadamente”, explica o neurocientista Roberto Lent, da UFRJ, autor da reconhecida obra “Cem Bilhões de Neurônios?”
Os neurônios-espelho foram descobertos pela equipe do neurocientista Giacomo Rizzolatti, da Universidade de Parma, na Itália. O grupo colocou eletrodos na cabeça de um macaco para observar a atividade dos neurônios responsáveis pelos movimentos.
Cada vez que o macaco realizava uma ação, como pegar um biscoito com os dedos, neurônios no córtex pré-motor, nos lobos frontais, disparavam. Os cientistas descobriram que os mesmos neurônios disparavam enquanto o animal observava outros macacos ou humanos realizando o movimento.
Imaginação do movimento
Em outras palavras, o sistema espelho está relacionado com a imaginação do movimento. A descoberta foi feita pela equipe do neurocientista Giovanni Buccino, da Universidade de Parma, na Itália.
O pesquisador monitorou a atividade do cérebro de voluntários enquanto eles assistiam a um vídeo que mostrava sequências de movimentos do corpo através de ressonância magnética. O córtex motor dos participantes se ativava com maior intensidade na região que correspondia à parte do corpo que aparecia na tela. O curioso é que eles estavam completamente imóveis.
Estados mentais
O sistema espelho permite a compreensão das ações dos outros por simular em nós certas informações que deles recebemos. É graças aos neurônios-espelho que somos capazes de compreender os estados mentais e emocionais dos outros.
Essa capacidade de interpretar as emoções alheias é chamada de empatia. Ao “espelhar” as reações dos outros, é possível estabelecer relações sociais, pois a predição das emoções do outro é essencial para o comportamento social.
“Por essas características, atribui-se a esses sistemas-espelho no cérebro a capacidade de interagir com outras pessoas, ou seja, viabilizar um comportamento social adequado”, observa Lent.
Tudo indica uma relação direta entre a empatia e uma maior ativação do sistema neuronal em espelho para comportamentos motores e também para as emoções.
Moralidade
A empatia normalmente é associada à moralidade. As decisões morais envolveriam também o aspecto cognitivo? Segundo o neurocientista, a tomada de decisão em um ambiente social envolve razão e emoção, pois nada é inteiramente cognitivo ou inteiramente afetivo. “Há sempre uma composição dessas duas dimensões em todas as decisões que tomamos, mesmo as de natureza moral. As normas morais são construídas pelas sociedades humanas e mudam com os diversos períodos históricos e com as diversas culturas. Um indivíduo deve conhecê-las para a tomada de decisões, que é a dimensão cognitiva, mas pode concordar ou não com elas, no todo ou em parte, o que modificará sua tomada de decisões, que é a dimensão afetiva. Esses dois componentes modificam sempre o modo e a natureza de nossas decisões morais”, explica.
O cérebro é plástico e com treinamento podemos nos tornar menos egoístas e mais compassivos. “A neuroplasticidade nos permite aprender durante a vida toda, seguindo o treinamento que a educação formal oferece, e aquele que o convívio social garante. Mas a escolha desses caminhos é social. O treinamento de um militar ou policial o ensina a matar. O treinamento de um profissional de saúde o ensina a salvar vidas”, conclui.
Imitação
Os neurônios-espelho constituem um aparato inato que permite que crianças aprendam a partir da imitação, por exemplo. “Aprende-se por imitação sempre. O que a infância tem de particular é uma capacidade maior de aprender dessa forma, que é muito simples e eficiente. A imitação de uma ação realizada por um adulto, como usar um garfo, por exemplo, é muito mais fácil de aprender do que ouvir uma descrição da ação feita oralmente. Essa maior facilidade das crianças em aprender por imitação é parte de um período de maior neuroplasticidade, chamado período crítico”, pondera.
A neurociência especula se as pessoas do espectro autismo têm um déficit no funcionamento do sistema espelho, fazendo com que elas tenham dificuldade de entender intenções, pensamentos e sentimentos dos outros.
Neurônios espelho e a autoavaliação
Lent acredita que os neurônios espelho, de alguma maneira, também participem do processo de autovaliação. “Se integrarmos os neurônios-espelho em sistemas-espelhos e estes em redes cerebrais de automonitoramento e metacognição, ou seja, conhecimento de suas próprias estratégias de pensamento, pode-se considerar sim que os neurônios-espelho participam desse processo de autoavaliação”, pondera.