Fato notório dos últimos tempos, a produção de vídeos caseiros, através de plataformas como Youtube e TikTok, têm sido cada vez maior entre crianças e adolescentes. Em um artigo de 2019, Camila Chiquito e Renata Becate ressaltam a predominância do consumo de vídeos pelo público jovem, da taxa de 90% na população urbana e 63% na população rural, em 2017. Com o advento dos vídeos curtos do TikTok, não surpreenderia que há um aumento ainda maior atualmente, especial após o advento da pandemia do Covid-19.

Por outro lado, nosso modelo de ensino ainda usa vídeos em sala de aula – quando utiliza – de forma geral, incorretamente, conforme já salientava José Moran em 1995. Não é incomum observarmos tais usos em sala de aula. Desde o “vídeo-tapa buraco”, que é usado em situações como falta do professor, até o “vídeo-enrolação”, aquele que pouco ou nada tem a ver com a matéria, passando pelo “vídeo-deslumbramento”, em que o professor fica tão empolgado que passa a usar vídeo para tudo, a questão é que há várias formas de incorrer em erro quando se utilizam vídeos na prática educativa.

Poderoso recurso

Não usar um poderoso recurso como o vídeo em sala de aula é não querer aproveitar de uma tecnologia que não somente é objeto de produção e consumo por grande parte de seus alunos (senão todos), mas também é uma forma de “empobrecer” suas aulas e deixar a motivação dos alunos em baixa. É importante lembrar que a imensa maioria das propagandas são no formato audiovisual, e que estas têm uma enorme influência em nosso comportamento. No dizer de Josias Pereira, “uma formação docente com mídias imagéticas vai além de relações lógico-cognitivas entre sujeitos”.

Conforme salientam Marcelo Borba e Vanessa Oeschler, vídeos como plataforma educativa foram utilizados há várias décadas no Brasil, desde aulas no padrão telenovela transmitido por satélite, aos mais recentes, como o Telecurso. No entanto, este recurso sofreu uma profunda transformação com o crescimento da Internet e de plataformas, como o Youtube. A produção de vídeos transformou, assim, os meros espectadores em celebridades instantâneas, com monetização, que se tornaram os conhecidos “Youtubers”. Com popularização das mídias sociais e dos smartphones, os vídeos passaram a ter papel central como meio de comunicação, em especial os vídeos curtos.

Tecnologia Educativa

Emyldes Silva e colaboradores defendem que o uso de vídeos como recurso didático “pode favorecer a compreensão dos conteúdos ensinados, aproximando-os da realidade e tornar as aulas do professor mais interessantes, prazerosas e significativas” (2017, p. 304), desde que usado com planejamento e intencionalidade, e como instrumento de intervenção pedagógica.

De fato, Cleibiane Peixoto e Sandra Vilas-Bôas asseveram, à guisa de conclusão de seu trabalho envolvendo alunos de uma escola pública de Ipameri/GO com conceitos matemáticos, que “se o vídeo for utilizado adequadamente pelos professores em sua prática pedagógica” (2020, p. 1) irá contribuir com melhor compreensão dos conceitos matemáticos autonomamente pelos alunos, além de contribuir para maior interesse pela aprendizagem de matemática, incentivar a aplicação dos conceitos matemáticos no cotidiano, aumentar o gosto e o interesse pelos estudos em matemática, além de “amenizar as dificuldades apresentadas pelos alunos em relação à disciplina”.

Ferramenta bem usada

José Moran elencou alguns usos interessantes para os vídeos em sala de aula, que reproduzimos de forma adaptada aqui, a partir de seu artigo.

Vídeo como SENSIBILIZAÇÃO para introduzir um novo assunto, de forma a despertar a curiosidade e motivar o aluno para novos temas.

Vídeo como ILUSTRAÇÃO, em que funciona como exemplos de cenários desconhecidos para o aluno, como em narrativas históricas.

