Burnout é um termo em inglês que pode ser traduzido como “queima, exaustão, esgotamento” (LINGUEE, [s.d.]), ou definido como “the state of having no energy or enthusiasm because of working too hard”; isto é, em tradução literal, o estado no qual não se tem energia ou entusiasmo por se ter trabalhado muito. A Síndrome de Burnout tem como sintomas a estafa física, mental e emocional relativas ao trabalho; o portador da síndrome se sente esgotado, no limite. O estado se diferencia da depressão, do estresse e da ansiedade por estar necessariamente ligado ao trabalho (Cambridge Dictionary, [s.d.]).

Nos últimos tempos, o Burnout tem sido tema recorrente já que a Covid-19 alterou o modelo de trabalho drasticamente e de forma abrupta. Boa parte dos infectados pela Covid-19 tende a desenvolver sintomas respiratórios leves a moderados e a se recuperar sem tratamento, porém algumas pessoas são mais propensas a desenvolverem a forma grave da doença.

A pandemia trouxe número alarmante de óbitos como nunca vivido desde a Gripe Espanhola no século passado e, apesar dos esforços para conter a disseminação do novo coronavírus, a situação tem sido crítica em diversas partes do mundo. A situação da pandemia se arrasta por mais de um ano, ocasionando o fechamento de serviços não essenciais e até mesmo lockdown. Os hospitais estão superlotados, o que leva à falta de leitos ou equipamentos suficientes para atender a população. Em face disto, tanto os profissionais de saúde da linha de frente quanto os demais se viram sobrecarregados e mentalmente afetados.

Como sobrecarga, baixo nível de controle das atividades e dos acontecimentos, trabalho por turnos e ocupação relativa ao cuidado são considerados fatores de risco, profissionais de saúde estão propensos a desenvolverem a síndrome, sobretudo em situações diferenciadas como pandemias.

Estudos avaliam a linha de frente

Um estudo iraniano comparou os fatores influenciadores do Burnout em enfermeiros da linha de frente com enfermeiros de outros setores. As análises demonstraram que o tipo de trabalho, cuidar de portadores de Covid-19, falta de recursos hospitalares e estresse profissional podem ser considerados fatores de risco para Burnout relativo ao Coronavírus. O nível de Burnout é mais alto em enfermeiros da linha de frente do que nos demais (Hoseinabadi et al.,2020).

Um estudo paquistanês entrevistou residentes do departamento de cirurgia. Do total dos entrevistados; 66,1% dos médicos relataram que o medo de ser infectado estava interferindo em suas habilidades clínicas; 61% admitiram preocupação em infectar familiares e 38,5% afirmaram ter medo de irem a óbito em decorrência de uma possível infecção por Covid-19. (Osama et al., 2020).

Outro estudo foi conduzido com otorrinolaringologistas dos Estados Unidos. Encontrou-se Burnout em 21,8% dos participantes, dos quais 29,7% eram residentes e 24,7% assistentes. A diferença entre homens e mulheres com Burnout foi significativa, sendo que 29,2% eram do sexo feminino e 17% do sexo masculino.

Com relação aos sintomas de ansiedade, estes foram observados em 47,9% dos participantes, sendo que 28,9% tinham sintomas leves; 11,5% sintomas moderados e 7,4% sintomas graves. As mulheres se mostraram mais propensas a manifestarem sintomas de ansiedade. Sintomas de estresse foram relatados em 60,2% dos participantes, dos quais 32,7% manifestaram sintomas leves; 20,9% sintomas moderados e 6,6% sintomas severos.

Fatores de risco gera Burnout

A pandemia de Covid-19 demonstrou ser um desafio para os otorrinolaringologistas por conta da preocupação consigo e com seus familiares. A especialidade está em risco por conta do contato com aerossóis no momento de realizar certos procedimentos. Ficou evidente o alto nível de ansiedade e estresse, porém a redução da jornada de trabalho decorrente do cancelamento de procedimentos eletivos mitigou alguns dos sintomas negativos da pandemia na saúde mental (Civantos et al., 2020a).

Na categoria dos cirurgiões de cabeça e pescoço, uma pesquisa brasileira revelou que o Burnout foi encontrado em 14,7% dos participantes, sendo que mulheres demonstraram maior propensão a apresentar a Síndrome do que os homens. Muitos participantes (45,5%) descreveram sintomas de ansiedade e boa parte relatou sintomas de estresse (26,3%), sendo que destes 6,7% manifestaram sintomas preocupantes; 4,9% estavam com provável Transtorno do Estresse Pós Traumático (TEPT) e 14,7% com provável TEPT com supressão imune (sintomas severos). Mulheres e médicos mais jovens demonstraram sintomas mais importantes e aqueles com condições psiquiátricas prévias tiveram pontuações mais altas. Assim como otorrinolaringologistas, os cirurgiões de cabeça e pescoço também estão expostos aos aerossóis, portanto manifestam preocupação e têm a saúde mental afetada (Civantos et al., 2020b).

