“Divórcio é para os fortes”. Essa frase é da minha mãe, mulher nascida nos anos 1950, época quando o divórcio era considerado sentença de “morte emocional”; a mulher era banida “da sociedade”, rotulada como perdida e fadada à solidão eterna.

Essa frase pode ser interpretada, por algumas pessoas, como pesada ou assustadora. Porém, infelizmente, ela continua muito atual e, em consultório, é possível identificar que esse temor ao divórcio abarca não só as mulheres, mas aos homens também.

Casos nas relações afetivas 

Assustadoramente, o número de separações e, para mim pior, o número de casais que decidiram manterem-se casados e infelizes cresceu muito na pandemia. Tenho certeza de que todos que estão lendo esse texto conhecem algum casal, ou indivíduo, que enfrentava ou não, antes da pandemia – no decorrer do ano de 2020 – um relacionamento que passou ou passa por um período de caos. São casais se separando, se divorciando, dando um tempo, dormindo na sala, no quarto das crianças, em outros cômodos… tem de tudo.

Definitivamente, não sei o que é pior: chegar à constatação do final do relacionamento em meio à pandemia ou decidir “ruim com ele (a), pior sem ele (a)”, e aprisionar a si, ao outro, e submeter aos filhos esse modelo de “casal para as mídias sociais verem”. Realmente, os relacionamentos estão na UTI.

Todos sofrem

Não é nada fácil chegar ao término de um relacionamento, nada fácil! A sensação de fracasso, de sonho acabado e tempo perdido acometem a todos que finalizam uma relação. Não é privilégio dos casais que estão juntos há muito ou pouco tempo, ou dos que investiram “todas as fichas”, ou apenas acreditaram que poderiam ter um casamento; ou quem pede a separação, ou quem é “pego de surpresa” – todos sofrem.

Agora, a pergunta que mais ouço em consultório: “Por que meu casamento ou relacionamento não deu certo?” Primeiramente, questiono o que é “dar certo”. Para mim, todos os relacionamentos deram certo, todos cumpriram alguns ou muitos aprendizados, diante da necessidade de evolução.

Existem milhões de motivos que justificam o término de um relacionamento. No início do século passado, a menos de cem anos atrás, os casais “não tinham que se preocupar” com esse tema; o divórcio era uma impossibilidade e pronto; o casal, ou a esposa, tinha apenas que se preocupar com o bom funcionamento da família; o homem, em prover o sustento. Vocês conseguem imaginar que, só em 1977, o divórcio foi instituído oficialmente no Brasil? Faz só 44 anos que começamos a pensar e a estudar verdadeiramente sobre o assunto, seus efeitos, possibilidades e consequências.

Neurociência do Amor

Estudos na Neurociência demonstram que nas separações, que são, em sua grande maioria, acompanhadas de dor e sofrimento, trazem também a revelação de que os indivíduos envolvidos apresentam aumento dos níveis dos hormônios relacionados ao estresse, como adrenalina e cortisol.

A ruptura amorosa também ativa os lobos frontais, com ênfase no córtex orbitofrontal, que modula o humor, apresentando uma tendência depressiva. Essa área está relacionada aos ajustes comportamentais, favorecendo comportamentos obsessivo-compulsivos, e ao controle da raiva”, diz o Dr. Fernando Gomes Pinto, no Livro Neurociência do Amor.

As fases do luto afetivo

Justamente por essa tempestade de hormônios e sensações correlacionadas é que nós, seres humanos, evitamos e, muitas vezes, postergamos as separações e divórcios. Essas sensações duram, em média, de um a dois anos – o período chamado luto – muito semelhante ao luto em caso de perdas e mortes. O luto é composto por cinco fases: negação, raiva, negociação ou barganha, depressão e aceitação. Muito importante lembrar que todas as fases devem ser vividas em todas as separações, independentemente da forma que se deu e de quem fez a escolha.

Sim, quem pede a separação ou divórcio também passa por todas essas fases. A diferença é que, geralmente, quem pede a separação iniciou as fases do luto antes, desde o momento em que começou a pensar e a planejar a ruptura, por isso, é comum observar e questionar que o outro “não está sofrendo” tanto quanto quem foi “surpreendido” pelo pedido de separação, mas ambos passam por todas as fases, ou deveriam passar.

Digo deveriam passar, pois ainda existe um grupo de pessoas que ficam estagnadas numa das fases, não conseguindo elaborar e se reestruturar, o que chamamos, em psicologia, de fixação numa das etapas do luto, não conseguindo chegar até a aceitação.

Outros grupos acabam postergando o sofrimento e há uma consequente demora em passar pelas fases do luto como, por exemplo, separarem-se, mas continuar a morar com o (a) parceiro (a), a não se divorciarem na justiça, a não contarem para os filhos e familiares, inventando viagens a trabalho ou coisas semelhantes. Quando sou procurada em consultório para acompanhar uma separação ou divórcio, é comum eu perguntar: “quer sofrer aos poucos, ou de uma única vez?”, pois todos os casos acima só postergam o sofrimento.

A procrastinação do sofrimento

É comum os casais se separarem e deixarem para depois a oficialização do divórcio na justiça, achando que será mais fácil ou menos dolorido. Sinto muito em dizer que isso não é verdade. Ao fazer essa escolha, a possibilidade de reviver o sofrimento no momento do divórcio na justiça é enorme.  E, se um dos parceiros, nesse meio tempo, acabar se envolvendo com outra pessoa – entre a separação e o divórcio – posso afirmar que a confusão, a mágoa, a tristeza e o sofrimento coletivo serão inevitáveis.

Diante de todos esses fatos de temporalidade, em que estamos aprendendo a conhecer os sentimentos e funcionamentos da mente frente aos divórcios, tudo o que acontece no cérebro – essa tempestade de hormônios e os desafios de passar e elaborar as etapas do luto – fazem, com certeza, os divórcios serem para os fortes.

E MAIS…

Técnicas de superação  

Estabelecer alguns hábitos e mudanças de comportamentos ajudam a passar pelo divórcio, claro que nunca sem dor ou algum sacrifício, mas podem amenizar o processo. Pratique.   

  • Ir ao encontro da aceitação é o melhor caminho. Procure ajuda de especialista, caso perceba que está fixado (a) numa etapa do luto.
  • Deixe de acompanhar o (a) parceiro (a) nas redes sociais. Quando seu cérebro não recebe novas informações sobre ele(a), menos memórias serão evocadas, e menos alucinações negativas serão estimuladas.
  • Evite ver fotos ou encontrar o (a) parceiro (a). Assim, menos memórias serão acionadas.
  • Peça para familiares e amigos em comum não trazerem notícias sobre o (a) antigo (a) parceiro (a). É o mesmo movimento das fotos e redes sociais, quanto menos informações, menos reativam memórias.
  • Permita-se vivenciar cada fase do luto. Fingir que está tudo bem, ou que está forte, quando não está, só postergará mais o luto.
  • “Não devemos encarar os términos como uma etapa final e, sim, como a única oportunidade de um novo caminho, a oportunidade de fazer algo que nunca se fez” (Fonte dessa frase: Série Hospital New Amsterdam).