Alexandre Valença, professor do Programa de Pós-Graduação em Psiquiatria e Saúde Mental da UFRJ, comenta o transtorno de personalidade borderline. Ele é mestre e doutor em Psiquiatria pela UFRJ e professor associado do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da Universidade Federal Fluminense. O psiquiatra descreve os transtornos de personalidade como tipos de comportamentos bem característicos que expressam maneiras de viver e estabelecer relações, ou seja, são traços pessoais que persistem ao longo da vida. Embora disfuncionais, não constituem doenças mentais propriamente ditas.

O termo borderline surge na literatura psicanalítica em 1938, com artigo publicado pelo psicanalista Adolphe Stern, constituindo um marco decisivo na abordagem dos quadros conhecidos como limítrofes.

Robert Knight, em 1953, em sua obra, descreveu o quadro de pacientes internados que não poderiam ser classificados nem como neuróticos, nem como psicóticos.  

O psiquiatra John Gunderson estabeleceu o transtorno de personalidade borderline como um diagnóstico autônomo – sendo os traços principais o medo de abandono, turbulência emocional e automutilação (como se cortar).

Gunderson estava avaliando os efeitos da Psicoterapia em pessoas identificadas como esquizofrênicas no início dos anos 1970, quando ele observou que muitos participantes não tinham psicoses recorrentes, como na esquizofrenia.

 Ao lado da psicóloga Margaret Singer, o pesquisador identificou seis características que fornecem um meio de diagnosticar pacientes borderlines. São elas: afeto intenso, comportamento impulsivo, razoável adaptabilidade social, breves experiências psicóticas, pensamento solto em situações não estruturadas e relações que oscilam da superficialidade à dependência.  

O indivíduo com esse transtorno de personalidade faz esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginado. Os relacionamentos são intensos, a visão do outro se alterna entre a idealização e a desvalorização.

O sujeito ainda apresenta perturbação da identidade e instabilidade resistente da autoimagem, com baixa autoestima. Geralmente, sua raiva é inapropriada, com frequente irritação e perda do controle.

Várias causas podem explicar a origem do transtorno de personalidade, como o fator genético e experiências traumáticas na infância, como abuso sexual e negligência. Daí a importância da terapia psicodinâmica, para investigação do histórico do paciente.

A causa da impulsividade e instabilidade afetiva pode ser os baixos níveis de serotonina, um neurotransmissor que atua no cérebro, estabelecendo comunicação entre as células nervosas. Quando se encontra numa baixa concentração, pode causar mau humor, dificuldade para dormir, ansiedade ou mesmo depressão.

Exames de neuroimagem mostram que o quadro está associado a alterações no córtex cingulado anterior – região envolvida com a antecipação de recompensas, tomada de decisão e controle dos impulsos – e outras áreas do córtex pré-frontal. Os estudos ainda mostram a redução do volume da amígdala e do hipocampo, que são regiões cuja interação é decisiva para muitas formas de aprendizagem e memória.

Os transtornos de personalidade são considerados frequentes pela epidemiologia psiquiátrica. Estima-se que cerca de 10 a 13% da população geral, quando investigada, preenche os critérios diagnósticos para transtorno de personalidade.

Como explicar os sentimentos crônicos de vazio e a busca constante por identificações do borderline?

Isso se explica pelo fato do borderline ser um indivíduo que não atingiu a plena maturidade emocional. Então, ele demonstra uma fragilidade dos mecanismos mentais, tornando- o mais dependente, intolerante à frustração, principalmente em relação ao rompimento de relacionamentos, passando a demonstrar um traço de raiva inapropriada. O boderline apresenta, portanto, instabilidade afetiva marcante, impulsividade, perda do controle, identidade difusa, sendo suscetível a experiências dissociativas e apresentando profundo sentimento de dor. É muito comum surgirem esses sentimentos crônicos de vazio, que resultam em tentativas de suicídio, atuações autodestrutivas, automutilação, principalmente em situações de estresse.

O borderline severamente perturbado beira a psicose?

Os indivíduos com transtorno de personalidade borderline, conforme descrito pelo psiquiatra norte-americano Gunderson, podem apresentar os chamados sintomas micropsicóticos, que são delírios, por exemplo, os persecutórios, em que eles se sentem perseguidos e ameaçados, além de alucinações auditivas e visuais. Esses sintomas são transitórios podem durar horas ou poucos dias, não há evolução, como no caso da esquizofrenia. Na vigência de um quadro agudo, esses indivíduos podem ainda apresentar experiência dissociativa, como amnésia dissociativa, em que o sujeito não lembra quem é ele ou onde mora. Em geral, esses sintomas surgem com eventos estressores, como rompimentos afetivos, que é um estressor importante para o borderline.