Através de todos estes estudos, podemos ver que a pandemia realmente vem impactando a saúde mental de profissionais de saúde de diversas especialidades e que, além do Burnout, os mesmos profissionais também estão sofrendo de ansiedade, Transtorno do Estresse Pós Traumático (TEPT) e estresse. Alguns grupos como mulheres e profissionais com poucos anos de experiência demonstraram maior vulnerabilidade e, portanto, maior propensão para desenvolverem a síndrome.  

Nesse cenário da pandemia, a falta de infraestrutura de algumas instituições de saúde, realidade bem presente em nosso país, é considerado fator de risco para o desenvolvimento do Burnout. A prevalência da Síndrome foi maior nos profissionais que tinham contato direto com pacientes infectados por Covid-19; em contrapartida, a prevalência de ansiedade e estresse foi importante tanto nos profissionais da linha de frente quanto nos de outros setores por conta do medo de ser infectado, medo de infectar a família ou até mesmo de ir a óbito em decorrência da infecção.

Assistência aos profissionais

A partir dos estudos que mencionamos aqui, fica evidente que situações como pandemias tendem a afetar a saúde mental dos profissionais de saúde. Por conta disto, chamamos atenção para a necessidade da criação de programas voltados para a saúde mental dos profissionais da área e da realização de melhorias nas estruturas dos centros de saúde, sobretudo nos públicos, que apresentam situação ainda mais precária.

Outra questão bastante séria durante a pandemia tem sido a falta de EPIs, que, além de deixar os profissionais mais expostos à infecção, afetam ainda a saúde mental por conta da ansiedade e insegurança. Os EPIs são necessários para proteger a saúde física, mas também são úteis para que os profissionais se sintam mais amparados e mais seguros para trabalhar em ambientes passíveis de contaminação, diminuindo assim a prevalência de ansiedade e a possibilidade de gerar traumas decorrentes dessa situação. Um outro problema que enfrentamos no nosso país é a falta de profissionais capacitados, sobretudo intensivistas, que são hoje apenas 5000 em todo o Brasil. Este baixo número de profissionais gera baixa rotatividade nos plantões, desencadeando assim sobrecarga de trabalho em ambientes física e mentalmente insalubres.

Sintomas de ansiedade em todos

Profissionais de áreas distintas a saúde também vêm sofrendo de sintomas de ansiedade. Trabalhadores informais como motoristas de aplicativo e vendedores ambulantes; donos de comércio e diaristas estão vivendo a dura realidade de não poderem trabalhar devido às restrições da pandemia. A ansiedade de não saber se poderão pagar o aluguel do mês é atormentadora e o auxílio emergencial fornecido pelo governo não é suficiente para o sustento de uma família. Profissionais que têm a possibilidade de exercer trabalho remoto também vem sofrendo de estresse e ansiedade, muitos por acabarem trabalhando mais horas do que o habitual, outros por terem que dar conta do trabalho, da casa e dos filhos em homeschooling ao mesmo tempo e outros por não se adaptarem ao sistema remoto de trabalho.

Trabalhadores de serviços essenciais como mercados, farmácias e postos de combustível, apesar de terem o sustento garantido, demonstram ansiedade e medo de serem infectados ou de infectarem familiares. A verdade é que a pandemia trouxe uma situação desfavorável para a saúde mental de cidadãos de todas as idades, classes sociais e categorias profissionais e isso nos faz refletir a importância da promoção de saúde mental.

Sequelas psicológicas

Muitas empresas já fizeram parcerias com aplicativos que oferecem sessões online com psicólogos e psiquiatras e isso já é um grande avanço para a saúde mental. Existem ainda algumas redes que fornecem atendimento a preço social e até mesmo atendimento gratuito, mas ainda são muito escassas para a grande demanda que temos atualmente. Cabe a nós cobrarmos do Estado e das empresas privadas mais estratégias para a promoção de saúde mental para que possamos evitar sequelas psicológicas e psiquiátricas graves em cidadãos de todas as idades e classes sociais.

E também criar nossas próprias estratégias para lidar com esse momento tão desafiador e tentar amenizar os danos causados em nosso dia a dia. Um dia, isto tudo vai passar e estaremos aqui sendo os representantes do conceito mais profundo da resiliência.