Vídeo como SIMULAÇÃO, para casos de experimentos prolongados e custosos.

Vídeo como CONTEÚDO DE ENSINO, que aborda direta ou indiretamente determinado conteúdo.

Vídeo como PRODUÇÃO, ou seja, registro (de eventos, aulas etc.), de forma a documentar suas experiências.

Vídeo como EXPRESSÃO, da linguagem e do contexto dos alunos.

Vídeo como AVALIAÇÃO, do processo como um todo, ou dos atores da aprendizagem.

Vídeo ESPELHO, cuja função é evidenciar as ações próprias para reflexão e autoconhecimento.

Vídeo como INTEGRAÇÃO/SUPORTE a partir de outras mídias ou interagindo com estas: televisão, cinema, computador, videogames etc.

Possibilidades de análises

Como visto, há várias possibilidades do uso do vídeo como instrumento educacional, e cada uma remete a uma forma diferente de abordar um conteúdo, um objetivo ou uma ideia. No entanto, isso ainda não é suficiente. Há necessidade de se discutir, de explorar, de criticar e de dinamizar a exposição do vídeo. Mais uma vez recorreremos a Moran, que lista várias possibilidades de análise.

O autor cita a Análise em Conjunto, uma forma de estudar o vídeo junto com os alunos, sendo o professor um dinamizador e moderador, instigando os alunos com perguntas e exibindo cenas-chave do vídeo para estimular o debate. Uma outra forma seria a Análise Globalizante, que é realizada após a exibição do vídeo e se baseia em quatro perguntas: “– Aspectos positivos do vídeo? – Aspectos negativos? – Idéias (sic) principais que o vídeo passa? – O que vocês mudariam neste vídeo?”. Os alunos são divididos em pequenos grupos e depois reunidos, para destacar o que é coincidente e divergente, para o debate na síntese final, juntamente com o professor.

Na Análise Concentrada, são escolhidas uma ou mais cenas marcantes, que são revistas e discutidas a partir de perguntas: “– O que chama mais a atenção (imagem/som/palavra)? – O que dizem as cenas (significados)? – Conseqüências (sic), aplicações (para a nossa vida, para o grupo)? Na Análise “funcional”, são escolhidas funções a serem executadas por alunos, como fazer uma descrição sumária, anotar palavras-chave, anotar imagens significativas, caracterizar os personagens, música, efeitos e as mudanças que ocorrem no vídeo. Tudo é exposto e colocado para discussão em grupo.

Mas talvez uma das mais importantes seja a Análise da Linguagem, uma forma de análise de conteúdo que pode desvendar os sentidos claros e ocultos na narrativa do vídeo. Assim, se pode questionar:

“– Que história é contada (reconstrução da história)
– Como é contada essa história
– O que lhe chamou a atenção visualmente
– O que destacaria nos diálogos e na música
– Que idéias (sic) passa claramente o programa (o que diz claramente esta história)
– O que contam e representam os personagens
– Modelo de sociedade apresentado
– Ideologia do programa
– Mensagens não questionadas (pressupostos ou hipóteses aceitos de antemão, sem discussão).
– Valores afirmados e negados pelo programa (como são apresentados a justiça, o trabalho, o amor, o mundo)
– Como cada participante julga esses valores (concordâncias e discordâncias nos sistemas de valores envolvidos). A partir de onde cada um de nós julga a história”.

E MAIS…

Considerações sobre a Utilização de Vídeos no Ambiente Escolar

1 – Use o vídeo integrado à sua apresentação de conteúdo – oPowerpoint, o aplicativo de apresentação do pacote Office, da Microsoft, é uma das possibilidades de integração tecnológica do vídeo na aula. É possível inserir um vídeo em um slide, de forma que reproduza automaticamente, para ilustrar ou melhor explicar um conceito que foi ou será exposto.

2 – Use vídeos curtos e significativos – usar vídeos curtos garante atenção concentrada dos alunos, porém tem que ser também significativos para estes, de forma que se identifiquem e motivem.