É possível que em casos menos severos os borderlines usem processos psíquicos de um modo mais adequado à inserção social?

A inserção social será facilitada se o indivíduo apresenta um quadro mais brando. Os traços disfuncionais no transtorno de personalidade borderline são a instabilidade, a impulsividade, a desregulação do humor etc. Quanto maior a gravidade dos sintomas, maior a dificuldade de inserção social. Outro ponto a ser ressaltado é que a comorbidade com outros transtornos mentais apresenta um pior prognóstico. Ou seja, há maior dificuldade de adaptação com a presença concomitante com outros distúrbios, como depressão, transtornos alimentares, transtornos de relacionados a uso de substâncias, entre outros. Daí a importância do tratamento, como o farmacológico ou o psicoterápico. As formas de Psicoterapias mais indicadas é a cognitivo-comportamental, que estimula o indivíduo a mudar comportamento, ou psicodinâmica, que ajuda a entender questões do passado, como histórico de abuso físico e sexual na infância.

Hoje, quando palavra de ordem é fruição, é a personalidade borderline que se impõe como a normalidade contemporânea?

Acredito que não. A forma do indivíduo como o transtorno de personalidade se relacionar, interagir, perceber e reagir é geralmente problemática. Num primeiro momento, os borderlines podem encantar, seduzir e despertar interesse das pessoas. Porém, quando há conflito ou discordância, eles se tornam irritáveis e às vezes agressivos. Na verdade, são sujeitos que se envolvem em relações desajustadas em seus contatos interpessoais, no âmbito conjugal, profissional e social.  

O borderline transgride os limites das convenções sociais. Ele é criativo, mas paga o preço da instabilidade…Poderia comentar?

De fato, o borderline pode ser criativo e encantador, mas a própria instabilidade pode resultar em dificuldade nas relações interpessoais. É muito comum, nesse caso, a oscilação entre idealização e desvalorização do outro. Se, por exemplo, o indivíduo gosta de uma pessoa que o desagrada, ele pode vir a desvalorizá-la, não querendo mais a companhia dela. Há instabilidade em múltiplos aspectos da vida do sujeito, o que pode trazer problemas para ele. Esses indivíduos ainda podem desenvolver transtornos mentais, especialmente quando diante de estressores que produzem instabilidade emocional.

Ao borderline, interessa um ego sem fronteiras, não a consciência vigilante do homem moderno. O borderline não reprimiu os desejos, tem acesso a eles?

O borderline também possui traços neuróticos, não significa que ele não reprimiu os desejos. O indivíduo que não reprime os desejos é psicótico. Não é o caso do borderline, que pode ser sintomas micropsicóticos, mas não é francamente psicótico. Especialmente quando contrariado ou quando um desejo não possa ser satisfeito, pode haver uma descarga impulsiva, apresentando reações autodestrutivas, como busca desenfreada por sexo, uso de substâncias, automutilação e comportamentos agressivos e autodestrutivos.

Por que o borderline sente vergonha?

O borderline tem múltiplas instabilidades, por exemplo, no comportamento, no afeto, no modo de reagir. Após as turbulências emocionais, carregadas de raiva e impulsividade, ele pode sentir vergonha e culpa. Mas muitas vezes ele não consegue controlar o comportamento, pois ele apresenta a tendência a agir por impulsivamente, especialmente quando contrariado, e depois ele reconhece o comportamento irascível e arrepende-se por essas atitudes, sobre as quais não houve controle.

O borderline deixa-se permear pelo ambiente a sua volta?

Isso acontece quando as circunstâncias são favoráveis, ou seja, estão de acordo com o que o borderline quer, pensa, imagina. Mas, quando a situação está desfavorável, aparecem os rompantes de raiva, a instabilidade humor, sentimento de vazio, impulsividade, conflitos…

Como seria o encontro de dois borderlines?

Geralmente, serão relacionamentos tempestuosos, com conflitos. São marcados por términos e recomeços, pois, se dois borderlines estão envolvidos em um relacionamento amoroso, apresentam um padrão de instabilidade na autoimagem, no afeto, no comportamento, com sentimentos de incompletude. Os borderlines se entregam fortemente ao relacionamento, mas são relacionamentos tumultuados e complicados.