E MAIS…

Especialistas colocam a Síndrome de Burnout em pauta

Alguns autores fizeram uma pesquisa e levantaram os principais fatores laborais associados à síndrome. Conheçam quais são e avaliem seus sintomas.

  • Sobrecarga: qualidade ou quantidade excessiva de atividades, que estão além da capacidade de desempenho do indivíduo por insuficiência técnica, falta de tempo, falta de estrutura organizacional ou principalmente pressão no trabalho, desencadeando da exaustão emocional;
  • Baixo nível de controle das atividades ou acontecimentos no próprio trabalho e baixa participação nas decisões sobre mudanças organizacionais: desestimulam o profissional;
  • Expectativas profissionais: quando as expectativas do indivíduo sobre o seu desenvolvimento profissional não condizem com a realidade;
  • Sentimentos de injustiça e de desigualdade nas relações laborais: que podem ter relação com a carga de trabalho, com salários desiguais para o mesmo cargo ou até mesmo com ascensão de colega sem merecimento;
  • Trabalho por turnos ou noturno: afeta cerca de 20% dos trabalhadores, podendo acarretar transtornos físicos ou psicológicos. Os mais propensos são aqueles que precisam realizar mudanças de turno a cada 2 ou 3 dias, mudando do período noturno para o diurno e vice-versa;
  • Suporte organizacional precário e relacionamento conflituoso entre colegas: os funcionários se sentem desamparados, desrespeitados e carentes de orientação, pensando que não podem contar com ninguém. Existe uma piora no quadro quando se trata de sujeitos distantes, competitivos, demasiadamente críticos ou preguiçosos;
  • Tipo de ocupação: geralmente relacionada a cuidadores;
  • Relação muito próxima e intensa do trabalhador com as pessoas a que deve atender; responsabilidade sobre a vida de outrem: por exemplo, cuidadores de deficientes mentais;
  • Conflitos de papel: discrepância entre informações e expectativas do funcionário com relação ao seu desempenho em determinado cargo ou função na instituição;
  • Ambiguidade de papel e normas: pouca delimitação com relação à normas, direitos, métodos ou objetivos (TRIGO; TENG; HALLAK, 2007).

REFERÊNCIAS
CAMBRIDGE DICTIONARY. Cambridge Dictionary. [s.d.]. Disponível em: https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/burnout. Acesso em: 7 mar. 2021.
CIVANTOS, Alyssa M. et al. Mental health among otolaryngology resident and attending physicians during the COVID-19 pandemic: National study. Head and Neck, [S. l.], v. 42, n. 7, p. 1597–1609, 2020. a. DOI: 10.1002/hed.26292.
CIVANTOS, Alyssa M.; BERTELLI, Antonio; GONÇALVES, Antonio; GETZEN, Emily; CHANG, Changgee; LONG, Qi; RAJASEKARAN, Karthik. Mental health among head and neck surgeons in Brazil during the COVID-19 pandemic: A national study. American Journal of Otolaryngology – Head and Neck Medicine and Surgery, [S. l.], v. 41, n. 6, p. 102694, 2020. b. DOI: 10.1016/j.amjoto.2020.102694. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.amjoto.2020.102694.
HOSEINABADI, Tahere Sarboozi; KAKHKI, Samaneh; TEIMORI, Gholamheidar; NAYYERI, Somayyeh. Burnout and its influencing factors between frontline nurses and nurses from other wards during the outbreak of Coronavirus Disease-COVID-19-in Iran. Investigacion y Educacion en Enfermeria, [S. l.], v. 38, n. 2, 2020. DOI: 10.17533/UDEA.IEE.V38N2E03.
LINGUEE. Linguee. [s.d.]. Disponível em: https://www.linguee.com.br/ingles-portugues/traducao/burnout.html. Acesso em: 7 mar. 2021.
OSAMA, Muhammad; ZAHEER, Farhan; SAEED, Hasham; ANEES, Khadija; JAWED, Qirat; SYED, Sohaib Hasan; SHEIKH, Bashir A. Since January 2020 Elsevier has created a COVID-19 resource centre with free information in English and Mandarin on the novel coronavirus COVID- 19 . The COVID-19 resource centre is hosted on Elsevier Connect , the company ’ s public news and information . [S. l.], n. January, 2020.
TRIGO, Telma Ramos; TENG, Chei Tung; HALLAK, Jaime Eduardo Cecílio. Síndrome de burnout ou estafa profissional e os transtornos psiquiátricos. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), [S. l.], v. 34, n. 5, p. 223–233, 2007. DOI: 10.1590/s0101-60832007000500004.