A síndrome de burnout, ou síndrome do esgotamento profissional, afeta cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros conforme dados divulgados pela Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt). Trata-se de um estado de exaustão mental, emocional e física causado pelo ambiente de trabalho por meio da exposição prolongada a situações estressantes, excesso de demandas, pressão e falta de suporte.
Os principais sintomas são sentimentos de desgaste, ineficácia e exaustão, insônia, depressão, estresse, ansiedade, alterações de foco e apetite, o que afeta negativamente tanto o desempenho profissional quanto a qualidade de vida pessoal. “Você sente vontade de trabalhar, mas trabalhar se torna um fardo muito pesado quando se tem burnout”, relata a médica Nicolly Machado, 32 anos.
Nesta entrevista, ela conta o que causou o transtorno, diagnosticado três anos após sua formatura e durante a pandemia, e como conseguiu vencê-lo. Conhecida como Dra. Sem Rugas, Nicolly é pós-graduada em dermatologia clínica, estética e cirúrgica, especialista em cuidados dermatológicos e dedicada a promover saúde e beleza para seus pacientes.
Estágios
A síndrome de burnout foi definida nos anos 1970 pelo psicanalista Herbert Freudenberger. Ele detectou o transtorno em si mesmo e viu semelhanças em colegas, que, ao vivenciarem uma sobrecarga contínua de trabalho, passavam a tratar seus pacientes com desprezo e negligência. Porém, mesmo conhecido há meio século, o transtorno só entrou na lista de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019.
Freudenberger e a também psicanalista Gail North separaram o caminho até transtorno em 12 estágios, que podem ocorrer em ordem e intensidade diferentes dependendo do caso. Há quem viva vários deles de uma vez ou vá direto para os mais graves. Os estágios são: compulsão em demonstrar seu próprio valor, incapacidade de se desligar do trabalho, negação das próprias necessidades, fuga de conflitos, reinterpretação de valores pessoais, negação de problemas, distanciamento da vida social, mudanças estranhas de comportamento, despersonalização, vazio interno, depressão e esgotamento.
O que a levou a ter síndrome de burnout?
Foi a rotina exaustiva de trabalho. Eu trabalhava longas horas por dia, sem horário de almoço, sem tempo para ir ao banheiro, fazia dez plantões semanais e achava isso simplesmente maravilhoso. Eu queria me firmar como médica e acreditava que meu rendimento e meu faturamento muito bons eram sinônimos de sucesso. Os meus pacientes estavam felizes, com a felicidade deles, eu ficava feliz e comecei a romantizar essa rotina exaustiva.
Quais os principais sintomas que começou a apresentar?
Os principais sintomas para mim foram insônia, irritabilidade, intolerância, impaciência e choro fácil. Eu não era mais a mesma pessoa. O burnout surge de forma gradual, não é logo percebido. Assim, quando você consegue notar que algo não está certo, normalmente, ele já está avançado, seu trabalho não lhe dá mais prazer, suas noites de sono são horríveis, seu lazer é praticamente zero e seu descanso é trocado por horas extras de trabalho. Nem da sua própria mente você consegue tirar o trabalho. E isso vem muito do WhatsApp, que, hoje em dia, leva o trabalho conosco para todo lugar e 24 horas por dia, o que torna tudo extremamente cansativo.
E como chegou ao diagnóstico?
Certo dia, meu marido me disse que eu não era mais a mesma pessoa de um ano atrás, que eu estava muito diferente: “Você sempre foi muito alegre, feliz, sempre teve muita paciência, sempre gostou e teve prazer em seu trabalho e agora só reclama o dia todo, está intolerante, parece que não tem mais tanta alegria em fazer as coisas que você fazia antes”. Foi quando decidi consultar uma psiquiatra, que fez o diagnóstico.
Até pouco tempo, burnout era um transtorno não tão diagnosticado, mas hoje é cada vez mais. Fale a respeito.
Antigamente, a síndrome de burnout não era identificada. Ela era vista como estresse. Hoje se sabe que existem formas diferentes de estresse – estresse físico, estresse mental – e que o excesso de estresse mental causa o esgotamento, que é a síndrome de burnout.
O que fazer para evitar a síndrome de burnout?
A primeira coisa é entender que seu corpo e mente precisam estar em conexão. Não adianta querermos romantizar rotinas exaustivas, romantizar o empreendedorismo, achar que, quanto mais trabalhamos, mais merecedores somos das coisas, porque o merecimento não tem nada a ver com rotinas exaustivas. Temos que tirar um tempo para nós, ter qualidade de sono, fazer atividade física, nos alimentar bem e ter autoconhecimento.
Eu cheguei ao autoconhecimento por meio de meditação e leitura. Foi quando parei e olhei para mim mesma, encarei minha realidade e admiti que não estava bem porque minha rotina de trabalho era exaustiva, o celular tocava o tempo todo, inclusive em finais de semana, fora do horário de trabalho, em momentos de lazer. Hoje em dia, com as redes sociais, as pessoas conseguem falar com você muito rápido. E você quer oferecer aos pacientes a cortesia do livre acesso, porém muitas pessoas ultrapassam os limites. Você se sente pressionado e, quando se dá conta, está trabalhando 24 horas por dia.
Qual a importância de buscar ajuda de um profissional da saúde mental tanto para tratar quanto para prevenção?
Para mim, foi de extrema importância procurar ajuda de um profissional da área da saúde, porque foi possível identificar qual o meu distúrbio e tratá-lo de forma eficaz. A psiquiatra me ajudou a enxergar que eu precisava não romantizar rotinas exaustivas e que eu precisava de um tempo para mim, estar bem comigo mesma, para ter capacidade física, mental e espiritual para oferecer o meu melhor para meus pacientes. Procurar um médico foi, sem dúvida, a melhor solução. E consegui sair da síndrome de burnout sem medicação, somente com mudanças de hábitos, atividades físicas, melhora da qualidade do sono, meditação e leitura.
Quando iniciei o tratamento, precisei reduzir drasticamente as minhas tarefas do trabalho e fazer um processo de desintoxicação física e mental para pensar em outras coisas, em minha família e amigos, em meu lazer, em ter hobbies, em toda uma vida que antes ficava em segundo plano. Algo que foi, aos poucos, devolvendo meu ânimo, melhorando meu sono, minha disposição e reduzindo o estresse que tinha se tornado parte do meu dia a dia. Toda essa experiência se transformou em aprendizado, me ajudou a prezar pela organização, a saber delegar tarefas e equilibrar a vida pessoal e profissional.