3 – Produza vídeos com os alunos – na esteira das metodologias ativas de aprendizagem, identifique focos de interesse em seus alunos e produza vídeos, com seu conteúdo, a partir da ótica deles. Utilizar uma plataforma como o TikTok pode auxiliar nesse processo, pois já deverá ser de conhecimento deles. Afinal, a plataforma é a que mais cresce e tem maior número de downloads no Brasil. Francinaldo Nogueira e Carolina Gonçalves asseveram que “ao produzir um vídeo, utilizando as tecnologias disponíveis, a criança recebe estímulos significativos do ambiente que colaboram para que haja sinapses que resultam em novos conhecimentos”.

4 – Use vídeos lúdicos – vídeos lúdicos e engraçados são atraentes e evocam a atenção, são memoráveis. Não necessariamente precisam estar diretamente ligados ao conteúdo, ou mesmo serem de interesse direto da escola. Basta que sejam colocados estrategicamente em determinado ponto da narrativa.

5 – Planeje a Utilização de Vídeos – a utilização de vídeos deve fazer parte de seu planejamento de aula e das disciplinas. O vídeo não deve ser um recurso usado sem estar devidamente inserido nas atividades, em um plano elaborado.

Referências
BORBA, Marcelo de Carvalho; OESCHLER, Vanessa. Tecnologias na educação: o uso dos vídeos em sala de aula. R. bras. Ens. Ci. Tecnol., Ponta Grossa, v. 11, n. 2, p. 391-423, mai./ago. 2018.
CHIQUITO, Camila Forti; BECATE, Renata Boutin. Produção Audiovisual no Youtube por crianças (Youtubers Mirins). Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. Vitória, ES: 03 a 05/06/2019.
MORAN, José Manuel. O Vídeo na Sala de Aula. Comunicação & Educação. São Paulo, ECA-Ed. Moderna, [2]: 27 a 35, jan./abr. de 1995.
NOGUEIRA, Francinaldo Mendes; GONÇALVES, Carolina Brandão. Neurociência: Vídeo de Divulgação Científica como Estímulo para a Aprendizagem. Anais do IV Simpósio em Educação em Ciências da Amazônia/IV Seminário em Educação em Ciências da Amazônia. Manaus, AM, 08 a 10/12/2014.
PEIXOTO, Cleibiane Susi; VILAS BÔAS, Sandra Gonçalves. O Vídeo como Recurso Pedagógico no Ensinar e Aprender Matemática – Uma proposta para os anos finais do ensino fundamental. Anais do Congresso Internacional de Educação e Tecnologias. Encontro de Pesquisadores em Educação à Distância. Ressignificando a presencialidade. Universidade Federal de São Carlos, SP, 24 a 28/08/2020.
PEREIRA, Josias. A Neurociência e a produção de vídeo estudantil. Disponível em: <https://wp.ufpel.edu.br/roquettepinto/2017/03/24/neurociencia-e-producao-de-video-estudantil/>. Acesso em 04/12/2021. Publicado em: 24/03/2017.
SILVA, Emyldes de Lima; MOREIRA, Eveline da Silva Gontijo; SANTOS, Kléber Antônio Lourenço dos, SOUZA, Marta João Francisco. O Uso do Vídeo como Recurso Didático. Anais da XIV Semana de Licenciatura/V Seminário da Pós-Graduação em Educação para Ciências e Matemática: Reformas Educacionais: Pontos e Contrapontos. Jataí, GO, 25 a 30 de setembro de 2017.
TAIDSON, Lucas. Engajamento e entretenimento: a produção de conteúdo para o TikTok. Disponível em: <http://blogrp.todomundorp.com.br/2021/06/engajamento-e-entretenimento-producao-de-conteudo-para-o-tiktok/>. Acesso em: 04/12/2021. Publicado em: 10/06/2021.